Capítulo 4: Rei da coitadolandia.

1.1K 186 33
                                    

Afundei no banco do carro, escorando a cabeça no volante. Havia infinitas coisas que minha mãe sabia que eu não gostava de falar e aquela era uma deles. Meu pai nunca foi muito ligado a minha vida. Mas minha mãe sim. Ela sabia sobre tudo que havia sido importante pra mim. E agora, sentado no carro, estava começando a achar que aquela era a forma dela de me punir por ter dito aquelas coisas.

Só porque ela cedeu, não significava que estava feliz. E ela tinha conseguido me acertar em cheio. O impacto foi maior do que eu estava esperando, na verdade. Não sei bem o que eu estava esperando. Só não estava esperando isso. Alguém que havia ido embora sem se despedir e ficado cinco anos longe, me ligando como se nada tivesse acontecido. Como se nada tivesse mudado.

—Não ligue pra mim. —Sussurrei, passando o cinto e ligando o carro, segurando o volante com mais força do que seria necessário. —Você não vai gostar do que vai encontrar.

Dirigi de volta pra casa, enfiando qualquer lembrança relacionado aquele nome no buraco mais escuro da minha mente. Quando cheguei, ajudei Bernardo e Felipe a desocuparem o quarto. Era um trabalho entediante, mas nós três conseguimos fazer isso muito rápido, antes de Léo aparecer trazendo as garotas de volta.

—Não acredito que vou ter que aguentar o Eduardo sozinha naquela casa. —Érika fez um biquinho com os lábios quando deixei a última mala deles na sala do apartamento de Manu e Júlia. —O Bernardo é o único que sabe cozinhar de verdade naquele lugar.

—É isso ou você vai morar com seu papai. —Léo retrucou, me fazendo sorrir, porque aquela frase estava na ponta da minha língua. —Ainda dá tempo, sabia?

—Cuida da sua vida, esquisito. —Érika sibilou para Léo, que apenas soltou uma risada e olhou pra mim, como se estivesse muito interessado em saber como eu suportava Érika a maior parte do tempo.

—Você nem tem que se preocupar com isso. Eu e o Bernardo vamos mostrar o apartamento pra uma garota amanhã. —Manu afirmou, enquanto eu ia me sentar ao lado de Léo no sofá. —Ela estava um pouco desesperada pra encontrar um lugar pra morar. Acho que vamos ter sorte, os aluguéis estão caros, então...

—A chance de ela ficar é 99%. —Felipe completou por Manu, que concordou com a cabeça.

—E o segundo emprego? —Léo indagou, me fazendo encolher os ombros, antes de balançar a cabeça negativamente.

Tudo bem que eles haviam ficado com o meu currículo. Mas a maioria dos lugares que eu fui não estava procurando ninguém para contratar. Até eles me chamarem poderia levar semanas e eu não tinha tanto tempo assim. No final das contas, ia precisar tentar um emprego fora da minha área. Talvez no mercado, como Manu e Júlia.

—Você vai conseguir. Não dá pra ninguém negar que você está se esforçando pra colocar sua vida em ordem. —Júlia tocou meu ombro, parecendo notar o meu desânimo naquele momento.

—Ainda tem a grana que ganhamos nos shows que fazemos no bar. —Bernardo lembrou, e eu me limitei a balançar a cabeça positivamente. —Eu e o Felipe não precisamos dele. Você pode ficar com nossa parte.

—Ah, qual é, eu não estou passando fome. —Resmunguei, mesmo que soubesse que eles só estavam tentando me ajudar. Mas aquilo era até demais. —Isso não seria justo. Cada um fica com sua parte.

—Tudo bem, rei da coitadolandia, ninguém disse que você está passando fome. Só estamos querendo te ajudar. —Bernardo bufou ao dizer aquilo, enquanto os outros acabavam soltando uma risada. Fiz uma careta pra ele, antes de olhar para Léo quando ele bateu na minha perna.

—Sei de uma forma que você pode ganhar dinheiro. —Léo comentou, erguendo a mão para esfregar a nuca, como se estivesse pensando em algo. —Já pensou em dar aulas de bateria? Tem muita gente querendo aprender hoje em dia. Eu, por exemplo.

—Está falando sério? —Olhei pra ele com as sobrancelhas erguidas, observando ele sorrir e assentir com a cabeça. —Aulas de bateria.

—Posso ser seu primeiro aluno. —Sugeriu, como quem não queria nada, fazendo a irmã soltar uma risada do outro lado da sala. —Só precisa me dizer um valor.

—Cara, vai ser um prazer de dar aulas de bateria. —Abri um sorriso, percebendo que aquela ideia era simplesmente perfeita. Eu gostava de tocar bateria, assim como gostava de estudar química. —Vou organizar as coisas e te aviso quando a gente pode começar.

Léo comemorou, parecendo muito animado, enquanto minha irmã revirava os olhos e olhava para Manu como se pedisse socorro.

[...]

As coisas estavam indo muito bem. Assim que amanheceu eu saí de casa pra conseguir um lugar onde pudesse dar aulas de bateria para Léo e para qualquer outro que quisesse. Não foi nada difícil. Só precisei conversar com o dono do bar onde eu e os rapazes tocamos na sexta feira, que ele topou na mesma hora.

Agora tudo que eu precisava era alugar o apartamento. Sabia que Bernardo e Manu estavam mostrando ele pra garota agora de manhã, porque recebi uma mensagem de Bernardo falando que ela tinha chegado. Estava torcendo tanto pra que ela gostasse do apartamento, porque isso seria a cereja do bolo. Meu pai ou o juiz não teria qualquer coisa pra reclamar.

—Bernardo? —Entrei no apartamento, sem conseguir conter o sorriso que estava no meu rosto. Podia até mesmo dar um abraço apertado em Érika, mesmo que tivesse certeza que ela iria fazer cara de nojo como se eu tivesse alguma doença contagiosa.

Não havia ninguém na sala, então segui diretamente para o quarto que Felipe e Bernardo dividiam. Meu amigo e Manu não estavam ali, mas encontrei a garota de cabelos loiros parada no meio do quarto vazio, de costas pra mim, observando tudo.

—Oi, você deve ser a garota que veio ver o quarto pra alugar. —Falei, vendo-a se virar quando me ouviu. Muito lentamente meu sorriso foi morrendo, enquanto eu reconhecia cada traço daquele rosto quando ela me encarou. A surpresa tomando conta dos olhos castanhos claro, como se ela também não esperasse me encontrar ali.



Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Onde histórias criam vida. Descubra agora