Trinta e seis.

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IMPORTANTE: Leiam ouvindo Déjà Vu da Pitty!!!!!!

O CAPÍTULO CONTÉM GATILHOS SOBRE ABUSO SEXUAL E CORRUPÇÃO DE MENORES.

Respirei fundo, observando a tela do computador, sentindo a irritação reverberar por todo o meu corpo. Tudo parecia calmo demais, tranquilamente suspeito e extremamente inquietante. Ricardo continuava com os jogos, com a pose ridícula e com o bico fechado. As provas pareciam ter caído no nosso colo de forma fácil demais, no entanto suficientes para que a promotoria montasse um caso sólido. Tudo naquilo me incomodava, tudo parecia montado e combinava bastante com o verdadeiro suspeito, que vinha sendo sempre tão teatral, desde o início de toda aquela merda. A verdade era só uma: Eu não acreditava na culpa de Ricardo, mas não podia fazer nada, a não ser que outra mulher morresse. Outra pessoa teria que morrer para que eu pudesse fazer a porcaria do meu trabalho.

Revisei o meu relatório, sentindo o incomodo rastejar por de baixo da minha pele, me fazendo bufar, evidenciando meu estado de humor. Foi o som do telefone que me trouxe de volta a realidade, tocando alto e irritante, me fazendo atender rapidamente, com minha voz saindo mais fria do que pretendia.

Ao ouvir a voz cansada do outro lado da linha eu sabia muito bem de quem se tratava. E apesar da culpa sempre dar um jeitinho de me acertar, o sentimento que conseguia se sobressair era o desprezo.

- Esperei você entrar em contato, mas tudo o que recebi foi uma transferência bancária. - Minha tia reclamou, me cobrando como se aquilo fosse pouco, como se depois de tudo, eu ainda precisasse ser uma filha amorosa para alguém que sequer foi uma mãe para mim.

- E tá pouco? - Fui grosseira.

- Minha filha... - A velha se preparou para o sermão sobre o amor dos filhos e sobre passagens da bíblia. A mesma ladainha de sempre.

- Não! - Interrompi algo que eu já estava cansada de ouvir. - Eu não posso e não quero ouvir o mesmo discurso de sempre. Já faço muito mais do que deveria dando a ela o meu dinheiro, não vou dar nada além disso. - Pude ouvir o suspiro resignado do outro lado da linha. - Chega de fingir que essa vagabunda não me vendeu, chega de agir como se você não soubesse o que aconteceu. Os abusos, o cárcere. Eu só tenho uma vida minimamente normal hoje porque fiquei velha demais para ele, porque aquele desgraçado gostava de crianças e me descartou como lixo. - Estourei. - Eu sequer tenho o nome que ela me deu ou o sobrenome dela. Tudo o que tenho é meu! E se ela conseguiu tirar algo de mim quando me encontrou não foi porque eu a amava... - Ri com amargor. - Até nisso ela precisava ser uma pilantra, ameaçando expor algo que deveria causar vergonha nela, mas nunca causou. Ela nunca sentiu a mínima culpa, e eu também não vou sentir. A partir de hoje, nem o meu dinheiro vocês vão ver. Chega!

- Anita, ela vai morrer sem assistência! - Minha tia se desesperou.

- Que morra! Com certeza vai ser uma companhia excelente para o capeta. - Disse sem conseguir esconder o nojo. - E não espere flores, não vou mandar. - Disse, desligando em seguida.

O silêncio se espalhou pela sala como uma sombra assim que ligação foi encerrada. As paredes do meu escritório pareciam se fechar ao meu redor, apertando meu peito com lembranças sufocantes. O peso do passado, que eu tentava enterrar sob camadas de desprezo e frieza, surgia com uma força quase insuportável. Respirei fundo, tentando me concentrar no caso, mas o confronto com minha tia reabria feridas que nunca cicatrizavam completamente.

As persianas fechadas me deixavam imersa naquela meia-luz, enquanto tudo parecia a flor da pele.

Revisei novamente meu relatório, tentando focar no que estava diante de mim. Cada linha de texto parecia se fundir com as minhas memórias mais dolorosas, criando uma cacofonia de pensamentos e sentimentos amargos.

CRAWLING - VeronitaOnde histórias criam vida. Descubra agora