Embora não conhecesse bem as regras daquele jogo, Pandora suspeitava que um dois de copas e um oito de paus não a ajudariam muito. Tomé, o granjeiro, tinha um sorriso malicioso no rosto, mas isso parecia inerente nele.
Sem opção, Pandora baixou suas cartas. O homem riu e baixou as suas: Um rei e um ás, ambos de espadas. Pandora não sabia o que isso significava, mas deixou que o homem arrebatasse o prêmio mesmo assim.
— Não depene a menina no aniversário dela! — Hermínia, a queijeira, protestou com indignação, dando um tapão com sua enorme mão no ombro do homem.
— Calma aí! — O homem se defendeu. — Ela topou, e só estamos apostando tostões.
— Está tudo bem, dona Hermínia — Pandora disse.
Apesar da derrota, a leiteira estava feliz. Seus amigos de caravana haviam se juntado para uma pequena surpresa em seu aniversário, providenciando até mesmo um bolo simples. Quando chegou a noite, eles se reuniram no calor aconchegante da taverna.
O dia fora de sol, sem nuvens, o que permitiu até mesmo que as mulheres lavassem as roupas no rio. Mas quando chegou o crepúsculo, o vento começou a cortar suas bochechas como navalhas gélidas. Pandora envolveu os braços em torno de si, sentindo o calor de sua blusa xadrez simples, e dispensou uma nova rodada, se levantando para andar um pouco.
À sua volta, as pessoas se divertiam como pessoas costumam se divertir. Alguns cantavam, outros riam alto, outros jogavam, quase todos bebiam. Num canto, um rapaz com uma viola improvisava acompanhado de uma violinista que ele conhecera naquela noite, num espetáculo bonito o suficiente para atrair alguns expectadores.
Se ao menos eu conseguisse me divertir um pouco também, ela pensou. Passara o dia tentando afastar o sentimento de pessimismo, tão desagradável e incomum para ela, que se instalara em suas entranhas. No dia seguinte, chegariam a São Pedro, onde tentaria um empréstimo mais uma vez.
— E você, mocinha? — Uma voz chamou. — Não quer tentar a sorte?
Sentado numa mesa com duas canecas viradas para baixo à sua frente e uma pequena multidão ao seu redor, um homem lhe oferecia um sorriso mais malicioso do que o de Tomé. Tinha um rosto pálido, um cabelo fino e comprido preso num rabo de cavalo e um nariz aquilino.
— Tentar a sorte com o quê? — Ela perguntou, insegura.
O homem ergueu as canecas, revelando três dados; dois embaixo de uma caneca e um embaixo da outra.
— É muito simples — o homem explicou —, dois dados vão na primeira caneca, o outro vai na segunda — ele lançou os dados em suas respectivas canecas, girou e as virou habilmente de boca para baixo na mesa. — Você aposta em qual caneca terá o valor maior.
— Mas as chances do par de ter um valor mais alto são muito mais altas do que as do dado sozinho.
— É claro que são — o homem respondeu, percebendo que ela mordia a isca. — Por isso, se você apostar no dado solitário, eu dobro o seu prêmio.
— E se eu perder?
— Você só perde o que apostou.
Tentada, Pandora ficou ali parada por um tempo, ignorando as vozes ao seu redor. Parecia dinheiro fácil e, diferente das cartas, dependia só de sorte, não de habilidade. Mas uma vozinha no canto de sua cabeça protestava contundentemente.
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Engel - O Prelúdio dos Anjos de Ferro
AdventureO Imperador está morto. A notícia pegou o país de surpresa, acabando com as esperanças de muitos. Cerca de um ano antes, Dom Pedro II renunciava ao trono em favor do seu então desconhecido irmão, Dom Guillermo, e partia para o exílio na Áustria. A e...