28 - Lugar Certo, Hora Errada

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A cena de um crime tem sempre suas peculiaridades, Calisto pensava. Era sempre um convite para a imaginação, e o jornalista era muito criativo. Contudo, por mais que suas narrativas pudessem soar interessantes, a verdade era a coisa mais importante, as perguntas que precisavam ser respondidas. E a perguntava que mais ressoava em sua cabeça era:

        — De onde brotaram todos esses guardas?

        É verdade que os crimes cometidos contra os mais abastados sempre geravam maior comoção das autoridades, mas a quantidade de agentes postados na fazenda do moinho, como os moradores de Ascensão se referiam ao lugar, era, no mínimo, desproporcional. Calisto ouvira falar do contingente deslocado para a região nos últimos dias, mas ainda não estava claro seu propósito...

        ... Nem por que aqueles agentes não pareciam interessados em investigar.

        Aqueles homens estavam ali apenas para guardar, para não permitir que ninguém se aproximasse, para, com um pouco de sorte, capturar o criminoso se este resolvesse dar as caras por ali.

        — Meia-volta, cidadão — um guarda postado no portão o alertou. — Ninguém pode entrar sem autorização.

        Sem interromper seus passos, Calisto sorriu e descartou seu cigarro com um peteleco, então buscou sem sucesso alguma coisa em seu sobretudo, deixando o guarda em alerta.

        — Está fazendo um excelente trabalho, nobre defensor da lei e da ordem — o jornalista disse. — Mas, como bem pode atestar, eu estou aqui em missão oficial. Eu trabalho para a Gazeta da Nação.

        Calisto finalmente encontrou um papel em um de seus bolsos, que ele estendeu para que o guarda o verificasse. Quando este esticou o pescoço para avaliar o documento, Calisto logo o recolheu e o devolveu ao bolso. O guarda relaxou o suficiente para abaixar a arma, mas continuou desconfiado.

        — Desde quando vocês podem escrever sobre esse tipo de coisa? — O guarda o questionou.

        — Estou aqui somente para noticiar a morte da família Moraes — Calisto explicou. — Membros tão distintos da nossa sociedade. Não tenho nenhuma intenção de expor os detalhes sórdidos.

        O guarda mugiu para si mesmo. Aquilo não estava no memorando. Disseram que eles só teriam que montar guarda no lugar e não deixar ninguém entrar. Ninguém disse nada sobre recepcionar jornalistas ou quem quer que fosse.

        — Deixe ele passar de uma vez, Ferreira — um segundo guarda disse, um homem mais velho que descansava atrás do portão, quase escondido. — O que acha que ele pode fazer?

        Mesmo desconfiado, o primeiro guarda, ansioso para empurrar o problema para outra pessoa, olhou em volta até avistar um guarda imberbe ocioso, sentado num barril, despreocupado.

        — Bento! — Ele chamou, fazendo sinal para que o jovem se aproximasse.

        Com um misto de desapontamento pelo fim de sua folga e o desejo para mostrar serviço, o jovem veio ao encontro deles.

        — Senhor?

        — Acompanhe o senhor...

        — Fontana — Calisto se apresentou, erguendo levemente a cartola. — Calisto Fontana. Mas pode me chamar só de Calisto.

        — Que seja. Acompanhe ele de perto. O senhor Fontana só vai tirar umas fotos da propriedade para a sua matéria — o guarda disse, mais um aviso para Calisto do que instruções para Bento.

Engel - O Prelúdio dos Anjos de FerroOnde histórias criam vida. Descubra agora