14 - Anjos e Demônios

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        — Então, esses demônios não são demônios de verdade?

        Sentada perto da fogueira, Pandora esforçava-se para entender a história de Samuel. Era quase meia-noite, poucas horas antes, os dois haviam fugido da fazenda Santa Helena. O fogo ali lhe parecia bem mais acolhedor.

        A dois quilômetros do vilarejo, e longe das estradas, Samuel havia improvisado um acampamento num ponto que ele julgara consideravelmente seguro. Ele também havia se mostrado hábil em conseguir comida, apanhando um peixe para ela e preparando um chá de ervas que Pandora não conhecia, mas estava apreciando, além do que, ele ajudava a espantar o frio de seus ossos.

        — No sentido literal da palavra, não — Samuel explicou. — Eles são humanos como você e eu. Só com... um senso de moral um tanto questionável.

        — Entendi... — Pandora disse, embora não tivesse entendido completamente. — Mas isso não chama atenção demais? Essa coisa de serem chamados de demônios?

        — Tecnicamente, Lúcifer batizou a organização de Dobix Merifri. Significa anjos caídos em enoquiano.

        Pandora ficou de boca aberta.

        — Ele fala enoquiano?

        — Ninguém fala enoquiano — Samuel respondeu, com enfado na voz. — É uma língua mítica, quase fictícia. Não há literatura suficiente no mundo para que alguém possa usá-la de maneira prática. Mesmo esse nome inventado por Lúcifer pode estar incorreto.

        — Então...?

        — Nesse ramo, o que importa é o simbolismo. Mesmo assim, temendo não ter o efeito desejado, o nome logo foi mudado para sua versão em latim: Reprobi Angeli. Embora a sigla DM ainda seja vista no símbolo deles. Os anjos de ferro que passaram a chamá-los de demônios, por ser mais curto, e acabou pegando.

        Tomando mais um gole de seu chá, Pandora apenas balançava a cabeça. Aquela fábula de anjos e demônios estava cada vez mais complicada. Samuel era paciente para lhe explicar, o que a surpreendeu, considerando a imagem que tinha dele de quando o conhecera uma semana antes, em São Pedro.

        — Mas tem uma coisa que eu ainda não entendi — ela disse. — Aquele homem matou aquela família inteira e tentou me matar, mas você disse que eles não são bandidos.

        — Não necessariamente — Samuel explicou. — É complicado. Lúcifer é um idealista. Ele deixou os Anjos de Ferro porque tinha uma visão diferente e, é claro, ele tem menos receio de lançar mão de recursos moralmente reprováveis, mas a questão principal é que ele teve que abrir mão dos recursos financeiros dos anjos. Por isso, foi obrigado a recorrer ao mercenarismo.

        — Essa é outra questão que eu gostaria de esclarecer — Pandora acrescentou, com um sorriso sem jeito. — Vocês são pagos pelo trabalho de vocês?

        — Os Anjos de Ferro devem ser independentes. Para isso, a organização recebeu propriedades em vários pontos do país para financiar as nossas atividades.

        — Mas vocês... digo, você especificamente...

        — Os agentes recebem uma ajuda de custo para subsistência. Pode-se dizer que nosso trabalho é filantrópico.

        — Ah, que bom — Pandora suspirou aliviada. — Para ser honesta, eu não tinha dinheiro para te pagar.

        Samuel apenas ergueu uma sobrancelha e o silêncio se estendeu por algum tempo. O anjo alimentava a fogueira enquanto tentava imaginar qual seria seus próximos passos, quais seriam as ordens dos superiores. A garota ponderava sobre questões um pouco menos profundas.

Engel - O Prelúdio dos Anjos de FerroOnde histórias criam vida. Descubra agora