Vinte e quatro.

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Minha cabeça latejava, meu corpo doía como se eu tivesse apanhado, minha mente estava devagar e eu sabia que era culpa dos analgésicos que mal pareciam funcionar. Aquele cheiro de hospital me dava náusea, e estar deitada numa cama que não era a minha me deixava desconfortável.

Abri os olhos devagar, vendo os tons neutros daquele quarto me causarem um incômodo instantâneo. As paredes, o teto, os lençóis da cama em que eu estava, os móveis, tudo ali parecia anêmico, fazendo eu me sentir perdida, presa, sufocando.

Não sabia há quanto tempo estava ali, ou que horas eram. Não sabia quando iria embora e apesar de espiar por de baixo da coberta e me ver inteira, não tinha certeza se estava tudo bem.

Tudo estava no lugar, ao mesmo tempo em que parecia tão bagunçado.

Olhei em volta, dessa vez com mais atenção, me vendo sozinha.

Fechei os olhos, sentindo a lentidão dos remédios me deixar ainda mais frustrada.

Tudo parecia tão ferrado naquele momento. Tudo parecia tão estranho, fazendo um filme passar por minha mente quase que de repente.

Me vi semanas atrás, desejando minha antiga vida de volta, minha rotina, meu casamento. Me vi durante noites e mais noites chorando, me sentindo pequena, desejando tanto que tudo voltasse a ser como era, mas ali estava eu, pagando o preço por fazer tudo ao contrário.

Me perguntei se não deveria ter ouvido Paulo, se não seria melhor me afastar. Eu não sabia parar e no que isso resultou? Uma explosão no meio da minha cara.

Meu coração disparou, me fazendo notar o quão nervosa eu estava.

Me remexi em meu lugar e ouvi o som da porta, que pouco depois se abriu, revelando a figura loira. A mesma roupa preta, mas com restos de fuligem.

Anita segurava um copo descartável contendo um líquido escuro, que eu sabia que era café, cara fechada, como sempre, fazendo um sorrisinho surgir em meu rosto.

Por quanto tempo ela estava aqui?

- Escrivã. - A voz dela me causou certo arrepio.

Eu havia fodido com tudo. Havia fodido a investigação e provavelmente a minha carreira.

Ver Anita ali só deixava tudo mais confuso. Por que ela simplesmente não havia ido embora?

Uma dor aguda martelou em minha cabeça.

- A investigação... - Tentei.

- Você é impossível mesmo, não é? - Ela sorriu sem humor, com seu tom de voz ríspido. - Nem mesmo depois de se colocar nessa cama você me dá um descanso, Verônica?

- Anita...

- Não! Esse assunto fica pra depois. Você já deveria saber que as coisas não vão ser sempre do seu jeito.

Fechei a cara, mas sabia que ela estava certa e isso trazia um gosto agridoce para a minha boca. A desgraçada tinha razão e eu não tive opção a não ser me calar.

- O médico tá assinando sua alta. Eu vou te levar pra casa, Lima levou sua moto pra delegacia.

- Olha, não precisa se preocupar.

- E deixar você toda arrebentada e sozinha? Você pode não acreditar, mas eu não sou um monstro, escrivã!

Suspirei, vendo Anita se sentar na poltrona ao meu lado, com seu celular em mãos.

Com meus olhos fixos em Anita, não consegui afastar a investigação dos meus pensamentos. Ou o que aconteceria em seguida.

- Não. - Ela disse sem tirar os olhos do aparelho.

CRAWLING - VeronitaOnde histórias criam vida. Descubra agora