A fruta não cai longe do pé.
Certamente, todos já devem ter ouvido o provérbio pelo menos uma vez. Segundo ele, não somos muito diferentes de nossos pais. Mas e se a árvore foi plantada no alto de um morro? É certo que a fruta pode cair e rolar morro abaixo, para longe de sua mãe... digo, de sua árvore.
Consideremos o Brasil, um país de solo tão fértil, onde tudo que se planta, dá, um pomar tão variado e tão cheio de morros. É certo que um abacate pode acabar aos pés de uma mangueira. Mas analisemos alguns exemplos práticos.
Dom Pedro II, por exemplo. Segundo imperador do Brasil, sério, comprometido, avesso a festas, educado desde cedo para ser o estadista perfeito. O oposto de seu pai. É claro que muitos podem defender que ele puxou à mãe, mas a comparação será sempre com o pai, que foi imperador antes dele.
Seu pai, aliás, como muitos sabem, tratou de plantar muitas sementes por aí, bem longe de sua árvore. E um de seus frutos, o nosso próximo objeto de análise, foi cair bem longe. Lá pelos lados da Espanha.
Guillermo de Villalba é fruto de um caso de Dom Pedro com uma nobre espanhola. Até os quinze anos, o jovem Guillermo acreditava ser filho de um conde. Somente após a morte de seu pai adotivo, que também desconhecia a verdade, é que sua mãe veio a revelar o caso. O que Guillermo fez foi zarpar imediatamente rumo a terras tupiniquins.
Aqui desembarcando, Guillermo, filho único, se mostrou feliz por conhecer seu meio-irmão, que não demonstrou a mesma receptividade. De personalidade gregária, alguns se atreviam a dizer que ele era mais parecido com o pai do que Sua Majestade.
Se a história está lhe parecendo confusa até aqui, vale ressaltar que nada do que você leu ou lerá nas próximas páginas jamais entrou nos livros de história. Estamos falando, pois, de uma bifurcação na linha do tempo. Sabe quando alguém pisa no inseto errado e desencadeia toda uma série de alterações imprevisíveis?
Pois bem, bem-vindo ao Brasil, o país do futuro. Uma terra industrializada, movida a vapor pela criatividade e genialidade de inventores que nos presentearam com máquinas e instrumentos jamais vistos...
... Ou assim era para ser.
De volta ao jovem Guillermo, o rapaz não demorou a se infiltrar na Quinta e a conquistar a simpatia de políticos, empresários e toda sorte de figura influente. E ele fazia isso atirando para todo lado, dizendo as verdades que todos queriam ouvir. O trabalhador ouvia a importância da valorização da mão-de-obra. Os aristocratas ouviam a importância da defesa das castas.
Os anos foram passando e conforme crescia a sua popularidade, decrescia o número de membros da casa de Bragança. Um a um, Dom Pedro viu seus irmãos, irmãs, tios, tias e madrastas perecer por todo tipo de infortúnio. Doenças, acidentes, incêndios. Parecia uma maldição.
O próprio imperador já não parecia mais vivo. Após a perda de mais um filho, Dom Pedro parecia ter envelhecido décadas. Mas a pouca afeição ao meio-irmão seguia inabalável.
Então, como explicar o que aconteceria em seguida?
Certo dia, Dom Pedro surgiu na mesma varanda em que seu pai, quase três décadas antes, afirmara que ficaria, mas para dizer que estava de partida, para o exílio. Ele se dizia cansado, incapaz de governar, e sugeriu a coroação de Guillermo.
Os mais atentos repararam na contradição, repararam em suas palavras estranhas naquele dia, repararam nas mortes estranhas da família imperial.
Mas a maioria não deu a mínima. A grande massa explodiu, empolgada por levar ao poder alguém do povo, extasiada por ver a história acontecer. Os políticos, então, foram ágeis em moldar e reinterpretar leis e tradições para possibilitar a coroação. E ela aconteceu em poucas semanas, com o ex-imperador já do outro lado do Atlântico.
Mais rápido ainda foi o que aconteceu em seguida.
O agora Dom Guillermo se sentou no trono e não parecia querer fazer outra coisa. O país parou. Com exceção dos empreendimentos de seus apoiadores mais próximos, tudo começou a definhar. A fome se espalhou. A segurança pública não era mais prioridade e as estradas não eram mais seguras. Imitando o novo imperador, os mais ricos construíram cidadelas e se esconderam lá dentro.
Nas ruas, a insatisfação com Guillermo foi ganhando força e era comum o conflito entre seus apoiadores incondicionais e aqueles que defendiam a volta de Dom Pedro, ou mesmo os defensores do regime republicano.
As esperanças da maioria morreram num dia chuvoso, quando chegou a notícia de que Dom Pedro falecera no exílio, vitimado por uma doença misteriosa. Dona Teresa Cristina e as princesas desapareceram, fugidas, segundo alguns.
E assim, o país se viu preso a Dom Guillermo, sofrendo em silêncio. Um silêncio quebrado apenas pelos brados de seus apoiadores, que anunciavam seus atos magnânimos enquanto erguiam estátuas em sua homenagem. O Brasil se viu forçado a engolir uma fruta podre.
Pode parecer que a história termina aqui. Mas, na verdade, é exatamente onde ela começa. Nós ainda temos muitas frutas para analisar. Uma fruta curiosa comprometida com a verdade; uma fruta de mente afiada e versátil, mas que agora só pode fazer suco; uma fruta cativa que sobrevive graças ao silêncio; uma fruta singela que precisará reconsiderar o que sabe sobre sua árvore; uma fruta nobre que quer ser tudo, menos isso; e uma fruta nativa que não sabe bem de que árvore caiu, só para citar algumas. Começaremos pelas duas últimas.
Se o seu receio é de que a história terá um caráter científico, não se preocupe. O relato a seguir, e peço perdão pela falta de modéstia, está mais para uma sinfonia, uma rapsódia, se assim preferir. Nela, nossos heróis terão, cada um em seu segmento, que aprender a tomar o destino em suas mãos e moldá-lo. Pois suas ações, mesmo as mais triviais, são capazes de mudar os rumos de toda uma nação.
Assim como as suas.
Então, sem mais delongas, Maestro, música, por favor!
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Engel - O Prelúdio dos Anjos de Ferro
Phiêu lưuO Imperador está morto. A notícia pegou o país de surpresa, acabando com as esperanças de muitos. Cerca de um ano antes, Dom Pedro II renunciava ao trono em favor do seu então desconhecido irmão, Dom Guillermo, e partia para o exílio na Áustria. A e...