Capítulo 24: Minha consciência discorda disso.

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—Ei, não fica pilhado. —Bernardo empurrou Léo de leve, já que ele ficou em completo silêncio, com uma expressão de enterro. —Edu acabou de falar que não foi culpa sua. Na verdade, não foi culpa de ninguém. Nem mesmo do Edu.

—Minha consciência discorda disso. —Retruquei, fazendo uma careta quando Bernardo me lançou um olhar duro, como se estivesse me repreendendo por aquilo.

—A culpa não foi de ninguém. Érika é rebelde e iria naquele bar com ou sem autorização. Mas você estava sempre lá rodeando ela como uma maldita galinha protetora. —Felipe exclamou, fazendo Bernardo soltar uma gargalhada, enquanto eu fazia uma careta pra ele e Léo franzia a testa como se estivesse perdido. —O culpado foi o seu pai, que é um babaca que precisa jogar sujo, porque sabia que ia perder. Fala sério, ninguém em sã consciência daria a guarda da Érika para aquele cara. A culpa não foi sua, Edu, e muito menos sua, Léo.

Ficamos em completo silêncio depois disso, como se nenhum de nós soubesse mais o que dizer. Manu e Júlia ainda estava rindo de alguma coisa na sala. Elas também ficaram chateadas assim que souberam sobre Érika, mas não perderam tempo em ficar com cara de enterro, além de prometerem na mesma hora que iriam visitar minha irmã e ajudá-la a infernizar nosso pai.

—Deveríamos estar aproveitando essas férias, mas pelo visto isso vai ser a última coisa que vamos fazer. —Bernardo comentou, como se o silêncio tivesse se tornado demais pra ele. —A gente tinha um convite pra fazer pra vocês, mas agora já não parece mais uma boa ideia.

—Pra vocês quem? —Lancei a ele o olhar menos amigável possível, porque já sabia o que vinha pela frente.

—Você, Érika e Camila, óbvio. —Bernardo deu de ombros, como se aquilo não fosse nada demais. Só que aquilo era tudo, porque quanto eu mais tentava me afastar de Camila, mais próximos nós dois acabávamos ficando.

—Que convite é esse? —Questionei, mesmo a contragosto, porque odiava ficar curioso sobre alguma coisa.

Camila

A última vez que estive na casa de Eduardo foi no fatídico dia em que tudo desmoronou ao meu redor. Foi no dia que minha vida virou de cabeça para baixo. A lembrança é quase esmagadora, mas não tenho como simplesmente fugir do passado quando estou parada na frente do portão da casa.

Pelo menos a casa que eu morava com meus pais não existe mais. No lugar foi construída uma casa de dois andares, branca, assim como as cercas ao redor. Bonitinha e super diferente da casa que eu costumava e lembrar. Era melhor. Uma lembrança ruim a menos pra mim.

Passei pelo portão assim que uma das empregadas autorizou minha entrada. A imensa casa onde Eduardo cresceu se ergueu na minha frente, me tirando o fôlego. Quase podia ver eu e Eduardo disparando pela porta da frente até o jardim lá atrás, subindo para a casa na árvore onde passávamos horas um com o outro. Tinha sido simplesmente a melhor época da minha vida.

Entrei na casa, observando que o interior parecia muito diferente. Mas não tive tempo de olhar os detalhes, porque logo escutei o som de passos apressados na escada. Érika apareceu no topo dela, abrindo um sorriso assim que percebeu que era eu que estava ali.

—Quando me falou que estava vindo, eu jurei que era mentira. —Ela riu, fazendo um sinal com a mão pra eu a seguir. Érika nem mesmo esperou que eu subisse as escadas antes de desaparecer. —A Manu e o Bernardo vieram aqui mais cedo. Os dois estavam indo pra casa dos pais dele em Jurerê.

—É, eu fiquei sabendo. —Falei, encontrando o quarto dela no corredor, antes de entrar no cômodo. Estava bagunçado, com roupas pra todo lado, além de caixas abertas reviradas, como se Érika fizesse questão de deixar tudo da pior forma possível. —Como você está?

—Ah, eu estou ótima. —Ela soltou uma risadinha perversa, me lançando um olhar conspiratório. —Passo meu dia entediante em casa pensando em várias formas diferentes de deixar meu pai a beira de um ataque de fúria. Já tive algumas ideias incríveis.

—Será que eu vou querer saber que ideias são essas? —Indaguei, me sentando na cama ao lado dela, enquanto Érika encarava as unhas pintadas de rosa, que já estavam descascando. —Edu não vai desistir da sua guarda.

—Eu sei. Meu irmão vai até o final quando enfia alguma coisa na cabeça. Por isso ele é o melhor. —Afirmou, antes de me lançar um olhar afiado. —Mas se contar que falei que ele é o melhor, vou negar até morrer.

—Não vou contar nem que estive aqui hoje. —Falei, rindo do que ela havia dito, antes de negar com a cabeça, sentindo os olhos de Érika em mim. —Se precisar de qualquer coisa, pode contar comigo, ok? Me ligar sempre que precisar. Já tive um pai como o seu. Sei como é.

—Ele... morreu? —Indagou, hesitante, antes de eu soltar uma risada nervosa e olhar pra ela.

—Como pessoa? Ele está vivo. Como meu pai? Ele morreu há um bom tempo. —Afirmei, observando ela comprimir os lábios e assentir.

—Sabe, acho que o meu está bem perto disso. Estou sempre me perguntando porque ainda o considero meu pai, se ele nem mesmo age como um. —Érika soltou uma respiração pesada, encolhendo os ombros em frustração. —Tudo gira em torno do que ele pode ganhar. Do que ele vai achar. Do que ele quer. Bem, eu queria que ele sumisse e nos deixasse em paz.

—Tenho certeza que o Edu pensa o mesmo.

—Ah, isso tudo tem um lado bom, não é? —Érika bateu o ombro contra o meu, me lançando um sorrisinho malicioso. —Você e o meu irmão estão com o apartamento só pra vocês, sem absolutamente ninguém pra atrapalhar.

—E você acha que vai rolar exatamente o que? —Indaguei, vendo-a erguer as sobrancelhas como se me achasse uma tapada. —Desculpa te decepcionar, mas eu estou mais preocupada com meu emprego e em pagar o aluguel pro seu irmão. E ele está mais preocupado com você. Acredite, não tem nada de bom nessa situação.

—Que besteira. —Érika bufou, balançando a cabeça negativamente, como se eu e Eduardo fôssemos dois idiotas. —Não quero ser um peso pro meu irmão carregar.

—Acho que o Eduardo nunca pensou em você como se fosse um peso, Érika. —Afirmei, e Érika apenas deu de ombros, continuando na missão de descascar todo o esmalte rosa da unha.

Fiquei de pé, caminhando até a escrivaninha dela, observando os livros que estavam ali em cima. Érika tinha deixado a maioria em casa e trazido alguns. Provavelmente aqueles que ela ainda não tinha lido. Aquilo deveria ser um ótimo passatempo pra ela, agora que está na casa do pai.

—Mais alguém veio te visitar?

—Alguns amigos da escola. A Júlia me mandou mensagem dizendo que vem me ver amanhã, junto com o Felipe, e que eles vão me trazer algumas comidas gostosas que a mãe dele faz. —Érika afirmou, me fazendo hesitar e olhar pra ela por cima do ombro.

Não falei nada sobre aquilo, mas me perguntei se um certo alguém também iria visitá-la em algum momento.



Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Onde histórias criam vida. Descubra agora