Capítulo 53: Promete?

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Acordei ouvindo um som alto, sentindo minha cabeça doer como se eu tivesse bebido muito ontem a noite. Mas eu não estava de ressaca, só tinha ido dormir muito tarde depois de ficar conversando com Érika até ela dormir. Tinha mandado uma mensagem pra Camila avisando que não ia voltar pra casa, antes de me arrastar pro meu quarto e desabar na cama do jeito que estava.

Não tinha a intenção de dormir na casa do meu pai, mas Érika parecia estar precisando de campainha, depois das últimas horas conturbadas. E eu não queria deixá-la sozinha com meu pai, sabendo que ele estava tão furioso naquela noite. Mas o som alto que vinha de outro cômodo da casa, deixava claro que Érika não tinha a intenção nenhuma de ser sutil.

Me arrastei para fora da cama, puxando meu celular e vendo que ainda estava muito cedo. Estranhei o fato de Camila não ter visualizado minhas mensagem, tentando não pensar que alguma coisa poderia ter acontecido. Sai do quarto, batendo na porta da minha irmã. Mas como a música estava alta demais, ela nem mesmo ouviu.

—Érika, sério? —Indaguei, abrindo a porta e a encontrando deitada na cama, com as penas escoradas na parede enquanto lia um livro. A música estourando dos alto-falantes do notebook. Não era nem 8 da manhã.

—Que foi? Acordei bem disposta hoje. —Afirmou, dando de ombros, enquanto olhava pra mim e abria um sorriso inocente.

—Bem disposta pra causar um infarto no nosso pai. —Falei, o que a fez rir, mesmo que eu estivesse negando com a cabeça. —Estou indo pra casa. Se precisar, me liga. E nada de fugir.

—Não prometo nada. —Exclamou, enquanto eu fechava a porta do quarto dela, soltando um suspiro pesado ao perceber que não ficaria nem um pouco surpreso se ela resolvesse sumir de novo.

Meu pai estava sentado tomando café da manhã, fingindo ignorar a música alta no andar de cima, mesmo que fosse impossível fingir que não estava ouvindo-a dali. Ele me lançou um olhar inexpressivo enquanto eu atravessava a sala até a porta, sem se importar em falar nada, assim como eu. Sai dali esperando que Érika conseguisse o enlouquecer de verdade.

[...]

O apartamento estava silencioso quando entrei. Não havia qualquer sinal de Camila pela cozinha ou pela sala, como se ela nem mesmo tivesse jantado ontem a noite, depois de voltar do trabalho. Franzi a testa, indo até o quarto, vendo o montinho escondido embaixo das cobertas.

—Camila? —Chamei, me aproximando e tocando os ombros dela, sentindo-a ficar rígida na mesma hora. —Eu, Cami, o que foi? Está com dor? Aconteceu alguma coisa?

Senti meu coração se apertando quando o corpo dela tremeu embaixo das cobertas, antes de eu afastá-las do seu rosto e ver que ela estava chorando. Ou melhor, que ela tinha passado a noite toda chorando, porque seu rosto estava vermelho e seus olhos inchados.

—Camila, o que foi? O que aconteceu? —Indaguei, tocando o rosto dela quando ela tentou o esconder no travesseiro. Ela se encolheu, enquanto meu coração disparava ao senti-la tremer quando um soluço cortou sua garganta. —Cami, fala comigo. Por favor.

—Ele se foi. —Afirmou, em meio as lágrimas de choro, com a voz embargada e sufocada. —Meu pai se foi.

O ar escapou pelos meus lábios quando ouvi aquilo, me dando conta do que aquilo significava. Camila chorou ainda mais quando a puxei pra mim, sabendo que agora eu era a única coisa que restava pra ela. Seu porto seguro. Talvez a única pessoa que ela pudesse chamar de família agora. E eu seria isso pra ela. Seria qualquer coisa que ela precisasse.

A puxei para o meu colo, deixando que ela chorasse contra o meu peito o tanto que precisasse. Tinha a sensação que aquelas lágrimas eram um misto de alívio e luto. Claro que ela não queria que ele morresse, mas ele havia a feito tanto mal. Ele havia mostrado o pior lado de si mesmo pra própria filha.

—Você ficou sabendo ontem, não foi? —Indaguei, beijando o topo da cabeça de Camila quando ela balançou a cabeça que sim. —Por que não me ligou? Por que não me avisou? Eu teria vindo correndo na mesma hora.

—Eu sabia que você estava com a Érika. Não queria atrapalhar. —Sussurrou, puxando o ar com força como se não estivesse conseguindo respirar direito. —Eu atendi achando que era você. Nem olhei pro celular quando aceitei a ligação. Eles só falaram, sem me dar qualquer outra explicação ou me prepararem pra notícia. Simplesmente jogaram ela em cima de mim.

—Você deveria ter me ligado. —Insisti, porque aquilo não era qualquer coisa. —Eu teria ficado a noite toda com você. Do seu lado.

A abracei mais apertado, odiando o tom de voz partido de Camila, como se alguém tivesse ferido o seu coração. Parecia que o universo estava odiando nós dois naquele momento, fazendo todas aquelas coisas ruins acontecerem de uma vez só. Queria poder dizer para Camila que ia ficar tudo bem, mas tinha a certeza de que isso não resolveria nada e muito menos diminuiria sua dor.

—Eles falaram que eu preciso lidar com todas as questões legais agora. —Camila afastou o rosto, com as lágrimas escorrendo sem controle pelas bochechas. Passei minhas mãos ali para tentar limpar um pouco das lágrimas, observando ela fechar os olhos com força. —Mas não posso... não consigo fazer isso agora.

—Posso ligar pro meu advogado e pedir pra ele cuidar disso no seu nome. —Sugeri, vendo-a concordar com a cabeça na mesma hora, como se qualquer coisa fosse melhor do que ela precisar lidar com tudo isso. —Respira, Cami, eu estou aqui com você. Você não está sozinha agora e nunca vai estar.

—Promete? —Ela abriu os olhos e me encarou com tanta tristeza que eu soube que faria qualquer coisa para vê-la feliz de novo. —Promete que nunca vai embora?

—Prometo, linda. Claro que eu prometo. —Beijei a testa dela, antes de a abraçar de novo, querendo pegar um pouco daquele sofrimento dela pra mim, pra que ela não precisasse sentir tudo aquilo.



Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Onde histórias criam vida. Descubra agora