𝟎𝟏𝟎 | Trabalho Duro

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Sob a luz abrasadora daquela tarde, o sol castiga sem piedade, embora o grupo permaneça sob a proteção das sombras das árvores. Vinte e oito pessoas batalham contra a floresta com machados e motosserras em mãos, golpeando com força e precisão os robustos troncos dos pinheiros. O som das lâminas cortando madeira ressoa pelo ambiente, como uma melodia de destruição constante. Christian, com apenas 14 anos, está entre eles. Seu cabelo escuro, desordenado e queimado pelo sol, cai até a metade do pescoço com  alguns fios brancos prematuros que brilham sob os raios escaldantes.

Ele ergue o machado, as mãos sujas de seiva e poeira tremendo ligeiramente de exaustão. O golpe desce com toda a força que ainda lhe resta, e o "THUNK" ecoa quando a lâmina se finca profundamente no tronco já caído, lançando estilhaços de de madeira ao ar. Christian solta o ar com força pelos lábios, sentindo o coração martelar no peito, e passa o antebraço pela testa suada, num gesto automático e cansado. Seus olhos varrem o ambiente, e ele vê a floresta outrora densa agora dispersa, marcada pelos tocos deixados para trás. O som constante das motosserras, o ritmo irregular dos machados, reverbera como uma sinfonia caótica, preenchendo o vazio das árvores que tombam ao redor.

Em posições estratégicas, cavaleiros em armaduras reluzentes vigiam, suas espadas à mão, imóveis como estátuas sob o sol inclemente, e Christian só consegue pensar em como eles suportam aquele calor insuportável dentro de suas pesadas armaduras. Ele ergue o olhar para o sol, franzindo os olhos, e com um simples olhar tentou adivinhar as horas. Estima que sejam perto das cinco da tarde. Durante seus dias na estrada, aprendera a ler o céu como um velho marinheiro lê o mar, e agora aquele conhecimento parecia ter retornado, como uma lembrança distante.

Faz sete dias que cortam árvores incessantemente, durante horas a fio, e Christian sente o peso da exaustão em cada fibra de seu corpo. As mãos doem, os braços ardem, e as costas parecem prestes a ceder. Ele tenta focar no que o mantém ali: pagar a dívida com Williard e seguir em frente em sua busca de seus pais, seus irmãos e sua gatinha. Mas, mesmo quando se força a olhar adiante, uma pontada de culpa o atinge. Ele se apegou ao grupo de Crossville — a Louis, especialmente. E a ideia de tê-los deixado numa situação de perigo, causada em parte por suas próprias ações, aperta seu peito como um punho invisível.

De repente, um grunhido grave corta o ar, quebrando seus pensamentos como vidro estilhaçado. Um dos cavaleiros brada: "Mortos-vivos!" Christian vira-se imediatamente com os músculos tensos, mas seu olhar é calmo. Observa, atento, enquanto o cavaleiro mais à frente parte a cabeça de um morto-vivo ao meio, a espada cortando o ar com um silvo agudo antes de atingir o alvo com um som úmido e grotesco. Ele estreita os olhos, percorrendo a floresta ao redor em busca de outros ameaçadores, mas não vê mais nada.

Com um suspiro de alívio contido, Christian volta a atenção para o machado preso no tronco. Coloca o pé sobre a madeira, usando o corpo como alavanca para puxá-lo. O machado se solta de repente, quase o derrubando para trás. Ele cambaleia, mas logo recupera o equilíbrio, esboçando um sorriso breve, como se risse de si mesmo. Mais uma vez, ele ergue o machado, o peso em seus braços parecendo maior a cada golpe. Mais alguns minutos, mais alguns troncos, e finalmente a jornada do oitavo dia chegaria ao fim.

Quando o sol já se esconde por trás das árvores e o céu adquire um tom alaranjado, quase melancólico, as carroças cheias de troncos finalmente seguem seu rumo de volta à Fortaleza. O peso do trabalho pulsa nas costas de Christian. Montado no cavalo seus olhos se fecham por instantes no caminho. O silêncio do grupo que o acompanha é quebrado apenas pelo rangido das rodas no chão de terra e o pisar dos cavalos, um som monótono e ritmado, que quase embala seu corpo exausto.

Ao chegarem, eles estacionam as carroças sob uma lona improvisada, protegendo-as da ameaça de chuva que paira no horizonte. Christian, sem dizer uma palavra, se apressa para tomar um banho. A água fria toca sua pele e, enquanto escorre pelos braços, ele percebe algo novo: suas mãos estão endurecidas, cobertas de calos que mais parecem pequenas montanhas. Ele esfrega as palmas, pensativo, sentindo a textura áspera que contrasta com sua pele antes macia. Esse apocalipse esta moldando seu corpo de uma forma que ele mal reconhecia.

The Dead Come Back To Life: O Caminho Para CrossvilleOnde histórias criam vida. Descubra agora