Capítulo 29: Eu sei guardar segredo.

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Eduardo

Fiquei imóvel, sem nem mesmo respirar, ouvindo cada palavra que ela dizia, em meio as lágrimas e aos soluços. O corpo tão encolhido que parecia que ela preferia sumir dali a se lembrar daquela noite. Mas ela despejou tudo em cima de mim, como se também estivesse cansada de guardar tudo sozinha. A abracei apertando quando ela terminou de contar, absorvendo todas aquelas coisas como se uma faca tivesse sendo cravada no meu coração.

Ele tinha batido nela. Ele tinha feito isso até ela desmaiar. Um arrepio de horror atravessou minha coluna, quando pensei no quanto aquilo deveria ter sido difícil pra ela. No quanto ela deveria ter sofrido. Sabia que o pai dela era agressivo. Mas ele nunca tinha encostado um dedo nela e Camila havia me feito prometer que não falaria nada pra ninguém, porque tinha medo do que ele poderia fazer com a mãe dela. Mas sempre que esse lado dele aparecia, ela corria pra minha casa.

—Você... você acredita em mim? —Camila gaguejou, puxando o ar com força na tentativa de controlar as próprias emoções, enquanto se agarrava a mim como se eu fosse seu bote salva-vidas. —Por favor... por favor diz que sim. Eu não aguento mais isso.

—Não aguenta mais o que? —Indaguei, passando a mão nos cabelos dela, enquanto ela se afastava para me encarar. Os olhos espremidos enquanto as lágrimas escorriam sem parar pelas bochechas vermelhas.

—Estar sozinha. —Sussurrou, soluçando em meio ao choro, enquanto eu a segurava com força, porque tinha a sensação que ela ia se desmanchar nos meus braços.

—Você não está sozinha. Eu estou aqui com você. —Afirmei, tentando limpar as lágrimas que escorriam pelas bochechas dela, antes de ajeitar os cabelos loiros que estavam uma bagunça completa. —Eu estou aqui, Cami. Eu acredito em você. Está tudo bem agora. Seu pai não está aqui. Eu estou.

—Edu... —Ela passou os braços ao redor dos meus ombros, afundando o rosto na minha garganta, enquanto eu a apertava com toda força que tinha, sentindo meu coração se despedaçar em milhares de pedaços.

—Eu estou aqui. Está tudo bem. —Beijei o cabelo dela, continuando a abraçado até que ela se acalmasse. Demorou até que seu corpo parece de tremer e os soluços desaparecessem, mesmo que ela continuasse chorando, molhando toda minha camiseta. —O que acha de a gente deitar, hein? Você precisa dormir um pouco. Já está bem tarde.

—Você vai dormir comigo? —Indagou baixinho, sem se desgrudar de mim, como se tivesse medo que eu fosse embora se ela me soltasse.

—Claro, não vou sair do seu lado. —Falei, deixando outro beijo nos cabelos dela, antes de afastá-la um pouco. Sorri ao ver o medo nos olhos dela, tirando os fios de cabelo que estavam grudados pela sua pele por causa das lágrimas. —Nunca mais, Cami. Nunca mais, ok?

Ela balançou a cabeça que sim, como se confiasse em mim, mesmo depois de eu ter me recusado a ouvi-la. Eu era um completo idiota e não negava isso. E ela merecia mais do que um pedido de desculpas meu, por ter tratado ela tão mal quando voltou pra minha vida. E se eu pudesse, eu matava o pai dela por ser um ser tão nojento.

—Vamos pra cama. —Sussurrei, deixando um beijo na testa dela, vendo que isso a estava distraindo o suficiente para as lágrimas começarem a diminuir.

Peguei Camila no colo e a coloquei sentada na cama, observando ela me seguir com os olhos, parecendo nem estar piscando. Mas eu podia ver o efeito do álcool, misturado com o choro, que estava deixando seu rosto curvado em uma expressão tensa. Puxei o edredom para longe, sentindo ela segurar meu braço quando fiz menção de me afastar.

—Vou pegar uma roupa mais confortável pra nós dois. —Falei, vendo-a assentir e ainda demorar alguns segundos antes de decidir soltar meu braço. —Fica paradinha aí que eu já volto.

Fui até o quarto de Érika, abrindo o lado do guarda-roupa onde ficava minhas coisas. Troquei de roupa ali mesmo, vestindo apenas uma calça de moletom, antes de pegar uma camiseta qualquer ali e seguir para a cozinha. Quando voltei para o quarto, Camila estava na mesma posição que eu tinha deixado, parecendo aliviada quando viu que eu realmente tinha voltado.

Deixei as coisas que tinha pegado sobre a mesa de cabeceira, antes de voltar minha atenção pra ela. Ajudei ela a tirar os tênis, sentindo os olhos dela não se desgrudarem de mim um segundo sequer. Aquilo era o suficiente para aquecer toda minha pele, enquanto minha cabeça martelava com todas as coisas que ela tinha contado. Minha missão era fazê-la dormir, porque eu tinha certeza que não conseguia fechar os olhos, sem imaginar milhares de formas diferentes de matar o pai dela.

—Posso? —Questionei, indicando o vestido que ela estava usando. Camila balançou a cabeça que sim, erguendo os braços pra cima quando segurei a barra do vestido e o puxei pra cima. Desviei os olhos assim que tirei a peça, pegando minha camiseta e passando pelos braços dela.

Camila abriu um sorriso um pouco torto pra mim, com a tristeza sumindo dos olhos, que pareciam ganhar um brilhinho de felicidade genuína. Aquilo fez minha pulsação disparar, porque eu sabia que o motivo era eu. Que era porque eu estava ali com ela. E não importava o que acontecesse, eu faria de tudo pra que aquele brilho não sumisse de novo.

—Aqui, bebe um pouco. —Entreguei a garrafinha de água pra ela, vendo-a fazer uma careta, como se não quisesse. —Só um pouco, Camila. Amanhã você vai acordar com uma ressaca horrível por causa do tanto que bebeu.

—Não briga comigo. —Ela fez um biquinho adorável com os lábios, antes de beber um pouco da água. Mas acabei rindo quando ela deixou um pouco escapar pelo canto dos lábios. —Eu estava com ciúmes.

—Eu percebi. —Falei, desviando os olhos quando ela ergueu a camiseta para limpar a água que escorreu pelo queixo. Só voltei a encara-lá quando ela já tinha abaixado o tecido de novo, me devolvendo a garrafinha. —Posso te contar um segredo? Mas você não pode contar pra Camila quando ela estiver super sóbria.

—Eu sei guardar segredo. —Sussurrou, enquanto se deitava na cama e abria espaço para que eu me deitasse ao lado dela. Deixei que ela se aninhasse no meu peito, com uma perna se enfiando entre as minhas, como se ela precisasse do máximo de contato possível.

—Eu também tenho ciúmes de você. —Afirmei, erguendo a mão para afastar os cabelos do rosto dela, antes de beijar sua testa.

—Que bonitinho. A Camila sóbria vai gostar de saber disso. —Camila se ajeitou mais contra mim, soltando um suspiro pesado, como se estivesse realmente cansada. Não demorou muito pra ela apagar, enquanto eu fiquei encarando o teto a noite toda.

Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Onde histórias criam vida. Descubra agora