A praça na frente do aeródromo estava um caos. O comitê travava uma batalha com as forças de segurança, esta, em menor número e esperando reforços, embora mais bem armada. Quando um agente conseguia render um manifestante, era surpreendido pelas costas por outro. Alguns civis também se juntaram à luta, mesmo que por pura anarquia. A chuva dava um tom ainda mais sugestivo ao cenário.
— Consegue ver a sua princesa? — Muriel perguntou.
— Não — Samuel respondeu. — Não sei se isso é um bom sinal ou não.
— Ela já deve estar lá dentro. Vamos tentar chegar mais perto.
Muriel levantou seu capuz e subiu também um lenço para lhe cobrir o rosto. Bem a tempo, pois quando se virou, seus olhos encontraram os de Serafim, em êxtase, aparentemente inconsciente do sangue que lhe escorria da testa misturado à água da chuva.
— Revolução! — Ele bradou, fazendo Muriel crer que havia sido reconhecido, mas o outro logo correu na direção oposta para saltar nas costas de um guarda.
Foi quando se ouviu os primeiros disparos das forças de segurança. Para o alto, é verdade, mas a coisa já ameaçava evoluir para uma tragédia. No momento em que o primeiro disparo atingisse alguém, independentemente de quem fosse, não haveria volta. Era preciso agir. Na porta do aeródromo, agora três guardas se posicionavam com suas armas apontadas.
— Tem outra entrada? — Samuel perguntou.
— Teríamos que dar a volta — Muriel explicou. — Algo me diz não temos todo esse tempo.
— Estou aberto a ideias.
Os dois olharam ao redor em busca de qualquer coisa útil. Muriel, então, apontou para as escadas.
— Fique a postos — ele disse. — Você verá a sua brecha para entrar.
Samuel achou melhor confiar em seu parceiro e abriu caminho até a metade da escadaria, o suficiente para que um dos guardas reparasse nele e lhe lançasse olhares aleatórios. Considerando a cor de sua pele, Muriel poderia não ter muito tempo para colocar seu plano em prática. E ele o fez.
Puxando ainda mais o capuz, Muriel serpenteou pela multidão e deixou escapar:
— Uma bomba! — Segundos depois, estava na ponta oposta. — Tem uma bomba no aeródromo! — Escapuliu mais uma vez na multidão e alterou um pouco a voz: — Vai explodir.
Como um fantasma no meio do tumulto, sua voz ia de um lado para o outro, sem ninguém saber de onde vinha. Logo, outras vozes começaram a ecoar a sua e não demorou para que vozes próximas a Samuel repetissem suas palavras, até chegar nos guardas do portão e, por tabela, as vozes começaram a vir de dentro do aeródromo.
A contenda perdeu força, com os olhares confusos e ansiosos indo de um lado para o outro, uns se perguntando se era verdade, outros quem havia deixado escapar a informação. O chão sob os pés de Samuel começou a vibrar pouco antes de os primeiros civis irromperem do aeródromo, alheios ao aguaceiro, empurrando os guardas que bloqueavam a saída. Uma arma disparou acidentalmente, felizmente, sem atingir ninguém, mas instalando de vez o pânico e abrindo uma brecha para Samuel remar contra a correnteza de gente.
No saguão, Samuel sacudiu-se como um cão, feliz por ter uma desculpa para se abrigar. Lá dentro, ninguém via mais rostos. Quem não estava correndo em direção à saída, questionava os guardas e funcionários, que se mostravam igualmente confusos e no final, todos concordavam, sem saber exatamente o porquê, que deveriam sair. Todos menos uma pessoa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Engel - O Prelúdio dos Anjos de Ferro
AdventureO Imperador está morto. A notícia pegou o país de surpresa, acabando com as esperanças de muitos. Cerca de um ano antes, Dom Pedro II renunciava ao trono em favor do seu então desconhecido irmão, Dom Guillermo, e partia para o exílio na Áustria. A e...