𝟎𝟎𝟑 | A Fortaleza

63 9 52
                                    

— Por que você fez isso? — Lesley pergunta, a voz tremendo em meio ao silêncio opressivo da floresta.

As sombras das árvores se erguem como titãs antigos, abafando o resto do mundo em uma escuridão impenetrável. A lua mal consegue penetrar o dossel de folhas espessas, deixando os outros fugitivos em uma obscuridade quase palpável. Cada passo é um murmúrio suave na sinfonia noturna, e o ar, espesso e imperturbável, exala um cheiro metálico e pútrido, misturando carne em decomposição com a umidade de pêlos de animais abandonados. O sussurro dos grilos é o único som que rompe o silêncio, como se a própria floresta estivesse em um estado de contenção.

Christian avança com as mãos cerradas em torno do punho de sua macuahuilt. Seu rosto — um mapa de linhas e sombras — é apenas uma forma indistinta na penumbra, mas os olhos carregam um peso de arrependimento e determinação. Ele olha para Lesley, cuja pele negra brilha como um veludo profundo sob o feixe escasso da luz lunar. Seus cabelos crespos caem em cascata, emoldurando um rosto marcado por um passado de lutas e sobrevivência. O vestido simples que usa — como um relicário de tempos passados — balança suavemente com cada passo, um eco de uma vida que foi antes do caos.

— O que eles fizeram é errado — Christian começa, a voz carregada de uma gravidade antiga. Ele pausa, como se buscando as palavras no fundo de um abismo escuro. — Quando entrei no grupo, eu estava com fome. Estava lutando pela sobrevivência. Mas, o que eles fazem... é diferente. Eles se deliciam com o sofrimento alheio, é uma perversão que vai além da necessidade da sobrevivência.

Natasha, uma mulher baixa e robusta, seu pano de cabeça desfiado como uma bandeira de batalha, interrompe com uma voz que parece uma lâmina em uma noite fria.

— Ele nos ajudou. A fome pode transformar qualquer ser humano em uma sombra de si mesmo. Lembra dos gatos e cachorros? — Ela solta um soluço, a voz quebrando com a dor de uma perda recente. — Ele errou, mas... ele se redimiu. Isso é o que importa agora.

Lesley, com os olhos de um âmbar profundo, observa Christian com uma mistura de medo e compreensão.

— Eu sei, mas... aconteceu tão rápido. Os mortos chegaram e então... minha irmã, ela... — Ela se interrompe, soluçando, sua voz carregada de uma tristeza que se estende como um véu sombrio.

Christian baixa a cabeça, seu semblante um retrato de culpa e determinação. Ele ergue a mão para tocar o ombro de Lesley, um gesto simples, mas carregado de significado.

— Eu sinto muito — ele diz, a voz vibrando com uma sinceridade crua. — Eu devo a vocês, e não vou a lugar algum até que estejam seguros.

De repente, um som furtivo, como o sussurro de um predador em meio ao silêncio da noite, interrompe a caminhada do grupo. Christian, com os olhos aguçados e o coração palpitando, faz um gesto silencioso com o polegar na boca e ergue sua macuahuitl pronta para o combate. Ele rapidamente vislumbra uma sombra fugidia, uma figura indistinta que atravessa atrás das árvores e desaparece na densa floresta.

O grupo inteiro desarmado — exceto por Christian — se agacha, os músculos tensos, aguardando. O silêncio se torna palpável, pesado com a expectativa. Mas, antes que possam relaxar, uma visão aterradora se revela: uma criança, em um estado de decomposição grotesca, emerge das sombras. Seus cabelos loiros, emaranhados e emaranhados, são presos de forma descuidada em um coque, e seu vestido rosa claro, agora rasgado e sujo, balança como um estandarte macabro.

Christian observa com um misto de desconfiança com seus olhos percorrendo o cenário em busca de qualquer sinal de que aquilo não é um morto-vivo. Quando percebe que não é um cicatriz, ele solta um suspiro de alívio.

— É só um deles.

Ele dá um passo à frente, sua macuahuitl erguida, quando, de repente, a criança-morta se inclina para a frente e solta um grunhido penetrante, um som gutural e agonizante que reverbera pela floresta, como o grito de um fantasma antigo clamando por vingança.

The Dead Come Back To Life: O Caminho Para CrossvilleOnde histórias criam vida. Descubra agora