Capítulo 1: Audiência.

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O cheiro de café da manhã estava fazendo meu estômago roncar. Não tinha certeza qual tinha sido a última vez que comi alguma coisa. Talvez no almoço de ontem. Ou foi apenas o café da manhã, antes de eu correr para o último dia de aula. Havia uma dor insuportável na minha cabeça, além do gosto amargo do álcool na minha boca. Eu precisava mesmo repensar minhas noites.

Abri os olhos, fazendo uma careta quando isso fez minha cabeça doer mais ainda. Quando olhei ao redor, precisei de uns 5 minutos pra me dar conta de onde eu estava. Um quarto estranho que não era o meu, mas que com certeza era de uma estudante, por causa das pilhas de livros na escrivaninha.

Tentei me lembrar o que tinha acontecido ontem, mas minha cabeça parecia um emaranhado de cenas desconexas. O álcool era realmente uma merda na manhã seguinte. Me inclinei sobre a cama até alcançar meu celular sobre a mesinha ao lado da cama, observando as milhares de mensagens da minha irmã e dos meus amigos, além do meu advogado.

—Puta merda! —Exclamei, pulando da cama quando olhei a hora, percebendo que estava quase atrasado.

Catei minhas roupas no chão e me enfiei em todas elas, enquanto tropeçava para fora do quarto até a porta da frente. Ainda estava tentando calçar os tênis quando a alcancei, antes de escutar uma risadinha atrás de mim, que me fez travar no lugar e olhar por cima do ombro.

—Onde você está indo? —A garota de cabelos ruivos sorriu pra mim como se nos conhecêssemos a séculos, enquanto eu tentava me lembrar quem ela era. —Estou fazendo o café da manhã pra gente.

—Ah, sim... —Umedeci os lábios com a língua, terminando de vestir os tênis, antes de esfregar minha cabeça dolorida. —Tenho um compromisso em meia hora. Preciso correr ou vou me atrasar.

—E ia sair sem se despedir? —Ela pareceu se dar conta de que eu estava de fato parado na frente da porta, com a mão agarrada na maçaneta.

—Não, claro que não. Eu ia me despedir... —Perdi as palavras quando tentei puxar o nome dela na minha cabeça, mas meu cérebro simplesmente deu um branco.

Observei o rosto dela ficar vermelho quando ela percebeu que eu não me lembrava e percebi que aquele era o melhor momento para dar o fora dali. Abri a porta e murmurei um "até mais", tendo certeza que jamais a veria de novo, antes de disparar pelas escadas, sabendo que Érika arrancaria minha cabeça se eu fizesse merda.

Como eu tinha imaginado, meu carro não estava por perto, porque eu provavelmente tinha bebido demais pra conseguir sequer segurar a chave. Peguei um Uber até o apartamento, o encontrando no mais puro silêncio. Meus amigos provavelmente estavam no apartamento das suas namoradas, já que estávamos todos oficialmente de férias.

—Onde você estava? —Érika exclamou, enquanto eu pegava uma camisa social e disparava para o banheiro, para o banho mais rápido que já tinha tomado na minha vida. —Eduardo!

—Eu sei que eu estou atrasado. Sinto muito, mas agora não dá tempo de conversar. —Gritei pra ela de dentro do banheiro, sabendo que ela deveria estar furiosa do outro lado da porta, onde me aguardava. —Preciso de um café super forte. Pode arranjar um pra mim?

—Eu não acredito que você bebeu na véspera da audiência! —Érika praticamente gritou, enquanto se afastava do banheiro. —Você é um idiota e vai estragar tudo desse jeito!

Tentei não me incomodar com as palavras dela, mas na verdade elas me atingiram em cheio. Sabia que não deveria beber é muito menos ir dormir na casa de uma garota. Mas eu estava uma pilha de nervos por causa de hoje que acabei não conseguindo me controlar. Eu precisava relaxar, mas tinha dado todos os motivos para Érika me xingar.

Sai do banheiro, ajeitando a camisa para que eu não soasse tão desleixando, assim como meus cabelos loiros. Érika já estava me esperando na porta, com uma xícara de café na mão e as chaves do meu carro na outra. Lancei a ela um olhar confiante, antes de nós dois sairmos do apartamento.

É uma coisa engraçada pensar que nós dois nós matamos a maior parte do tempo, a ponto de qualquer um que olhar de fora imaginar que nós dois nós odiamos, mas que no final das contas eu estava entrando no meio de uma briga judicial com nossos pais para conseguir a guarda dela.

—Por que você precisa ser tão imprudente? —Resmungou, enquanto eu comprimia meus lábios, lançando um olhar de desculpas a ela. Sabia que ela estava nervosa. Eu também estava.

Érika podia ter 16 anos e saber muito bem o que quer da vida. Mas ela ainda é só uma garota menor de idade que precisa de uma casa segura pra morar. E eu tenho certeza que nenhum dos meus pais pode fornecer isso a ela, desde o momento que decidiram se separar. As pessoas podem achar qualquer coisa de mim, menos que eu não me importo com a minha irmã. Atualmente, ela é a minha única preocupação.

Bebi o café praticamente de uma vez só, fazendo uma careta ao sentir o gosto forte descendo pela minha garganta. Érika tirou o cinto e se inclinou no banco, ajeitando meus cabelos, que provavelmente estavam parecendo um ninho de rato. Os dela não estavam muito diferentes. Os fios loiros bagunçados e embaraçados, como se ela estivesse tão nervosa que se esqueceu de arruma-los.

—Ok, você vai entrar ou vai me esperar aqui? —Indaguei, assim que estacionei o carro, olhando ao redor no estacionamento, até reconhecer o carro de cada um dos meus pais e o carro do meu advogado.

—Vou esperar aqui. Não quero ver eles agora. Não vai ser legal. —Érika se encolheu no banco ao dizer aquilo, enquanto eu balançava a cabeça em compreensão. —Vai lá e vê se não faz merda.

—A cabeça de vento da família é você, pirralha. —Afirmei, escutando ela bufar em irritação, enquanto eu descia do carro com um sorriso que eu sabia que ia deixar minha irmã mais irritada.

Segui para dentro do prédio, esfregando as mãos na calça para espantar o nervosismo. Meu advogado estava aguardando na entrada e me lançou um olhar resignado, como se também estivesse incomodado com a minha demora. Mas pelo menos ele não reclamou de nada, além de me guiar para sala onde ocorreria a audiência. Não me surpreendi quando encontrei meus pais já ali. Caminhei até a cadeira designada pra mim, sentindo um nó de tensão se formar na minha garganta.

—Bom dia a todos. Estamos aqui pra audiência de guarda da menor Érika Mendes.


Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Onde histórias criam vida. Descubra agora