Capítulo 3: Estudante de letras.

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Eu fazia estágio no período da tarde em uma empresa de gestão em qualidade de alimentos. Era um dos ramos da química que eu podia atuar, já que eu não estava nem um pouco interessado em virar professor de química e aguentar o monte de adolescentes chatos. Tinha conseguido minhas férias do estágio, mas agora iria aproveitá-la entregando currículo para conseguir um segundo emprego.

Puxei meu celular do bolso quando o senti vibrar, pensando no que mais poderia fazer para conseguir ficar a bons olhos do juiz. Ganhava uma grana tocando no bar toda sexta feira com Bernardo e Felipe. Costumava levar Érika comigo, mas agora tinha me dado conta de que isso poderia trazer problemas se alguém descobrisse. Meu pai certamente iria usar isso contra mim. Eu só não havia contato a Érika ainda, mas tinha a sensação que ela não iria gostar.

Bernardo — Uma garota já entrou em contato comigo pra ver o apartamento.
Estudante de letras.
Vai entrar na universidade por transferência esse mês.
Parece bem interessada em dividir o apartamento.

Eduardo — Vai mostrar o apartamento pra ela ou quer que eu mostre?

Bernardo — Eu faço isso, cara.
Falei que ia te ajudar.
Eu e Felipe vamos terminar de tirar as coisas do quarto hoje.
Vou marcar com a garota amanhã cedo.
Alguma novidade sobre o emprego?

Eduardo — Nada ainda.
Mas quem sabe eu tenho mais sorte daqui a pouco.

Guardei meu celular no bolso, antes de encarar a casa enorme do outro lado da rua. Tinha algumas coisas que costumei a detestar desde que minha mãe pegou nosso pai a traindo dentro de casa e o divórcio se tornou inevitável. Odiava conversar com qualquer um dos dois. Minha mãe estava mais ocupada destinando ódio ao meu pai e ele estava mais ocupado tentando fazê-la sofrer mais do que já havia feito.

Desci do carro e caminhei até a casa, me perguntando se ela estaria disposta a uma conversa ou não. Meu pai tinha deixando bem visível sua reprovação com minha escolha em entrar com um pedido de guarda de Érika. Mas minha mão não havia demonstrado nada, nem quando contei a ela antes, ou no momento que o juiz anunciou isso não audiência.

Ela atendeu a porta no primeiro toque da campainha, como se estivesse esperando alguém. Abri um sorriso, observando ela soltar um suspiro antes de sorrir pra mim também, abrindo espaço para que eu entrasse. Se eu tivesse sorte, conseguia convencê-la a me ajudar nessa e não ficar contra mim.

—Érika não veio com você? —Indagou, enquanto caminhava até a sala, onde haviam algumas caixas no chão. Ela havia se mudado de um hotel pra casa a poucos dias. A bagunça ainda estava visível.

—Ela foi no cinema com algumas amigas. —Falei, dando de ombros, porque na verdade tinha a deixado em casa com Manu e Júlia. Léo ia levar as três para fazer compras no shopping. —Queria conversar com você sobre a guarda dela.

—Seu pai jamais vai permitir que você fique com ela, Edu. Não quis te falar isso quando me contou, mas agora acho que você mesmo sabe. —Ela me olhou com cautela, antes de passar a mão nos cabelos e suspirar. —Não deveria ter feito isso, apesar de eu saber o porquê de ter feito.

—Porque eu não acho que qualquer um de vocês dois se importa com ela o suficiente pra cuidarem dela. —Afirmei, observando o impacto que minhas palavras tiveram no seu rosto, quando ela ficou visivelmente ofendida.

—Tenho certeza que criei você bem o suficiente, Eduardo. Não venha querer me dizer se eu me importo ou não com a minha filha! —Exclamou, ficando com as bochechas vermelhas e uma ruga de reprovação nas sobrancelhas.

—Eu não disse que não se importa, eu falei que não é o suficiente. Não agora, depois do que o meu pai fez. —Falei, observando ela revirar os olhos e pegar algumas caixas, levando-as pelas escadas e me obrigando a segui-la. —Acho que você ama a Érika, é óbvio. E não acho que você é uma péssima mãe. Você me criou bem demais e isso eu nunca vou negar. Mas suas prioridades deixaram de ser a Érika a muito tempo.

—Não fale besteira. Ela sempre vai ser minha prioridade. —Retrucou, entrando no quarto e deixando a caixa sobre a cama. —Assim como você.

—Será, mãe? Se ela fosse mesmo sua prioridade, você não deixaria que ela fosse morar comigo. —Afirmei, vendo-a olhar pra mim. —Você está lutando tanto pela guarda dela, assim como o meu pai, mas nenhum dos dois está nem aí pro fato de que enquanto brigam na justiça, ela está morando comigo. Se ela fosse sua prioridade, você já teria a arrastado de volta pra cá. Mas não fez isso. Você sequer manda mensagem pra ela perguntando quando ela vai aparecer.

Dessa vez ela não rebateu e nem soou ofendida. Havia um tom de resignação na forma que ela comprimiu os lábios, como se estivesse deixando claro que eu estava certo e que não havia como negar isso.

—Não estou aqui pra validar o quão mãe você é. Eu estou aqui pra pedir que você faça a coisa certa agora. —Prossegui, observando ela abaixar a cabeça e encarar o chão enquanto me ouvia. —Quero ficar com a Érika e ela quer ficar comigo. Você sabe que eu vou cuidar dela, assim como cuidei nos últimos meses que ela está comigo. Ela não é sua prioridade, mãe, porque meu pai te machucou e agora você só está tentando achar formas de machuca-lo de volta. Deixar que a Érika fique comigo vai acerta-lo, mãe, porque ele não quer isso. Você sai ganhando, Érika e eu também. Por favor, faz isso pelos seus filhos. Faça isso pela Érika.

Por um longo momento ela não disse nada. Seus olhos ficaram fixos no chão, como se sua mente tivesse sido levada a bem longe dali. Pensei em pedir mais uma vez, mas fiquei em silêncio quando ela ergueu a cabeça e olhou pra mim, antes de assentir muito lentamente. Soltei o ar com força, abrindo um sorriso.

—Obrigada, mãe. Sabe que qualquer coisa que aconteça entre você e ele, eu e a Érika sempre vamos ficar do seu lado. —Afirmei, observando ela abrir um sorriso fraco e dolorido. —Podemos jantar amanhã a noite, o que acha? Érika está com saudades.

—Claro. Me mande uma mensagem de onde vocês querem ir e o horário. Estarei lá. —Afirmou, me fazendo balançar a cabeça em concordância. Virei as costas para sair do quarto, sentindo uma euforia indescritível. Érika iria pular de alegria quando eu a contasse. —A Camila ligou.

—O que? —Tropecei, precisando me escorar no batente da porta quando aquela frase chegou até mim como um soco no estômago, tirando o ar de dentro de mim.

—A Camila ligou. Disse que tentou entrar em contato com você, mas não conseguiu. Contei a ela que você trocou de número e passei a ela. —Minha mãe afirmou, enquanto eu sentia o ar ficando preso na minha garganta, enquanto meu cérebro girava tanto que eu me sentia até tonto. —Mas pelo que eu entendi, ela voltou.

Engoli o nó na minha garganta, piscando várias vezes para espantar a sensação esquisita que tinha tomado conta do meu corpo. Meu estômago estava gelado, como se eu tivesse mastigado e engolido gelo. Ergui a mão e esfreguei a tenta, enfiando as lembranças na parte mais escura da minha mente, assim como deixava a decepção devorar qualquer sentimento positivo. Mas não havia sobrado muito.

—Não conheço nenhuma Camila. —Afirmei, erguendo o queixo e saindo do quarto sem olhar pra reação da minha mãe.

Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Onde histórias criam vida. Descubra agora