Trinta e sete.

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O silêncio da noite cobria a casa de Ricardo como um véu sombrio, já estava tarde, e a vizinhança parecia congelada, quieta. Anita e Verônica se moviam em sincronia, as respirações controladas e os olhares atentos. Ricardo estava preso, mas a sensação de que ele ainda pairava sobre aquele espaço era opressora.

Ao entrarem, uma atmosfera sufocante envolveu as duas. A casa estava perfeitamente organizada, cada objeto parecia cuidadosamente posicionado, como se alguém tivesse preparado o cenário para uma visita. Algo parecia diferente, e isso causava certa inquietação nas duas mulheres, que olhavam tudo com uma atenção extrema. Nada podia passar despercebido, nada escapar.

- Isso não tá certo... - murmurou Verônica, observando a sala.

Anita, com um brilho de determinação no olhar, sinalizou para que Verônica a seguisse. Elas vasculharam os cômodos em silêncio, sem tirar nada do lugar. Até que uma porta trancada chamou sua atenção. Não constava nos relatórios nenhuma porta trancada e teria sido arrombada se fosse o caso, mas ela estava ali - um detalhe que parecia propositalmente deixado para trás.

- Não estava assim! - A loira sussurrou, com os olhos faiscando na mais pura obstinação.

Anita tentou a maçaneta mais uma vez, e nada. Sem hesitar, tirou do bolso um pequeno grampo do bolso de sua calça, fazendo Verônica encarar curiosa.

- O que... Que horas isso virou uma série policial? - O sarcasmos na voz de Verô preencheu o ambiente.

- Cala a boca, escrivã! - Anita ralhou, enquanto cutucava a fechadura, concentrada.

Usava luvas desse que saiu do carro, não queria contaminar nenhuma prova, mas desejou tirá-las naquele momento, o látex atrapalhava seu pequeno show.

- Que ideia... - Antes que pudesse terminar a frase, o barulho da fechadura sendo aberta foi ouvido.

- O que você ia falar, Torres? - Anita se virou, encarando os olhos escuros da parceira.

- Vem cá, aonde você aprendeu isso?

Anita tinha um sorriso fino nos lábios, presunçoso.

- Chega de papo, Verônica! - A loira desviou do assunto, levando a mão até a maçaneta.

Um arrepio percorreu o corpo da delegada, a intuição da mesma gritava, enquanto a maçaneta era girada para o lado, abrindo a porta.

O ar era denso, impregnado de um cheiro metálico. Cada passo parecia arrastá-las mais para dentro de um segredo sombrio. Verônica hesitou, mas Anita seguiu firme, até que a luz da lanterna da delegada revelou algo no chão.

Eram letras no chão, escritas em giz branco, sujando o piso de madeira escuro, ao redor de um objeto central: uma cadeira, com algemas ainda presas aos braços do móvel.

- Que porra é essa? - Verônica sussurrou, sentindo um calafrio percorrer sua espinha.

Anita se abaixou para inspecionar as algemas, e, percebendo o livro apoiado na cadeira, um exemplar em capa dura de "O colecionador". Anita segurou o livro entre as mãos, buscando qual seria o próximo elemento daquele espetáculo particular. E não tardou ao encontrar, abrindo o livro, seu olhar se fixou na na foto colada na primeira página, que revelava um detalhe terrivelmente pessoal: ela e Verônica em um momento de descuido, capturadas pelas lentes de alguém escondido, alguém que estava próximo. Seu coração acelerou. Ele não estava apenas se divertindo com o show, ele conhecia seus movimentos, estudava cada ação com uma precisão quase cirúrgica.

Verônica, ao ver a imagem, deu um passo para trás, o rosto pálido, como se o chão pudesse sumir sob seus pés. Anita engoliu em seco, controlando o ímpeto de estraçalhar a foto ali mesmo. A cada segundo, a realidade parecia mais sufocante.

CRAWLING - VeronitaOnde histórias criam vida. Descubra agora