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Mas ela me prende ao seu corpo, ela me abraça, entrelaça seus braços em volta do meu corpo como uma serpente abraça sua presa para matar sufocada.

Eu me canso de tentar sair do seu abraço da morte e como uma presa fraca por lutar pela vida por longo tempo, eu vou acalmando meu corpo que insistia em se debater em busca da libertação. Ela segura meu rosto com as duas mãos, ela reivindica a minha boca para um beijo sôfrego saindo dos nossos âmagos. Ela saboreia os meus lábios arrastando os seus com devoção nos meus, ela suga com lentidão o inferior e suspira penosa sem tirar seus lábios dos meus.

Abro meus olhos e os seus estão diferentes. Na imensidão do mar azul dos seus olhos parecem navegar medo, tristeza, confusão, apreensão e um pedido de socorro. Mas, também através de seus olhos eu me vejo gritando por socorro de quem quase está morrendo afogada nesse triste mar azul.

— Se permite me amar novamente. — Ela quebra o silêncio do grito do nosso olhar.

— Sem artimanhas e interesses eu fiz o meu papel, Miranda, e você não fez nada para merecer. — Minha voz é branda, é cansada de gritar. — Eu amei, e amo você, mas hoje eu vejo que é melhor assim.

Ela balança a cabeça em negação, ela me solta, afasta-se de mim lentamente. Mas ela não vai embora, ela vai até a janela que eu gosto tanto de ficar e olhar para céu, seja ele azul como os olhos dela, ou cinzento como o vazio que ela deixou o meu coração.

— Andreah, você é pobre, e eu sou milionária. — Ela me olha. — Eu sou milionária, porém, tenho uma condição que sempre foi escondida para debaixo do tapete da sociedade. — O mar azul parece querer transbordar para sua face. — Eu fui instruída pelos meus pais a nunca revelar a ninguém...

— Não vem com essa discursinho vitimista, Miranda, eu não caio mais nele e isso nunca foi problema entre nós. Então pare! — Eu corto sua fala. Ela eleva a mão pedindo para que eu me cale, eu reviro os olhos, mas se ela quer falar, é melhor eu deixar ela falar para ir embora logo.

— Eles me ensinaram que a sociedade não aceita e acolhe o diferente. Eu cresci ouvindo que nunca ninguém iria me amar além deles. Era a maneira que eles acharam que estavam me protegendo. — Ela suspira fechando os olhos. — Eu vi pessoas que nasceram normais serem apedrejadas só porque se vestiam como o sexo oposto ao que nasceram. Imagina como seria comigo com essa anomalia, com essa condição de difícil compreensão até para mim? Os meus pais estavam certos. Até você aparecer... você me seduziu, você me provocava, eu percebia os seus charmes, mas eu achava que acabaria se você descobrisse sobre minha condição, algo que jamais permitiria deixar você saber porque eu não queria perder aquilo, aquele seu charme em cima de mim, eu me contentava só com aquilo. E então você descobriu, e você pareceu não se importar. Mas você é pobre. Como não imaginar que com seu nível social, você não estaria interessada na minha vida financeira levando em consideração que eu me condicionei a acreditar que eu nunca ia ser amada de verdade? — Ela me olha e seu olhar parece tão confuso, tão indefeso e sem rumo. — E você alimentou o meu vazio, foi me olhando com desejo e esse olhar me deixava confusa. Como você poderia não se importar? Você foi quebrando paradigmas e me fazendo acreditar que eu poderia sim ser amada. Eu entrei em desespero, me sentindo entrando em uma armadilha, o mundo até antes de você me fazia ver que meus pais estavam certos. Eu entrei em desespero e fui me afastando de você porque eu me assustava. Você sempre tão intensa e crua nas suas falas, querendo tudo muito rápido. Olha para você. Como uma pessoa jovem e bonita, inteligente, astuta podendo ter alguém normal se apaixonaria por mim? Como acreditar nisso? Quando eu comecei a mostrar um falso interesse pela Elsa, era mais para comprovar que eu e meus pais estávamos certos, mas no meu intimo eu queria que você estivesse certa, porém, não foi assim. Nos beijamos sim naquele dia que você flagrou, e depois outras vezes, e quando eu contei a ela da minha condição, eu vi no olhar dela o espanto, mas não foi um espanto curioso igual ao seu, foi um curioso de repugnância, mas as palavras dela dizia outra coisa, e então eu pensei que eu estava tirando conclusões precipitadas, me sabotando, e então eu me forcei a acreditar que estava tudo bem como ela disse que estava comigo sendo diferente. Mas, quando fomos para cama, eu não consegui, ela não era você...ela

— Eu não quero saber do seu romance com ela, Miranda, você não ver que está me machucando? — A interrompo.

— Eu só queria que você conseguisse me entender. Você sempre pareceu conseguiu me ler. — Ela se levanta pegando sua bolsa.

É estranho o cenário, antes estava como um campo de guerra a todo vapor e agora parece que a guerra acabou e a única coisa que se escuta é o silêncio dos mortos. Eu sinto o meu coração apertar de uma maneira diferente. É uma dor estranha.

Ela aproxima de mim, eu dou dois passos para trás recusando a tentativa do seu contato.

— Obrigada por me ouvir. — Suas íris percorrem o meu ser confuso e dolorido.

Eu não consigo falar nada, apenas seguir petrificada ouvindo seus passos lentos e pesados irem para fora do meu apartamento.

RecônditoOnde histórias criam vida. Descubra agora