𝟎𝟎𝟏 | A Última Vez

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"Às vezes, ao vivermos o presente, nos esquecemos de saborear os momentos com aqueles que amamos, esquecemos que pode ser a última vez, esquecemos que pode ser um adeus."

O céu se desdobra em uma vastidão límpida e azul, uma ironia cruel ao dia marcado pela tragédia. Raios de sol, tingidos de um laranja vibrante, infiltram-se pelas janelas da sala de aula, agora transformada em um quarto improvisado. Christian não dormiu esta noite e por mais estranho que pareça não sentiu sono algum. Ele permaneceu a noite inteira na mesma posição de agora: sentado à beira da cama, olhos inflamados e vermelhos pelo choro incessante, enquanto segura firmemente a fotografia de Tommy, capturada por Maddy na peça do dia anterior.

O sol, em sua trajetória declinante, lança um brilho sobre as lágrimas já secas que marcaram seu rosto, iluminando a dor que se cristalizou em sua expressão. A dor nas costas — resultado de horas na mesma posição — é ignorada no momento. Seus olhos fixam-se na imagem onde Tommy sorri, segurando um pedaço de bolo, e um sorriso melancólico brota em seu rosto — um sorriso que, aos olhos de outros, poderia parecer um sorriso de alguém que enlouqueceu.

Com a voz embargada pelo pranto que consumiu a noite, ele murmura.

— Me desculpa… eu não consegui te proteger. — As palavras saem abafadas, carregadas de um peso que só o coração entende.

Com os olhos fechados, Christian se permite um momento de reflexão, apertando a foto contra o peito. Questiona-se sobre as escolhas feitas, sobre os "e se" que agora o assombram. E se tivessem escutado Sawyer desde o início e deixado a escola? Será que teriam encontrado um lugar novo e ninguém teria morrido? E se ele tivesse sido mais diligente nos treinos, poderia ter protegido seus amigos? De repente um clique metálico da porta o arranca de seus devaneios.

Fritz, o policial grisalho de cinquenta anos, com sua barba por fazer e rugas que lhe conferem um ar negligenciado, adentra o quarto vestindo um casaco pesado de inverno.

— O funeral está pronto — anuncia ele tem com seu tique nervoso que o faz morder e lamber o canto da boca, como se estivesse com um chiclete na boca, enquanto observa Christian, que rapidamente desvia o rosto e esconde a fotografia. Ele mal consegue disfarçar o peso da tristeza em sua voz. — Todos estão à sua espera.

— Estarei lá em breve — responde Christian, evitando o contato visual.

Fritz se retira, deixando Christian a sós com seus pensamentos. Leva um tempo até que ele encontre forças para se erguer. Coloca a foto de Tommy cuidadosamente sobre o criado-mudo e começa a se vestir. Escolhe uma blusa de frio bicolor, com mangas e capuz cinzas contrastando com o preto do restante da peça. Enrola um cachecol negro ao redor do pescoço, veste calças pretas adequadas para o frio e calça seus all stars desgastados. Ao cruzar o quarto e encarar seu reflexo no espelho, um arrepio o percorre: seu rosto pálido e as olheiras profundas o fazem parecer um fantasma de si mesmo. Seu cabelo está embaraçado e desordenado, mas isto é o menor de seus problemas. Com um suspiro profundo, ele deixa o quarto, preparando-se para enfrentar o dia que se anuncia.

Sob o manto branco e implacável da neve, a terra outrora maleável do canto da escola havia se transformado em uma superfície rígida, quase indistinguível ao concreto. O frio era uma entidade viva, um espectro que se infiltrava por entre as fibras das roupas, mordiscando a pele com dentes gelados. A ausência de pás para todas levou alguns dos sobreviventes a empregar canecas e até mesmo as próprias mãos calejadas para escavar a terra congelada. A tarefa árdua e meticulosa de cavar as onze sepulturas consumiu aproximadamente três exaustivas horas da noite anterior.

A escola, que antes era um refúgio para quarenta e cinco pessoas, agora abriga apenas vinte e duas, cada uma carregando o peso da perda e da desolação. Reunidos em torno das covas recém-preenchidas, seus rostos são retrato da tristeza e do luto coletivo. Na ausência de alguém religioso, Breno foi escolhido para proferir um tributo aos que partiram por conta de seus pais, conhecidos por sua fé cristã.

The Dead Come Back To Life: O Caminho Para CrossvilleOnde histórias criam vida. Descubra agora