4 - Sonata ao Entardecer

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        — Você me parece bem jovem, Eurídice — Rafaela comentou. — Quantos anos tem?

        — Dezenove, senhora — ela respondeu, olhando para os próprios pés.

        — Está vendo alguma aliança na minha mão?

        A escrava ergueu os olhos só o suficiente para constatar o fato.

        — Não... perdão. Senhorita.

        — Olhe nos meus olhos.

        Ela obedeceu, mas seus olhos caídos lutavam para manter o foco, se desviando a todo momento. Tinha um rosto bonito, anguloso, lábios carnudos. A cabeça era raspada. Suas mãos eram ossudas, assim como seus ombros nus, denunciando uma magreza que não parecia saudável. Sua tremedeira não parecia ser de nervosismo.

        — Está aqui há quanto tempo? — Rafaela perguntou.

        — Desde os doze.

        — Hum, então deve conhecer bem a família.

        A jovem hesitou por um segundo.

        — C-conheço sim, senhorita.

        Esqueletos nos armários, Rafaela logo percebeu. Ela se levantou, toda a pantomima do desmaio já deixada para trás.

        — Por que não me mostra a casa?

        A boca da garota ficou aberta enquanto ela tentava encontrar uma palavra que fosse para dizer.

        — Eu lhe mostro a casa, senhorita — a voz de Dante veio de uma porta que dava num corredor. — Se for se de seu agrado.

        Ah, tinha me esquecido do mordomo, Rafaela pensou. Mas aquela atitude solícita só reforçava suas suspeitas. Envergando uma expressão séria, ela lançou um olhar duro sob suas sobrancelhas densas.

        — Desculpe, Dante. Os meninos não foram convidados. O que acha de nos preparar um chá?

        Apesar da postura perfeita, ela pôde reparar quando ele engoliu em seco.

        — Será um prazer — ele respondeu e se retirou, não sem antes lançar um olhar para Eurídice.

        O anjo de ferro pedira que a escrava lhe mostrasse a casa, mas foi ela quem tomou a dianteira. Sentiu-se tentada a subir as escadas, mas seus instintos a conduziram por uma porta no primeiro andar.

        Com um passo arrogante, ela foi explorando o solar, cruzando amplos corredores de piso de mogno e paredes forradas de pinturas de homens gordos, provavelmente Emílio, embora ela não apostasse todo o seu dinheiro nisso. A garota vinha logo atrás, aflição encarnada.

        — É uma casa bem grande — Rafaela comentou enquanto abria uma porta e espiava lá dentro, recebendo uma lufada de mofo na cara. — Seu patrão mora aqui sozinho?

        — O filho do seu Emílio estuda na capital — a escrava respondeu, quase um sussurro.

        — E a senhora Sobral?

        A garota apertava as falanges. Sem resposta, Rafaela se virou para ela e ergueu uma sobrancelha.

        — A dona Amália já faleceu.

        — Sério? Como?

        — Morte morrida — ela respondeu. Seus olhos encontravam os de Rafaela e eram imediatamente repelidos, como imãs de polos iguais. — Eu não sei bem.

Engel - O Prelúdio dos Anjos de FerroOnde histórias criam vida. Descubra agora