6 - Mais do Que os Olhos Podem Ver

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Samuel acreditava estar no limite de sua paciência, mas reconsiderava sempre que olhava de relance para Rafaela. Sua parceira parecia prestes a explodir.

         Assim que chegaram a São Pedro, descobriram por que Ezequiel não havia mais entrado em contato. A estação telegráfica havia pegado fogo. Uma caldeira no prédio vizinho explodiu, segundo os homens responsáveis por sua reconstrução, ninguém se feriu. Samuel sentia cheiro de algo mais.

         Por dias, conferiram hospitais e a prisão, mas não encontraram o companheiro. Perguntaram em diversos estabelecimentos, em cantinas e em tavernas e ouviram de um ou dois que Ezequiel passara por ali, mas nada que rendesse uma boa pista. Com a noite alta, decidiram deixar as fazendas para o dia seguinte.

         As manhãs eram reservadas para investigar as fazendas da cidade. Começaram separando quatro. Dois fazendeiros apresentaram a mesma disposição rabugenta de Emílio Sobral, um terceiro descobriu ali que não servia para aquela vida e quase lhes presenteou com a escritura da fazenda para que ele pudesse seguir seu sonho. Na quarta, encontraram todos bem tranquilos e receptivos. Segundo o dono, eles deixaram as preocupações de lado depois que começaram a cultivar uma curiosa planta de fumo.

         Ezequiel não esteve em nenhuma delas, se é que se pode acreditar na disposição, no foco e na memória dos fazendeiros, o que era preocupante, mas Samuel e Rafaela ainda tinham meia dúzia onde procurar.

         Tão pouco encontraram pistas da tal Catarina. Havia uma na fazenda do rabugento número dois, mas era só uma menina, filha de uma Luzia, neta de uma Aparecida. Certamente não era aquela que procuravam.

         No terceiro dia, sob o sol do meio-dia, debruçaram-se sobre o mapa da cidade, na tentativa de diminuir o raio de procura. A sorte resolveu lhes sorrir, pois chamaram a atenção de um homem. O curioso dizia trabalhar numa fazenda na qual um homem aparecera alegando querer comprar o terreno. A descrição batia com Ezequiel. No entanto, o homem não sabia muito mais, além do fato de a venda não ter sido efetuada.

        E assim, os dois se puseram a caminho da tal fazenda. Localizada nos limites ocidentais da cidade, ela era ligeiramente menor e mais modesta se comparada com a propriedade de Emílio Sobral, e cultivava principalmente algodão.

         Foram recebidos por um homem jovem, talvez uns cinco anos mais velho do que Rafaela, queixo quadrado, barba bem aparada, olhos ansiosos, um cabelo castanho lambido para trás. Lembrava mais um advogado do que um fazendeiro, com seu paletó bem alinhado de quem não pertence àquele lugar.

         — Senhor Samuel, senhorita Rafaela — o homem os cumprimentou educadamente, com um aceno de cabeça. — É um prazer conhecê-los. Tomás anunciou que viriam. Sou Plínio da Cruz.

         — O prazer é nosso — Samuel disse. — E obrigado por nos receber. Ouvimos dizer que nosso tio pode ter estado aqui.

        — Sim, esteve. Há pouco mais de uma semana, duas, talvez — o homem ponderou por um segundo. — Mas, por favor, vamos entrar e nos sentar.

        Uma grata mudança, Samuel pensou, não que seu lado mais cauteloso não tenha cogitado uma armadilha, mas, no mínimo, imaginava que conseguiria respostas mais facilmente com o jovem Plínio.

         Foram conduzidos até a sala de estar, um ambiente bem arejado, em tons pastel que iam do amarelo pálido do sofá ao salmão das cortinas. O ar cheirava a alfazema. Mal se acomodaram e uma escrava entrou para servir café e bolo de fubá. Talvez não tão diferente, Samuel reconsiderou ao olhar a escrava. Pelo menos, o homem a agradeceu antes de dispensá-la.

Engel - O Prelúdio dos Anjos de FerroOnde histórias criam vida. Descubra agora