Samuel agradecia aos céus e a quem mais pudesse ter ouvido. Apesar de todos os seus esforços, ele não teria chegado a tempo se a sorte não tivesse lhe sorrido. De algum modo, a garota ainda estava viva.
O anjo cavalgara sem parar uma única vez a até chegar em Ascensão. Já no vilarejo, encontrou a caravana, mas nada de Pandora. Alguns membros apontaram que ela teria ido visitar uma fazenda da região, mas ninguém sabia dizer o nome ou a direção do local. Ao sair, encontrou um menino escravo à espreita, assustado. Ele revelara que a garota corria perigo e lhe indicara o caminho.
Talvez não tivesse tanta sorte se estivesse lidando com outro demônio ou mesmo com o antigo Belfegor, um homem bem mais pragmático. O novo, contudo, havia conquistado uma certa reputação não só por suas proezas em tão pouco tempo na ativa, mas também por seu comportamento pouco ortodoxo.
A garota também tinha sorte, do contrário não teria chegado tão longe.
O piromaníaco removeu a lâmina de seu pulso com um puxão e provou o sangue em sua ponta. Em seguida, desacoplou a arma inutilizada de seu braço e a devolveu ao flanco direito. Ele examinou Samuel de cima a baixo e exibiu um sorriso indecifrável.
— Você deve ser o mameluco — ele disse. — Samuel, correto?
— Vejo que fez o dever de casa — Samuel respondeu, com indiferença.
— Não seja modesto. Sua reputação lhe precede — Belfegor sorriu. — Inclusive o que fez antes dos anjos.
Em outros tempos, talvez Samuel tivesse se incomodado, mas já havia aprendido a não cair em provocações.
— Sua reputação não fica atrás — ele devolveu. — Quantos infantes foram?
Belfegor também não deu sinais de abalo, mas demorou para responder.
— Acho que não entendi.
— Ah, é mesmo? Então os demônios não passaram os últimos anos matando membros da família imperial?
— É a sua palavra contra a minha — Belfegor respondeu, rindo.
— Será mesmo? — Samuel gesticulou para o buraco no chão. — E o que tem a dizer sobre a garota?
— Sabe que não posso comentar sobre o trabalho. Importa-se se eu subir aí? Essas conversas precisam ser olho no olho, não acha?
O anjo não respondeu. Mesmo assim, Belfegor caminhou tranquilamente até as escadas e retornou ao terceiro piso. Os dois colocaram o buraco e os restos de maquinário entre eles. Samuel deu uma espiada rápida em Pandora lá embaixo. Parecia estar respirando. Seus olhos se voltaram ao demônio.
— Quem é o contratante? Dom Guillermo?
Belfegor fingiu uma expressão de choque.
— Cuidado, Samuel! Esse tipo de comentário pode lhe render uma guilhotina!
Samuel não precisava de uma confissão. Bastava apenas que o outro não negasse. Não conseguiria muito mais do que isso. Internamente, já havia entre os anjos o consenso de que os demônios eram os responsáveis pelos assassinatos, só não havia provas. A culpa do imperador era uma questão um pouco mais complexa, mas somente ele, com a ajuda de seus apoiadores, poderia dispor de tais recursos. O interesse dos demônios nessa questão, contudo, era bem mais nebuloso...
— Só estou curioso. Mesmo sendo filha de quem é, uma ordenhadeira do interior me parece um peixe pequeno demais para um demônio.
— Sendo justo, talvez nós nem tivéssemos ficando sabendo da existência dela se o seu amigo não tivesse a encontrado primeiro.
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Engel - O Prelúdio dos Anjos de Ferro
AdventureO Imperador está morto. A notícia pegou o país de surpresa, acabando com as esperanças de muitos. Cerca de um ano antes, Dom Pedro II renunciava ao trono em favor do seu então desconhecido irmão, Dom Guillermo, e partia para o exílio na Áustria. A e...