23 - Talvez Eu Queira Morrer um Outro Dia

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O demônio se virou casualmente para a garota, como se o ferimento não o incomodasse, não tanto quanto a imagem da garota viva. Aquilo desafiava a lógica, até feria seu ego.

        Rafaela engatilhou a arma mais uma vez puxou o gatilho. O click produzido ecoou quase tão alto quanto o disparo. Frustrada, a garota rosnou e arremessou a arma longe.

        — Você não mantém essa droga carregada? — Ela repreendeu Samuel.

        — Rafaela! — Pandora gritou, exultante. A leiteira se levantou e agitou os braços violentamente para afastar as moscas enquanto avançava até a ruiva. — Me... deixem... em paz!

        Rafaela permitiu que Pandora lhe amparasse e examinasse. O corte era fundo, mas, de algum modo, a garota ainda estava viva. O sangue manchava a camisa quase que por inteiro. Pandora rasgou um pedaço da barra da própria saia e pressionou contra o ferimento, era o melhor que podia fazer para estancá-lo.

        — Deveras impressionante — Belzebu disse. Ele estudava o próprio braço e repetia em sua mente o movimento, tentando entender onde ele havia errado. — Acho que não estou acostumado a lutar com adversários de menor estatura. A lâmina deve ter acertado logo acima do seu coração.

        — Não é tão esperto quanto pensava, não é, aberração? — Rafaela provocou.

        — Bem, há sempre uma lição a ser aprendida. Para mim, — ele levou a mão ao próprio peito, e então gesticulou para a garota —, e para você. Nem todo mundo tem uma segunda chance. Você deveria aproveitá-la e convencer o seu parceiro a irem embora...

        — Cale a boca! — Rafaela rugiu. — Você me deve dois ossos.

        Belzebu levou um segundo para processar, incerto se teria ouvido corretamente.

        — Eu lhe devo o quê?

        — O último que encostou nos meus peitos teve dois ossos quebrados — ela explicou. — Você me deve dois ossos.

        O demônio pareceu divertir-se com aquilo. Ele se virou para encarar o indígena.

        — Samuel, ponha um pouco de juízo na cabeça da sua...

        As palavras penderam no ar quando o punho de Samuel encontrou seu queixo e o arremessou a vários metros.

        — Não se cobre tanto — Samuel comentou. — Ela também tira a minha concentração, de vez em quando. Você se acostuma.

        As moscas zumbiam furiosamente, mas Samuel as ignorou, assim como ignorou o demônio caído e chocado. Ainda segurando o ombro, o anjo foi até a parceira. A situação ainda era desfavorável, Belzebu era um adversário formidável e eles tinham poucas chances de vitória, mas algo naquela virada havia lhe dado uma injeção de ânimo.

        — Você está bem? — Ele perguntou.

        — Tão bem quanto alguém com um buraco no peito pode estar. Mas não pretendo morrer hoje.

        — Eu também não pretendia, mas vamos precisar de um plano se quisermos ter alguma chance de tirar a Pandora daqui.

        — Eu não vou deixar ninguém pra trás! — Pandora protestou.

        — E eu não vou conseguir dormir se não puder socar aquele merdinha — Rafaela acrescentou. — Talvez se você entregar a ele o presente do Muriel.

        Samuel ponderou por um segundo.

        — Aquilo não vai ajudar muito.

        — Aquilo vai nos dar algum tempo — ela corrigiu. — É só do que precisamos.

Engel - O Prelúdio dos Anjos de FerroOnde histórias criam vida. Descubra agora