21 - Não me Ofereceram Nem um Cigarro

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O cigarro em seus lábios já havia se reduzido a um papel fumegante, mas Calisto só deu atenção a ele, ou a qualquer coisa ao seu redor, quando colocou o ponto final em seu artigo, logo substituído por reticências... Calisto adorava reticências.

        Com um sorriso satisfeito e uma última leitura de revisão, o cigarro foi descartado com um peteleco despreocupado e o artigo foi cuidadosamente colocado num envelope. Olhou ao redor e não encontrou quem procurava.

        — Cadê esse garoto, agora? — Ele se perguntou.

        Levantou de sua cadeira e foi até a porta do boteco para olhar a rua. Logo encontrou o seu entregador disputando com outro menino da mesma idade quem acertava uma garrafa vazia com uma pedra no alto de uma mureta. Calisto deu um assobio longo e agudo e o garoto veio correndo.

        — Já sabe o que fazer — ele disse, entregando o envelope para o garoto. — Isso deve ser entregue ainda hoje.

        O garoto avaliou o envelope e depois lançou um olhar cheio de expectativa para o jornalista, mostrando-se um negociante inflexível. Calisto sorriu e enfiou a mão no bolso, sacando uma moeda em seguida. Ele a estendeu para o garoto, mas a recolheu antes que as pequenas mãos pudessem alcançá-la.

        — A outra metade será paga pelo receptor — ele o lembrou. — Quem é mesmo o receptor?

        — Chico Rocha — o garoto respondeu.

        — Perfeito — Calisto o parabenizou, entregando a moeda, enfim. — Agora, vá.

        Desconfiado, o garoto ainda examinou a moeda antes de guardá-la num bolso e sair em disparada, animado. Mal sabia ele que ainda seria preciso negociar com Chico Rocha, pois Calisto não combinara nada com seu contato. Do outro lado da rua, o outro menino observava tudo, desejoso.

        — Não tem nada pra mim, não, tio? — Ele gritou.

        — Depois da sua última lambança? — Calisto respondeu, com um riso provocativo. — Tem sorte de ainda fazer negócios nesta cidade, cavalheiro.

        O garoto abanou a mão em desistência e voltou a atirar pedras na garrafa. Calisto voltou para a sua mesa e encontrou um copo vazio. Fernão se aproximou para enchê-lo quando Calisto se sentou.

        — Pensei que já tivesse entregado a matéria dos dirigíveis — o dono do boteco sugeriu.

        — E já entreguei.

        — Então...?

        — Essa era outra matéria. Sobre a bagunça de ontem.

        Fernão riu.

        — Até parece que a Gazeta vai deixar você publicar alguma coisa sobre aquilo.

        Foi a vez de Calisto rir. Com um sorriso vulpino, seus olhos encontraram os do botequineiro ingênuo.

        — Eu não mandei a matéria para a Gazeta.

        Após um segundo processando a informação, os olhos do homem se arregalaram.

        — Você perdeu... — Fernão começou, a voz exaltada, depois se conteve e continuou num sussurro forçado. — Você perdeu o juízo!?

        — Essa é uma questão complicada, meu caro Fernão — Calisto respondeu, sem se preocupar em alterar o tom. — Alguns diriam que eu nunca o tive. Outros, que eu sou o mais equilibrado num raio de trinta quilômetros ou mais.

Engel - O Prelúdio dos Anjos de FerroOnde histórias criam vida. Descubra agora