3 - Envie-me um Anjo

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Samuel e Rafaela enfim desembarcaram em Piracicaba, com Rafaela devidamente vestida e seus papéis recompostos. Isso aconteceu após uma não tão breve parada emergencial em Capivari, onde tiveram que trocar de locomotiva e os cinco bandidos foram entregues às autoridades pelos heroicos agentes de segurança.

         — Não eram seis? — Rafaela perguntara na ocasião.

         — O garoto escapou — explicou Samuel com tranquilidade. Rafaela fungou.

         — Não imaginava que tivesse coração mole.

         — Como sabe que eu não o atirei do trem em movimento?

         A garota preferiu não questioná-lo mais e não tocaram no assunto desde então. Na estação, pegaram um exemplar de Gazeta da Nação, o jornal oficial do império. E como não poderia deixar de ser, estampava Dom Guillermo em seu traje oficial, segurando uma criança chorosa no colo, num cenário montado. A manchete dizia:

                              "Imperador inaugura hospital em Santos."

        A publicação era de uma semana atrás. Quem estava em Santos há uma semana? Samuel e Rafaela. Quem não estava? Dom Guillermo.

        Era a primeira missão de Rafaela, uma espécie de teste de campo. Os dois desmontavam um estabelecimento do tipo que começava a se espalhar nos últimos anos. Casas de jogos onde era possível apostar horas de trabalho. Pessoas de todos os tipos e classes sociais se reuniam nesses lugares, acabando, em pouco tempo, não muito diferentes de escravos.

        O plano de contingência dos Anjos de Ferro ditava que cada anjo tinha um "irmão". Se um anjo desaparecia em missão, seu irmão era acionado imediatamente, não importando sua atribuição atual, pois os dois desenvolviam códigos próprios. Samuel era o irmão de Ezequiel.

        Os anjos não precisavam andar em duplas, embora fosse recomendado, e as duplas não eram fixas, mas compostas pelas circunstâncias. Ezequiel era um veterano e havia ganhado autonomia para realizar investigações próprias.

        Rafaela estava basicamente concluindo seu treinamento e fora atribuída aos cuidados de Samuel, embora o indígena não tivesse entendido o motivo. Quando o protocolo de contingência foi ativado, ele sugeriu ir sozinho ou mesmo com uma nova dupla, mas insistiram que ele a levasse. Samuel entendeu menos ainda. Ele próprio tinha sido um jovem um tanto impetuoso, talvez imaginassem que ele pudesse ensiná-la a se controlar.

        — Mais mentiras — a garota bufou ao ler a manchete.

        — E o que não é mentira em seu reinado? — Samuel comentou.

        Pelo tom de Ezequiel em suas mensagens, talvez essa coisa que ele havia encontrado provasse que a própria alegação ao trono fosse uma mentira, Samuel esperava. Poderia ser a redenção dos anjos. A atribuição primária dos Anjos de Ferro era proteger a liberdade do Brasil, defender a liberdade individual contanto que ela não comprometa a liberdade coletiva.

        Eles falharam.

        Em outubro de 1845, quando um jovem de dezesseis anos aportou em terras brasileiras. Seu nome era Guillermo de Villalba. Filho de um discreto conde espanhol, ele ficara sabendo por sua mãe, Henriqueta Molina de Villalba, quando o conde já convalescia da doença que o vitimou, que ela tivera um caso com Dom Pedro I e que Guillermo provavelmente era seu filho.

        Por temer a reação do conde, e por acreditar que o filho teria mais chances sendo criado ali em vez de como um bastardo numa terra distante. Henriqueta optara por esconder o fato até então.

Engel - O Prelúdio dos Anjos de FerroOnde histórias criam vida. Descubra agora