Capítulo 52: Não gostou?

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Sempre achei que minha irmã fosse surpreendente, porque ela fazia coisas que normalmente deixavam as pessoas surpresas. Mas eu nunca achei que ela fosse fazer algo que me deixaria surpreso. Talvez até chocado demais. Minha mãe não parecia surpresa, só resignada. Mas eu tinha certeza que meu pai estaria furioso.

Sai de casa e fui direto até a delegacia, me preparando para o momento que fosse encontrar meu pai de novo. Tínhamos discutido e agora ele iria precisar ir buscar Érika na cadeia, o que certamente o deixaria ainda mais estressado do que já estava, por minha causa. Mas por algum motivo, enquanto dirigia até lá, me peguei rindo sozinho, porque não podia acreditar no que minha irmã tinha feito.

Quando cheguei, precisei esperar na entrada, porque eu não era o responsável dela. Então me sentei e aguardei, até Érika passar pela entrada do corredor com um sorriso estupidamente grande no rosto, enquanto meu pai parecia um vulcão prestes a entrar em erupção logo atrás dela.

—Érika? —Chamei, observando os olhos dela até brilharem quando me viu, antes de se aproximar e se jogar em cima de mim, me dando um abraço que me fez ficar rígido no lugar.

—Oi, maninho. Você não vai acreditar no quão louca foi a minha noite. —Afirmou, se afastando de mim com um sorrisinho inocente, enquanto eu erguia as sobrancelhas.

—Você ficou maluca? Por acaso usou drogas nesse dia todo que ficou sumida? —Questionei, o que a fez soltar uma gargalhada alta, que chamou a atenção de quase todo mundo que estava ali na entrada, além de fazer nosso pai soltar um sibilo de frustração e indignação.

—Eu não usei drogas e eu não tô maluca. Tô super lúcida, na verdade. —Ela soltou um suspiro cansado, parecendo estar morrendo de sono, pelas manchar embaixo dos olhos e as pálpebras pesadas. —Achei que seria legal ir presa.

—Você não sai mais de casa depois disso. É de casa pra escola e da escola pra casa, entendeu? —Nosso pai se aproximou, rosnando as palavras como um cachorro bravo, enquanto Érika girava o rosto e olhava pra ele, com aquele sorrisinho que eu sabia que estava ali só pra provocá-lo. —Não foi esse tipo de coisa que você aprendeu em casa, Érika. Eu dou tudo a você e em troca você tenta roubar a merda de uma loja?

—Que foi? Não gostou? —Érika fez uma expressão tão sarcástica que eu precisei desviar os olhos para não rir da capacidade dela de ser irritante. —Eu avisei que ia transformar sua vida em um inferno. Acha que eu ser presa foi ruim? Espero que o juiz fique sabendo o quão relapso você é.

—Não me provoque! —Meu pai se aproximou dela de uma forma tão ameaçadora que eu a puxei para mais perto de mim, mesmo que tivesse certeza que ele não iria encostar um dedo nela, ainda mais dentro de uma delegacia. —Pode contar pro juiz. Pode fazer o que quiser. Isso não vai mudar nada. Até os 18 anos você fica comigo. E se está tão ruim, vá roubar outra loja então. Da próxima vez, eu deixo você nesse lugar.

Ele saiu dali como uma tempestade violenta, enquanto Érika soltava o ar com força como se também tivesse ficado assustada com a forma que ele havia se aproximado dela. A virei pra mim, vendo o sorriso desaparecer e a expressão se tornar tão tensa e cansada, que eu quase não reconheci minha própria irmã.

—Eu fiz de propósito. —Sussurrou, mesmo que eu já soubesse daquilo. Soltei uma respiração pesada, erguendo as mãos para esfregar meu rosto.

—É, eu já imaginava. Onde você passou a noite, hein? —Indaguei, observando Érika abraçar o próprio corpo e morder o lábio com força.

—Em um hotelzinho barato. Usei um dinheiro que a mamãe tinha me dado. Dormi lá e depois passei o dia, antes de decidir que ia ser presa. —Érika soltou uma risada baixa, balançando a cabeça negativamente. —Foi loucura, eu sei. Mas pensei que isso podia ajudar, sabe? O juiz não quis dar minha guarda pra você por causa daquele dia no bar. Eu até pensei em ir em um, mas percebi que ser presa seria bem mais chocante.

—Você é inacreditável! —Exclamei, erguendo a mão para segurar os ombros dela. —Eu sei que estava tentando ajudar. Mas nunca mais faça isso, ok? Mesmos sabendo que foi de propósito, eu fiquei preocupado com você. Você sumiu ontem a noite. Eu não fazia ideia de onde você tinha dormido e se estava com alguém. Por favor, não faz mais isso.

—Tudo bem. Desculpa. —Érika abaixou a cabeça, com os ombros caindo pra frente como se estivesse exausta. Soltei um suspiro e a puxei para perto de mim, em um abraço esquisito.

—Não estou brigando com você. Fiquei rindo sozinho enquanto estava vindo pra cá, imaginando nosso pai furioso. Mas estava realmente preocupado. —Falei, vendo-a balançar a cabeça positivamente, deixando claro que entendia. —E nada de ir em bares sozinha, entendeu? É muito perigoso.

—Tinta no shampoo tá liberado, agora ser presa não? —Questionou, se afastando de mim, e eu lancei a ela um olhar firme que a fez soltar uma risadinha. —Eu só estava brincando. Não vou fazer isso de novo.

—Que ótimo. Agora vamos, antes que ele volte aqui e te pegue pelas orelhas. —Afirmei, puxando ela pra saída da delegacia.

—Estou morrendo de fome. A gente pode pedir pizza? —Indagou, enquanto saiamos para o estacionamento. Não me surpreendi quando não encontrei o carro do meu pai, porque claro que ele não iria esperar. —Nossa, que babaca, ele nem me esperou... Posso dormir no apartamento?

—Você sabe que não. Ainda mais depois de hoje. Se eu não te levar pra casa, a polícia bate na minha porta amanhã cedo. —Afirmei, vendo Érika soltar um muxoxo e entrar no meu carro. —Você não acha que já arrumou confusão demais pra um único dia?

—Ele ainda não desistiu de mim, então eu acho que não. —Deu de ombros, enquanto eu me sentava ao lado dela e ligava o carro. Balancei a cabeça negativamente, tendo certeza que meu pai não iria sobreviver até os 18 anos da Érika desse jeito.

Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Onde histórias criam vida. Descubra agora