Capítulo 27: Ele viu tudo.

1K 184 58
                                    

Camila tentou me empurrar para que eu a soltasse, enquanto eu ficava praticamente sem reação ao ver que ela estava prestes a cair no choro bem ali, na minha frente.

—Me deixa em paz. Eu vou pra casa sozinha. Não quero falar com você. Não quero... —Ela bateu contra o meu peito quando a prendi contra mim, parecendo ainda mais furiosa. —Não quero olhar pra você. Seu idiota!

—O que diabos você fez? —Carolina indagou atrás de mim, me fazendo girar o rosto e olhar pra ela incrédulo.

—Eu não fiz nada! —Falei, me sentindo completamente traído por ela estar achando que eu tinha feito alguma coisa. —Não sei porque ela está tão furiosa assim.

Não sei porque ela está tão furiosa assim. —Camila resmungou, olhando pra mim como se quisesse arrancar minha cabeça. Eu nunca tinha visto ela bêbada, então era uma surpresa ver que ela ficava tão irritada quando estava nesse estado, mesmo com a expressão de choro. —Eu odeio você!

Prendi a respiração, sentindo o baque daquelas palavras vir mais forte do que eu estava esperando. Repeti a mim mesmo que ela só estava bêbada e não sabia o que estava falando. Carolina, para o seu crédito, ficou quietinha atrás de mim até o Uber chegar, fazendo uma careta ao me ver enfiar Camila no carro, sobre os protestos e xingamentos dela.

—Você vem com a gente? —Indaguei, olhando para Carolina quando me sentei ao lado de Camila para impedir que ela saísse do caro, já que ela começou a repetir que preferia morar em um cativeiro do que comigo.

—Não, não. Vou deixar você cuidar dela. —Carolina sorriu de forma marota, enquanto eu revirava os olhos e me segurava para não mostrar o dedo do meio pra ela.

—Me avisa quando a Débora chegar. A gente marca de se encontrar. —Falei, me despedindo dela e fechando a porta do Uber. —Para com isso!

Me virei para Camila, passando o cinto nela, observando seus olhos me fuzilarem, como se eu tivesse feito alguma coisa muito grave. Engoli em seco, sentindo a tensão da viagem até em casa quase me esmagar, porque Camila tinha parado de resmungar, mas agora estava de cara feia, com um biquinho furioso nos lábios e as bochechas vermelhas, enquanto mantinha os braços cruzados na frente do peito.

—Obrigado. —Falei para o motorista, vendo-o me lançar um olhar questionador quando tirei Camila do carro, que mal conseguia ficar em pé, porque quase caiu de cara no chão se eu não a tivesse segurado.

—Eu não quero que você toque em mim depois de ter trocado saliva com outra pessoa. —Camila resmungou, tentando afastar as minhas mãos, enquanto caminhávamos até a entrada do prédio.

—Eu não fiquei com ninguém. De onde você tirou isso, criatura? —Indaguei, soltando uma respiração incrédula quando Camila tentou morder minha mão que estava segurando seu braço.

—Como você pode ser tão sínico? —Ela me lançou um olhar mortal, enquanto a frustração explodia de dentro de mim quando tentou me afastar mais uma vez, quase caindo no chão quando tropeçou.

—Você parece uma criança birrenta quando está bêbada. Chega a ser engraçado. —Afirmei, escutando ela soltar um gritinho de susto quando a peguei e a joguei sobre meu ombro, como um saco de batatas. Suas mãos bateram contra minhas costas, quando ela ficou ainda mais brava.

—Me coloque no chão! —Exclamou, mas eu segui em direção a entrada do prédio, ignorando os protestos dela, até que estivéssemos dentro do elevador. —Eduardo, eu vou vomitar em você.

—Puta merda, Camila, sossega. —Resmunguei, puxando ela de volta para o chão, vendo que ela parecia um pouco pálida, com uma expressão de quem realmente ia vomitar. —Respira com calma. Já estamos quase chegando em casa.

Mesmo passando mal, Camila me lançou mais um olhar afiado, como se fosse me matar. Fiquei quieto dessa vez, me perguntando de onde ela tinha tirado que eu tinha ficado com alguém. Se tem uma coisa que eu não fiz, foi ficar com alguém desde que ela voltou. Eu sequer falei com uma garota com segundas intenções.

Ficamos em silêncio no elevador, Camila encarando o chão e eu os números em cima das portas, até chegarmos ao nosso andar. Puxei ela até a porta do apartamento, o abrindo na mesma hora. Só quando ia a puxar para dentro é que olhei pra ela e percebi que ela estava chorando.

—Ei, o que foi? —Tentei tocar o rosto dela, mas Camila deu um tapa na minha mão e me empurrou, cambaleando para dentro do apartamento sozinha.

Entrei atrás dela, fechando a porta rapidamente, antes de a seguir até o quarto. Camila quase caiu no meio do caminho, mas quando eu ia alcançá-la, ela entrou no quarto e bateu a porta na minha cara. Soltei um palavrão, puxando o ar com força para me acalmar, antes de abrir a porta e vê-la tropeçar nós próprios pés, caindo de joelhos no chão antes de chegar na cama.

—Eu não... eu não quelo a sua ajuda. —Falou, com a língua um pouco enrola, tanto pelo álcool como pelas lágrimas, porque um soluço tinha acabado de escapar pelos lábios dela. —Vai ficar com a sua querida.

—Quê? —Soltei, deixando-a sentada no chão, antes de segurar o rosto dela que estava todo molhado pelas lágrimas. —Camila, eu não fiquei com ninguém! De onde você tirou isso?

—Você ficou com a Carolina. —Exclamou, batendo no meu peito, enquanto afastava o rosto das minhas mãos. Fiquei tão chocado por um momento que até deixei ela se afastar, observando-a tentar subir na cama. Demorei para absorver aquele fato, até finalmente entender o que estava acontecendo ali.

—Eu não fiquei com a Carolina, Camila. —Afirmei, escutando ela resmungar alguma coisa que não entendi. Segurei a cintura dela e a puxei de volta para o chão, fazendo-a soltar um gritinho assustado. —Pelo amor de Deus, ela é lésbica! —Camila tombou pra cima de mim, me encarando com os olhos arregalados vermelhos e as bochechas molhadas. —Ela é só uma amiga. Conheci ela nas aulas de bateria. Ela se mudou tem uns dois anos. Namora uma garota chamada Débora. As duas moram juntas. Posso te dar certeza que a Carolina ia preferir beijar um cachorro a ficar comigo.

—Ah, meu Deus. —A expressão de choro dela se intensificou, enquanto seu rosto inteiro ficava vermelho. —Eu sou uma idiota.

—Camila... —Sussurrei, sem saber o que fazer quando ela começou a chorar pra valer. Puxei ela pro meu colo, a abraçando apertado, enquanto ela tremia em meio a soluços e palavras desconexas, parecendo se sentir mais constrangida do que qualquer outra coisa. —Está tudo bem, não precisa chorar. Eu não fiquei com ninguém, sua tonta. Como vou ficar com alguém se você está aqui?

—Para de dizer... —Ela puxou o ar com força, voltando as tentativas de me empurrar. —Essas coisas. Você fala isso e depois me trata mal. Eu odeio... eu odeio isso.

—É porque eu sou um filha da puta frustado. —Falei, tocando o rosto de Camila quando ela parou pra me encarar, com os olhos parecendo duas bolinhas brilhantes em meio as lágrimas. —Você estava certa sobre tudo que jogou na minha cara aquele dia.

—Edu... —Ela agarrou minha camiseta, afundando o rosto no meu peito, tremendo sem parar. —Eu não quis ir. Por favor, acre... acredita em mim. Eu não ia deixar você. Eu não faria isso. Mas ele viu a gente. Ele viu tudo.

—Ele quem, Camila? Do que você está falando? —Questionei, sentindo meu coração parar de bater e algo gelado escorrer pelo meu sangue quando Camila me encarou de novo, como se estivesse quebrada por dentro.

—Meu pai. Ele viu... —Camila se aproximou do meu rosto, começando a falar baixinho, como se não quisesse que mais ninguém ouvisse. —Os beijos. Ele viu. E ele...

A dor que passou pelos olhos dela me paralisou, porque não estava preparado para nada daquilo. Para a hesitação que surgiu no rosto dela, misturado com vergonha, quando tentou esconder o rosto para que eu não a olhasse e não visse o que estava bem ali.

—Ele bateu em você? —Questionei, sem esperar ouvir uma resposta dela, porque já sabia a resposta.


Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Onde histórias criam vida. Descubra agora