Um trovão rugiu.
A chuva ameaçava cair, com pingos aleatórios lhe acertando o rosto e o braço, mas o que prevalecia eram os relâmpagos. Os céus estavam em fúria pelo que estava prestes a acontecer.
À sua volta, fogo, gritos, tiros. Caos. As mãos de Samuel tremem, de modo que ele mal consegue segurar sua arma. Suas ordens eram para conter os revoltosos, eliminar quem oferecesse resistência. Mas quase não houve resistência, e mesmo assim, seus companheiros não pareciam interessados em minimizar as fatalidades. Eles queriam sangue.
Sangue do seu povo. E Samuel estava participando daquela barbárie.
Ele viu quando um de seus companheiros atirou numa idosa a sangue frio. Samuel deu um grito curto de revolta. Seu companheiro olhou rapidamente para ele, mas o ignorou e seguiu seu caminho.
À sua frente, uma garota estava parada. Ele não sabia há quanto tempo ela estava lá, talvez quase tanto quanto ele esteve congelado ali. Ela usava uma roupa simples, de tecido cru. Os longos cabelos negros estavam caídos sobre o rosto. Ela parecia em choque, congelada como Samuel.
Mas então seus olhos se ergueram, encontraram os de Samuel. Um grito bestial irrompeu de sua garganta e uma faca simples surgiu em sua mão. A jovem investiu contra Samuel com a faca em punho.
Em nenhum momento ele pensou em atirar. No último segundo, talvez, mas já era tarde e ele se viu forçado a largar a arma para segurar as mãos dela. Os dois caíram, a jovem por cima de Samuel. Seus olhos pareciam com os de uma fera ferida, acuada, lutando para sobreviver. Samuel não conseguia esboçar reação.
Então veio o estampido...
A expressão no rosto da jovem congelou por um segundo. Suas forças falharam e a faca escapou de sua mão, caindo ao lado da cabeça de Samuel. Em seguida, a própria jovem desabou, nos braços do soldado aturdido. Ele a deitou de lado e se sentou. As mãos ainda trêmulas, ele procurou ao redor e encontrou Leone, mais jovem, alguns cabelos a mais, umas cicatrizes a menos, uniforme militar como o seu, espingarda na mão cuspindo fumaça.
— Essa foi por pouco, hein, moleque? — Ele provocou. — Faça o favor de matar alguns antes de morrer, você tá aqui pra isso.
Leone se afastou, já engatilhando a arma. Samuel se viu sozinho com a moça de novo enquanto o caos se espalhava ao seu redor. Os olhos dela fitavam o nada, seu peito não subia e descia mais. Com uma mão trêmula, ele fechou os olhos da moça. Suas pernas ameaçaram falhar, mas ele se levantou e foi até sua arma. Ao tentar tocá-la, sentiu como se ela pegasse fogo e retraiu a mão. Samuel suprimiu essa sensação e apanhou a arma.
Ao tentar dar um passo, seu pé prendeu. Na verdade, alguma coisa o segurava. Olhou para baixo e viu a jovem o segurando pelo calcanhar, os olhos ferozes sangravam efusivamente, fixos nele. Samuel tentou se desvencilhar, mas seu outro pé também estava preso. Pelo que, ele não sabia.
A chuva começou a cair em seu rosto e ela era vermelha como sangue. A jovem puxou o seu pé com força e ele caiu, ou melhor, afundou. Os dois estavam sendo tragados para dentro de uma lama preta e densa. Outras mãos surgiram das profundezas para puxá-lo. Ele prendeu a respiração quando sua cabeça estava prestes a afundar.
Quando abriu os olhos, estava num lugar escuro, frio. Estava molhado. De todos os lados, pouco a pouco, silhuetas foram surgindo. Pessoas sem rosto cerrando um círculo ao seu redor. Lentamente, eles foram apontando para ele.
— A culpa é sua — ele ouviu as vozes em sua cabeça. — Você fez isso conosco.
De repente, aquelas pessoas entraram em combustão. Samuel sentiu o cheiro de óleo. Ele estava coberto de óleo. Não havia para onde fugir. O fogo o alcançou, subiu pelas suas pernas, tomou seu corpo todo, seu pescoço, seu rosto. Ele sentiu a pele se desprendendo. Vendo o rosto daquela jovem na sua frente, o encarando, o julgando, o sentenciando. Samuel gritou.
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Engel - O Prelúdio dos Anjos de Ferro
AdventureO Imperador está morto. A notícia pegou o país de surpresa, acabando com as esperanças de muitos. Cerca de um ano antes, Dom Pedro II renunciava ao trono em favor do seu então desconhecido irmão, Dom Guillermo, e partia para o exílio na Áustria. A e...