35 - Medo do Escuro

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Se o pai já não estivesse morto, Ferdinando tinha a certeza de que poderia matá-lo com todo o prazer agora. Afinal, ele não podia ser o único responsável pela sua situação atual, podia? Pelo andar da carruagem, antes do nascer do sol, ele poderia ir pessoalmente dar um cascudo em seu pai.

        Claro, ele também poderia culpar o irmão, por sempre provocá-lo. Poderia culpar o ministro, por tê-lo incumbido daquela tarefa insensata. Poderia culpar o imperador, por ser o babaca que é e ter produzido toda aquela situação. Poderia culpar Cecília, por não tê-lo impedido.

        Coitada da moça! O que ela poderia ter feito?

        Coitada nada! Oprimida ou não, Cecília certamente sabe de alguma coisa, ele pensou. Se tivesse lhe contado, ele não teria que bancar o herói épico naquela biboca e não estaria amarrado a uma cadeira, sentindo o cheiro do seu próprio sangue misturado ao cheiro de granja.

        — Bate nele de novo — Homero Gonçalo exigiu.

        Tomás lançou um olhar quase apesarado para Ferdinando antes de aplicar um soco no olho direito do anunciador.

        — Por que eu tenho que bater nele? — Tomás perguntou, enquanto abria e fechava a mão para aliviar a dor.

        — Você sabe que eu não posso — Homero se defendeu, embora o tom fosse de ataque. — A minha mão não ficou mais boa depois que quebraram meus dedos.

        Tomás não parecia o típico capanga. Tinha um e oitenta, era um pouco mais corpulento que Homero, mas era só isso. Nem sabia bater direito e ele chegou a ficar visivelmente incomodado quando o sangue de Ferdinando espirrou e sujou sua camisa branca, mas era o que tinha para hoje. Porém, mesmo pecando na arte da tortura, o homem havia conseguido deixar Ferdinando bem machucado, não que isso fosse grande mérito.

        — Ele tá usando uniforme de guarda — o homem salientou. — Isso não vai dar merda?

        — Ele não é guarda! — Homero disse. — Ele é só... eu não sei o que ele é.

        — Mas ele trabalha na Quinta.

        — Isso é o que eu quero descobrir — Homero disse, num tom mais reptiliano. — Eu me lembro de ter visto ele por lá. E agora ele está aqui. Por quê? Bata nele de novo.

        O capanga improvisado despiu os suspensórios e girou o ombro para aliviar a tensão antes de aplicar outro golpe. Ferdinando choramingou e, atordoado, nem viu a cadeira balançar e levá-lo ao chão. Sentindo-se culpado, Tomás o colocou de volta no lugar e ensaiou até espanar a poeira do traje de Ferdinando, mas Homero se levantou e se aproximou.

        — Vamos de novo — ele disse. — Quem te mandou aqui?

        Ferdinando respirou rápido três vezes, perguntando-se por que estava fazendo aquilo.

        — Ninguém — ele respondeu. — Eu vim por conta própria.

        Homero riu.

        — Então você é burro ou mentiroso. Eu aposto que é mentiroso.

        — É verdade, e-e-eu nem sei por que eu fiz isso, eu... eu achei que...

        — Mentira! Alguém te mandou aqui e mandou porque sabia o que iria encontrar, porque sabia do nosso esquema. Quem foi?

        — Eu nem sei que esquema é esse.

        Homero fez um sinal e o relutante Tomás acertou um soco em Ferdinando.

        — Foi Dom Guillermo? — Homero perguntou. — Aquele fedelho quer me silenciar?

Engel - O Prelúdio dos Anjos de FerroOnde histórias criam vida. Descubra agora