17 - Pandora e o Zepelim

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Suas costelas reclamavam a cada respiração e sua garganta ainda doía sempre que tentava engolir, mas Samuel parecia ter se esquecido de tudo isso agora. Avançando a passos largos pelas ruas apinhadas, mal conseguia distinguir os rostos das pessoas, as palavras de Muriel, logo ao seu lado, sofriam para chegar aos seus ouvidos e quando chegavam, não faziam sentido.

        O que você esperava?, dizia uma voz na sua cabeça. Suas mãos não foram feitas para proteger. É claro que você estava fadado ao fracasso desde o começo.

        A garota havia sumido. Ele podia tentar culpar Pandora por não ter lhe obedecido e esperado, ou culpar Rafaela por não ter ficado de olho nela. Também podia culpar Muriel por ter se atrasado para o encontro deles. Mas, em primeiro, as duas não estavam ali para se defender, em segundo, Muriel estava enrolado com as próprias atribuições e terceiro, ele só conseguia culpar a si mesmo.

        De acordo com testemunhas, Pandora deixara a cantina com um cavalheiro cuja descrição batia com a de Serafim, membro da organização na qual Muriel estava infiltrado, o que dava um bom indício de onde eles poderiam estar, mas os anjos estavam atrasados. Muriel, contudo, se mostrava otimista.

        — Não se preocupe, Samuel — ele tentou tranquilizar o parceiro da organização, sofrendo para acompanhar seus passos. — Eles não passam de um bando de filhos de pais ricos brincando de política.

        — Você disse que eles apoiaram a ascensão de Dom Guillermo.

        — Sim, no começo. Mas depois que viram que seus pais começaram a perder dinheiro, se arrependeram. Hoje, se limitam a atos sem sentido para criticar o imperador, um vandalismo aqui, outro ali. São uma ameaça mais para eles mesmos do que para qualquer pessoa.

        Samuel não conseguia se manter otimista, a experiência havia lhe extirpado essa habilidade. Sem muito esforço, conseguia pensar numa dúzia de possibilidades de a situação degringolar. Para começo de conversa, poderiam descobrir quem ela é e, sinceramente, não havia como essa possibilidade se desenrolar em algo bom.

        E Rafaela? Em que buraco a garota havia se enfiado? As pessoas questionadas afirmaram tê-la visto sair minutos antes de Serafim conduzir Pandora dali. Por que ela não ficou vigiando a garota? Fúria e preocupação se misturavam na cabeça do anjo. As nuvens de chuva que se formavam pareciam um sinal pouco auspicioso.

        Muriel conduziu os dois até uma área mais afastada da cidade, menos habitada. Uma série de galpões compunha a maior parte da paisagem. Aos fundos de um deles, uma portinhola no chão sugeria uma entrada subterrânea. Muriel bateu num ritmo específico e esperou. Uma fresta se abriu, de onde olhos desconfiados espreitaram antes que ela se abrisse completamente. Um homem baixinho, com cara de cavalo, mediu Samuel da cabeça aos pés.

        — Juca, você precisa dar um jeito nessa sua atitude — Muriel o repreendeu, já avançando escada abaixo, então falou para Samuel: — Vamos.

        Após o breu das escadas, uma porta revelou o que parecia ser uma ampla sala de conferência, embora a impressão fosse de que um vendaval havia passado por ali. Também não se via uma viva alma.

        — Pelo visto, a festa foi boa — Samuel comentou.

        Por sua vez, Muriel parecia ter perdido a confiança que exibira minutos antes. Seus olhos afastados varreram o local em busca de qualquer coisa. Não encontrando, ele sumiu por uma porta, voltando segundos depois para desaparecer por outra porta. A ação se repetiu, mas sua expressão estava claramente mais inquieta. Com a voz exaltada, o anjo se voltou para Juca, que os havia seguido até ali.

Engel - O Prelúdio dos Anjos de FerroOnde histórias criam vida. Descubra agora