Quarenta.

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Verônica seguiu Anita pelo corredor do prédio, as paredes naquela cor sem graça pareciam evidenciar o peso da tensão entre elas. Anita, cada vez mais fria, impunha entre as duas um limite muito diferente de tudo que já haviam vivido. E isso causava uma sensação que doía — uma dor que talvez só a delegada soubesse infligir.

Verônica percebia cada movimento da delegada, não conseguia afastar os olhos dela, podia ver a tensão em cada músculo, o olhar sempre atento, mas evitativo, como se fosse um escudo, algo para que Verônica não a enxergasse além do papel que era tão boa em desempenhar.

O caso ainda era prioridade, claro. E o próximo passo era reavaliar Ricardo, mesmo que ambas estivessem mais ligadas do que nunca de uma maneira perigosa e pessoal há tudo aquilo.

Anita apertava os lábios, concentrada, ignorando os olhares curiosos de Verônica e se mantendo dentro de sua armadura. As informações recém-descobertas só pareciam deixar mais claro o papel de Ricardo naquilo tudo, como uma marionete. Talvez muito longe de ser o autor de todo aquele show de horrores.

— Anda, escrivã! Eu não tenho o dia todo. - A loira soou hostil, deixando Verônica irritada.

A escrivã segurou o impulso de responder com a mesma aspereza, não era o melhor momento, mas o tom impiedoso de Anita não ia ser esquecido tão cedo. A cada ordem seca, a cada olhar duro, Verônica sentia-se cada vez mais empurrada para longe — não só no caso, mas em qualquer tentativa de ultrapassar as barreiras que Anita erguera entre elas. Era como se, em meio a todo aquele caos, a delegada estivesse tentando apagar qualquer traço de vulnerabilidade que já havia compartilhado com Verô.

Ricardo esperava, imóvel, olhos fixos nelas, um sorriso irônico nos lábios. Ele parecia estranhamente confortável, como se estar ali, sob suspeita, fosse um privilégio ao qual se apegava. Anita aproximou-se e, com um leve gesto, indicou que Verônica tomasse posição ao seu lado, mas a tensão no gesto era visível — um lembrete frio de que elas estavam ali pelo caso e nada mais. Verônica sentiu o amargor daquela distância crescer em seu peito.

— Vamos lá, eu vou perguntar de novo e dessa vez, quem sabe, você entende que eu não tô aqui pra brincadeira. — Ela se aproximou da mesa, quase invadindo o espaço dele, o olhar dela o perfurando. — Qual é a sua ligação com isso? E por favor, não me vem com enrolação, que eu não tenho paciência pra esses joguinhos, entendeu?

Ricardo, com um sorrisinho cínico, apenas olhou para ela, provocativo.

— Talvez eu goste de estar envolvido, delegada. É só isso. Nem tudo tem que ter motivo. Às vezes, é só pelo gosto de ver o caos.

Anita riu, mas sem humor algum.

— Você gosta de brincar, não gosta? Eu também gostaria se fosse você, um completo nada, um insignificante. Alguém que não serve nem pra cometer um crime, mas que tá adorando a idéia de ter tanta atenção pelo menos uma vez na vida. — Ela se virou para Verônica, buscando o olhar da escrivã por um segundo, os olhos verdes relampejando.

A delegada parecia estar em seu auge de brutalidade, cada palavra saindo como uma faca, sem deixar brechas. E isso não era só com Ricardo, era com todos ao redor, lá estava ela mais uma vez, a personificação do diabo.

Ricardo deu de ombros, com aquele sorriso detestável no rosto.

— Talvez eu não tenha nada pra esconder, delegada. Só estava... aproveitando a situação, sabe como é. Gosto da atenção, da emoção. Vocês tornam tudo tão... interessante.

Era como um ping-pong, quanto mais Anita o pressionava, mais relaxado ele parecia.

Anita ergueu uma sobrancelha, o olhar frio. Ela deixou o silêncio se estender, os olhos fixos nele como se o estivesse dessecando por dentro. Com um gesto quase indiferente, apoiou-se na cadeira, cruzando os braços.

CRAWLING - VeronitaOnde histórias criam vida. Descubra agora