24 - Mais do Que um Punhado de Dor

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O remorso lhe corroía por dentro, mas Samuel não ousava olhar para trás. Tinha uma missão a cumprir e uma promessa a manter. A verdade é que precisou percorrer uma distância considerável pela mata para perceber que não fazia ideia de aonde estavam indo.

        Naquele ritmo, acabariam voltando ao entreposto, e ele questionava se isso seria uma boa ideia. Poderiam tentar contornar, fazendo um percurso mais longo, para alcançar o rio e a barca, mas assim correriam o risco de topar com as moscas de Belzebu, ou com o próprio demônio, e a menos que pudessem despistá-lo, na barca, seriam um alvo fácil.

        Samuel considerava também voltar a Hermes e entregar Pandora aos cuidados de Muriel e Barrattiel, ou mesmo contatar Demir para ajudar a escondê-la, mas cada segundo que passava reduzia as chances de sobrevivência de Rafaela. Ele precisava agir, e rápido.

        — Samuel — Pandora chamou.

        O anjo não ouviu. Estava perdido demais em seus pensamentos, esquadrinhando cada centímetro da mata em busca de ameaças, rotas, alternativas, ideias. Seu ombro latejava. Pensou que sua única opção talvez fosse mesmo levá-la ao entreposto com instruções para contatar os anjos. Contudo, se Rafaela e ele perecessem contra Belzebu, Pandora estaria condenada também, pois não haveria como os anjos a alcançarem antes do demônio.

        — Samuel — Pandora insistiu, resistindo aos puxou dele para que parassem e ele pudesse escutar. — Espere.

        — O que foi? — ele perguntou.

        — Você tem que voltar.

        — Eu sei — a voz distante e o olhar inquieto de Samuel evidenciavam que aquela era uma resposta protocolar, seu corpo reagindo enquanto sua mente trabalhava.

        — Não, você tem que voltar agora — a moça insistiu. — Ela precisa da sua ajuda.

        Samuel se forçou a voltar ao momento presente, agora olhando Pandora diretamente nos olhos.

        — Você precisa da minha ajuda — ele disse.

        Pandora balançou a cabeça.

        — Aquele homem vai matá-la. Se ele for metade do que você diz que ele é...

        — A missão é mais importante — Samuel a interrompeu. — Garantir a sua integridade é o mais importante. Rafaela sabia disso e estava disposta a fazer esse sacri...

        — Não!

        O grito de Pandora ecoou pela noite e penetrou bem fundo na alma de Samuel. A leiteira abaixou a cabeça, esforçando-se para contar as lágrimas.

        — A minha avó morreu por minha causa — ela disse, a voz embargada. — As pessoas daquela fazenda morreram por minha causa. Eu não quero ninguém morrendo por minha causa! Eu não posso ser tão importante assim!

        — Mas você é — Samuel subiu o tom. — No momento, você é nossa única esperança, por menor que seja essa esperança. E as pessoas já estão morrendo. De várias maneiras. De maneiras brutais, de maneiras criativas, lentamente... se tivesse visto o que eu vi, você saberia. Quer mudar isso? Você pode. Para isso, você precisa sentar naquele trono.

        Pandora não deu sinais de que sairia do lugar. Samuel tentou adotar um tom mais moderado.

        — O que você espera que eu faça? Que eu deixe você vagar sozinha pela floresta e volte para ajudar a Rafaela? Você acabaria se perdendo. — Ele prosseguiu: — Eu poderia estar trocando a sua vida pela dela. Ou pior, isso tudo poderia ser em vão e nós três acabaríamos mortos.

Engel - O Prelúdio dos Anjos de FerroOnde histórias criam vida. Descubra agora