11 - Filha Afortunada

10 3 5
                                    

Dizem que notícia ruim chega rápido. Tendo passado a maior parte de sua vida num vilarejo pequeno, onde tudo acontecia consideravelmente próximo a ela, Pandora se sentia inclinada a acreditar nessa máxima. Porém, longe de casa, as notícias pareciam demorar mais a chegar até ela, ou talvez fosse só a ansiedade.

        Já passava das três da tarde quando finalmente chegaram as notícias de dona Hermínia. A queijeira estivera desaparecida a manhã inteira até que decidissem mandar alguém procurar por ela. Uma queda do outro lado do vilarejo lhe causara uma luxação no pé, segundo as pessoas que a levaram a um médico, nada muito grave.

        Pandora esperava se sentir menos aflita com a notícia, mas não se sentia. Queria muito estar em casa. A caravana estava em Ascensão, no trecho final de seu percurso, e os membros debatiam se deveriam evitar Passo Rubro e voltar direto para Pinhal d'Oeste. O acidente da queijeira pesava a favor da ideia, mas alguns achavam que deviam seguir o cronograma. Pandora era um deles.

        Os lucros seriam pequenos, como todos bem sabiam. Há tempos, o pequeno vilarejo não era um bom lugar para fazer negócios, mas a questão, para ela, estava longe de ser o dinheiro. Por mais que ansiasse estar em casa, ainda mais depois que seu plano de conseguir um empréstimo ter se provado um fiasco, sentia que seria errado ignorar os moradores do povoado.

        A questão do empréstimo, aliás, voltou a martelar em sua cabeça. O último gerente ao menos tinha sido gentil com ela em sua recusa, sugerindo um endereço onde mulheres podiam ganhar dinheiro fácil, mas Pandora recusou, alegando que não poderia viver longe de sua avó. Nem chegou a conferir o tal endereço. As vendas durante a viagem ao menos segurariam as pontas por algum tempo, ela esperava.

        Na noite passada, ela teve o sonho de novo. Ela era criança, não devia ter mais do que quatro, cinco anos, e brincava num jardim sob a vigilância de um enorme gato rajado. Mas desta vez, ela viu uma janela de uma enorme mansão e, por ela, uma mulher mais velha lhe observava com um olhar pouco amistoso. Os detalhes de seu rosto se formavam e se desfaziam em suas lembranças, lhe causando calafrios.

        Sem muito o que fazer e com o resto da tarde livre. Pandora pegou dois baldes e foi até um rio que cortava o vilarejo para apanhar um pouco de água para os burros. Encontrou alguns membros da comitiva por lá.

        Tomé e Acácio pareciam ter esquecido suas desavenças no jogo e pescavam juntos, embora ainda discutissem de tempos em tempos. À certa distância, sentada na grama, Valentina observava os dois com um sorriso discreto.

        — Já falou com ele? — Pandora perguntou.

        — Com quem? — Valentina devolveu, sobressaltada, o rosto corando instantaneamente.

        — Você sabe quem. — Pandora se sentou ao lado da amiga.

        — Com o Acácio?

        — É você quem está dizendo.

        Valentina a empurrou amigavelmente. Pandora apoiou uma mão no chão para não desabar, rindo descaradamente.

        — Se quiser, eu falo por você.

        — Pare com isso, Pan! — Ela disse, enfiando a cara entre os joelhos. — O que é que ele veria em mim?

        Valentina tinha um rosto bonito, mas era complexada por seu excesso de sardas, além de achar que seus cabelos, loiros em tom de palha, nunca estavam apresentáveis e que suas sobrancelhas, da mesma cor, desapareciam em seu rosto. Ser mais alta do que a maioria das garotas também não ajudava.

Engel - O Prelúdio dos Anjos de FerroOnde histórias criam vida. Descubra agora