Foi como mágica. Bastou que se afastassem de Passo Rubro para que a chuva ficasse para trás. Até as temperaturas estavam se elevando. Ao sul, os anjos ainda podiam ver algumas nuvens sobre o vilarejo.
Talvez nem fossem nuvens...
Quanto mais se afastavam também dos grandes centros, mais o teatro dos aristocratas parecia perder a importância, portanto, desistiram de encontrar um transporte e fizeram o percurso a pé, carregando suas malas. O que, na verdade, provou-se bem desgastante com suas roupas de fidalgos, arruinando o humor de Rafaela. Seu chapéu ficou em algum lugar pelo caminho.
Talvez a um quilômetro da entrada do vilarejo, encontraram o cenário que Demir descrevera. Próximas da estrada, ruínas de antigas construções eram vistas aqui e ali. Aparentemente, a capela fora destruída há muitos anos, mas estava claro que o lugar havia testemunhado uma batalha há poucos dias.
— Ezequiel, quanto homens você enfrentou? — Samuel perguntou, mais para si mesmo.
Mais adiante, Rafaela examinou a árvore queimada. Sua casca se desfazia ao toque e o chão ao redor dela também era forrado de preto. O ar ainda cheirava a fuligem. Quando voltou, encontrou Samuel examinando as paredes do prédio em ruínas, removendo um projétil de um dos muitos buracos.
— São do Ezequiel — ele disse, mostrando a cápsula.
— Algum sinal dele? — A garota perguntou. Samuel balançou a cabeça.
— Não. Digo, tem sangue seco por toda a parte — ele indicou um dos tijolos. — Vê? Mas não dá para dizer com certeza que é dele. Pegadas, tem às dúzias, o que indica que muitas pessoas passaram por aqui, apagando qualquer pista. É quase como se ele tivesse...
— Virado pó? — Rafaela sugeriu. Samuel lhe fez uma careta.
Mas era uma possibilidade, uma que ele preferia nem considerar. Aquele lugar todo cantava uma canção sombria. Olhando em volta, para a grama amarelada e seca na área do combate, para uma parede de tijolos de barro que parecia ter começado a derreter, essa era uma ideia macabra, mas possível. Por outro lado, o colar sobreviveu, o que poderia ser um bom sinal.
— Vivo ou morto, é provável que os aldeões o tenham levado.
— Ou seus inimigos o levaram.
Samuel considerava essa possibilidade também, por isso, não repreendeu a franqueza da parceira, até para encorajá-la a desenvolver seu senso analítico. Mas sabia que ela precisaria desenvolver um pouco de tato para lidar com as pessoas.
— Que seja. Vamos voltar para a estrada, talvez encontremos alguma coisa.
Eles sabiam de duas coisas: primeiro, Ezequiel seguiu para o vilarejo; segundo, ele foi emboscado e entrou em combate ali. Se foi durante a ida ou durante a volta, não havia como saber. O melhor que tinham a fazer era seguir a estrada até o vilarejo.
Caminharam sem dizer uma palavra, a orquestra de pássaros se esforçando para cantar uma canção mais bucólica, típica do interior, com Samuel esquadrinhando o cenário em busca de qualquer pista. Mas havia passado tempo demais, e a menos que Ezequiel tenha deixado alguma deliberadamente, o que seria difícil no meio da confusão, não imaginava que encontraria. A não ser que ele tenha deixado o colar ali com esse propósito.
Pensando nisso, Samuel sacou a peça do bolso e a examinou. Estava limpa e reluzente, provavelmente trabalho de alguém da guilda dos ladrões. Se a palavra de um ladrão valia alguma coisa, o colar fora encontrado no campo de batalha, mas a corrente e o fecho estavam intactos, o que sugeria que ele fora retirado intencionalmente. Ao seu lado, Rafaela suspirou.
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Engel - O Prelúdio dos Anjos de Ferro
AdventureO Imperador está morto. A notícia pegou o país de surpresa, acabando com as esperanças de muitos. Cerca de um ano antes, Dom Pedro II renunciava ao trono em favor do seu então desconhecido irmão, Dom Guillermo, e partia para o exílio na Áustria. A e...