𝟎𝟎𝟑 | Pistas

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Na suave tarde que se desenrola, Christian permanece em seu posto na plataforma elevatória, seu cabelo escuro fluindo como as asas de um corvo ao vento, enquanto seu olhar se perde no horizonte. À sua vista se estende a cidade devastada onde edifícios esqueléticos se erguem como monumentos de um mundo que não existe mais, e na calçada repousam os corpos dos mortos-vivos, dispostos em pilhas sombrias. Cada um desses cadáveres, outrora vivos, possuía uma história única, uma rotina, laços familiares, sonhos e dores, agora reduzidos a silêncio e decomposição. O grupo, ciente do peso que carregam, opta por cremar os corpos, evitando assim o mal cheiro que pairaria sobre eles e a terra, além de poupar o árduo trabalho de cavar sepulturas em número tão grande. Porém, a escassez de combustível torna essa tarefa cada vez mais desafiadora.

Os pensamentos de Christian são como uma tempestade furiosa em sua mente, preocupado com o bem-estar dos companheiros lá fora, em meio ao desconhecido que se estende além dos muros. Antes que consiga encontrar paz em seus devaneios, uma voz suave o alcança, vinda de trás de dentro do muro, como um sussurro no vento.

— Ficar de guarda não vai fazer eles voltarem mais rápido! — a voz diz num tom acolhedor e preocupado, como se tivesse um convite a seguir.

Christian se volta na direção da voz, avistando Breno, com seus quinze anos de idade, cabelos castanhos caindo displicentemente sobre o rosto pálido, iluminado pelos raios solares que revelam as sardas que pontuam sua pele. Ao seu lado está Nathan, o jovem afro-americano, adornado com suas características tranças box braids, destacadas por uma faixa que adorna sua testa. Ambos trajam roupas confortáveis, shorts e camisas leves, um reflexo da vida simplificada que levam neste novo mundo. Embora a comunicação entre eles tenha diminuído nos últimos anos, Christian nutre um afeto profundo pelo par, reminiscências de um tempo antes do apocalipse, quando eram eles a alma da turma — e ainda são. Nathan e Breno possuem o dom raro de desenterrar risos fáceis, uma habilidade que parece fazer eles mesmos felizes também. Nathan, em particular, parece ter abraçado essa ideia após o suicídio inesperado de seu pai, talvez um esforço para pintar o mundo com a alegria que lhe foi roubada, ou talvez para assegurar que ninguém mais se afunde no abismo sem ser notado.

— Estávamos prestes a jogar basquete! — anuncia Nathan. — Por que não se junta a nós?

— É isso aí, cara, venha conosco! — incentiva Breno, seus olhos semicerrados refletindo a determinação em seu convite.

Mesmo com a luz solar desenhando véus sobre sua visão, Breno percebe a tempestade de pensamentos que assola Christian ao ver sua expressão: um mosaico de reflexão, melancolia e desgosto. Christian desvia o olhar dos dois, contemplando o pátio onde mesas de piquenique repousam à sombra acolhedora das árvores, enquanto a brisa brinca com as folhas, sussurrando segredos antigos e as crianças que tecem risadas e jogos no pátio completando o quadro.

Christian volta seu olhar para eles.

— Eu não sei... — murmura ele, sua voz ecoando incerteza.

Um suspiro angustiado escapa dos lábios de Nathan, cuja preocupação pela angústia do amigo é palpável. Ele intui que Christian está rememorando o antigo professor de educação física, Março, cujo desprezo evidente por ele, tornou a vida escolar de Christian um verdadeiro inferno, seja por motivos religiosos ou étnicos, pois christian tinha uma mãe brasileira e um pai de linhagem americano-asiática,

As humilhações públicas, as reprimendas constantes diante dos colegas e, pior ainda, as ameaças veladas de violência física, tudo isso fazia parte do cotidiano de Christian. E mesmo quando ele resolveu faltar à aula de Março todas as terças-feiras, não encontrou paz, pois o desafortunado professor não hesitou em confrontá-lo na quarta-feira seguinte, questionando sua ausência.

The Dead Come Back To Life: O Caminho Para CrossvilleOnde histórias criam vida. Descubra agora