Capítulo 34: Barraca.

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Me sentei nas pedras ao lado de Camila, percebendo que ela parecia tão nervosa quanto eu naquele momento. Tínhamos uma história mal resolvida ali. Coisas que tínhamos dito um ao outro, que ainda pesavam entre nós dois. Sabia que as coisas nunca iam voltar a ser como eram antes. Mas esperava que conseguíssemos chegar em algum lugar juntos.

—Foi por causa de mim que ele decidiu ir embora? —Indaguei, observando Camila pegar uma pedrinha e jogar na água, observando ela afundar.

—Não, não. Não foi por sua causa. Por causa da gente. —Ela balançou a cabeça negativamente, comprimindo os lábios antes de abraçar os próprios joelhos. —Ele já estava decidido a ir embora há alguns dias. Só que nem eu, nem minha mãe sabíamos. Meu pai não era do tipo que comunicava as coisas com antecedência. Ele só ia lá e fazia. —Camila olhou pra mim, com algo como hesitação nos olhos. —Ele tinha voltado pra casa aquela noite certo de que precisávamos nos mudar imediatamente. Tinha alguma coisa a ver com dívidas. Eu não sei bem. Sempre que eu perguntava pra minha mãe, ela desviava do assunto. Acho que ver nós dois juntos só o deixou furioso.

—E depois disso? O que aconteceu?

—A gente foi pra uma cidade pequena. Moramos no interior. Acho que ele fez isso de propósito, sabe? Pra que eu e minha mãe não tivéssemos contato com quase ninguém. Demorei a voltar pra escola. Quase reprovei por isso. —Ela riu. Mas era uma risada tão amarga que fez meu coração se contrair. —Pensava em falar com você todos os dias. Mas sempre que eu tentava, alguma coisa dava errado. E minha mãe tinha medo demais do meu pai pra tentar me ajudar. Então uma hora eu acho que só aceitei a realidade, sabe? Depois de dois anos, ele foi embora. Ele já quase não parava em casa. Mas em um dia foi definitivo. Ele pegou as coisas e sem dizer uma palavra foi embora.

Levei a mão até a dela, entrelaçando nossos dedos e acariciando sua pele com o polegar, percebendo que Camila estava precisando daquilo. O sorriso que ela me deu foi quase dolorido.

—Quando ele foi embora, pensei que a gente estava finalmente livre, sabe? Que poderíamos viver em paz. Pensei em te ligar. Pensei em te ligar várias e várias vezes, mas tinha medo de ser tarde demais. —Ela ergueu a mão livre e passou pelo rosto, limpando algumas lágrimas que havia deixado escapar. —E minha mãe acabou desenvolvendo depressão. Acho que ela passou tanto tempo com medo do meu pai, sem ter coragem de deixar ele, que quando ele fez isso, foi demais pra ela. Tentei de tudo, mas depois que ela partiu, tive a sensação que ela tinha desistido e não importava o que eu fizesse, ela não queria mais viver.

—Sua mãe era uma boa pessoa, Cami. Ela não merecia nada disso. Nenhuma de vocês duas merecia. —Afirmei, me sentando mais perto dela, antes de soltar sua mão e passar o braço ao redor da sua cintura, trazendo Camila pra mim. Ela encostou a cabeça no meu ombro, soltando um suspiro trêmulo.

—Ele voltou depois que ela morreu e me levou com ele. Eu não tinha dinheiro e a casa onde a gente morava era ele quem pagava, então eu não tinha muita escolha. Fui morar com ele. Comecei a faculdade e tentei ficar longe dele o tanto que conseguisse. Mas ele sempre estava lá. Uma sombra nas minhas costas, me lembrando de como aqueles últimos anos tinham sido terríveis. —Camila engoliu em seco, erguendo os olhos pra me encarar. —Um dia, quando a gente brigou, percebi que preferia qualquer coisa a ele. Então juntei minhas coisas e falei que ia embora. Ele comprou uma passagem de ônibus os mim, como se estivesse louco pra se livrar de mim há muito tempo. A última vez que o vi, foi quando ele me deixou na rodoviária.

—Foi ai que você tentou me ligar? —Indaguei, vendo-a balançar a cabeça que sim e desviar os olhos, como se estivesse cansada.

—Eu só percebi que não queria ser como a minha mãe. Eu a amava e acho que ela fez tudo que podia. Mas ela estava presa ao meu pai e morreu de tristeza porque ele a deixou, mesmo ele sendo um monstro que a fazia viver com medo. Eu não queria viver assim. Eu não queria acabar como ela. —Afirmou, com a voz embargada, me fazendo aperta-la ainda mais contra mim. —Tentei de ligar enquanto ainda estava no ônibus. Quando não consegui, liguei pra sua mãe e ela me passou seu número. Hesitei em ligar, porque eu era literalmente uma sem teto com uma mão na frente e outra atrás. Então quando cheguei, arrumei um lugar pra morar e um emprego.

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Onde histórias criam vida. Descubra agora