São Paulo se encontra no centro de uma rede de trilhas que os povos indígenas abriram ao longo de milhares de anos. Essas trilhas levam, eventualmente, a qualquer ponto do país e do continente sul-americano. Do Norte ao Sul, do Leste ao Oeste, dizem que essas trilhas conduzem até mesmo aos Andes. E os sertanistas conhecem cada uma delas.
Por cinco dias, eles caminharam quase que ininterruptamente, o que cobrou um preço alto dos dois. O pé de Pandora já estava um pouco melhor, embora inchado. Samuel, por outro lado, transpirava mesmo quando paravam para descansar. O ferimento na sua coxa demandava mais atenção do que estava recebendo. Radamés não estava nem aí. Leone se divertia com a cena.
A comitiva era formada por pouco mais de vinte pessoas. Pequeno, se comparado com o número total de homens sob o comando de Radamés, e ainda menor se comparado com as centenas que ele ostentava em seus dias de glória. Isso tudo antes de Samuel aparecer. O rancor deles não era necessariamente gratuito.
Atrás da fila vinha uma carroça, mas apenas o condutor se beneficiava da carona. Sua única função era levar suprimentos e, posteriormente, transportar o saque.
E assim, a jornada se estendeu. Adentrando matas e saindo em pastagens, subindo morros e cruzando riachos, eles viajaram ao estilo dos sertanistas. Pegaram sol quente, chuva fina e nevoeiro, mas nunca paravam por mais do que uma hora para comer, ou um pouco mais para dormir.
O rio Itapetininga ficou para trás e grupo seguiu avançando, buscando as margens do Paranapanema. Samuel ficou surpreso. Sempre achou que tinha tomado todos os cuidados, mas Radamés tinha razão em seu palpite. O indígena realmente tinha um esconderijo na região, um que ele não visitava há praticamente uma década.
A comitiva seguiu por uma trilha de mata fechada, irregular, ao som das vozes roucas dos homens numa canção obscena. A carroça avançava com dificuldade, atolando aqui e ali, precisando ser empurrada constantemente. O sol ia bem alto, castigando, quando Samuel pisou em falso.
— Samuel! — Pandora gritou, correndo para ampará-lo. Os dois quase foram ao chão, mas o anjo se apoiou numa árvore. Os sertanistas riram, causando a indignação de Pandora. — Nós temos que parar!
— Ah, nós vamos parar — Leone caçoou. — Em mais um dia de viagem, nós chegamos lá. Aí, nós paramos.
— Ele precisa de tratamento.
Radamés passou sem direcionar o olhar para eles.
— Está subestimando a resistência da Jovem Onça, Senhorita Pandora — ele disse. — Na verdade, deveríamos mudar o nome dele para Jovem Barata, o que acham?
O grupo riu. Um dos homens, ao passar, cuspiu no chão aos pés de Samuel.
— Está tudo bem, Pandora — Samuel disse, forçando-se a ficar de pé. — Ele tem razão, eu não pretendo morrer aqui.
Hesitante, ela o soltou e observou enquanto ele se afastava. Um sertanista vindo logo atrás a empurrou para que continuasse andando.
Mais uma hora de jornada se passou. A estrada foi levemente se aplainando, a vegetação cedendo um pouco. Alcançaram um terreno mais elevado e poucos metros depois, uma ravina.
Uma ponte conectava os dois lados. Não era muito larga e já viu dias melhores. A distância para o rio lá embaixo também não era muito grande, mas uma queda não era recomendada.
A comitiva abriu caminho para que a carroça fosse na frente. Um jovem sertanista de perna mecânica vinha logo atrás. Assim que toda a extensão da carroça se encontrou na ponte, um estalo alto foi ouvido. Um segundo de apreensão, mas nada aconteceu. O cocheiro incitou os cavalos devagar. Quando os animais pisarem em solo do outro lado, houve um certo alívio geral.
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Engel - O Prelúdio dos Anjos de Ferro
PertualanganO Imperador está morto. A notícia pegou o país de surpresa, acabando com as esperanças de muitos. Cerca de um ano antes, Dom Pedro II renunciava ao trono em favor do seu então desconhecido irmão, Dom Guillermo, e partia para o exílio na Áustria. A e...