32

2.3K 275 79
                                    


O barulho da porta sendo fechada recupera o movimento do meu corpo que sucumbe ao chão me fazendo desmanchar em choro copioso. As falas dela ecoam na minha entranha como uma floresta de espinhos densos me machucando a cada passo que eu dou. Ela...ela é sádica, ela é cruel, como ela teve coragem de dizer na minha cara que beijou aquela modelo e que tinha em mente transar com ela por que quis? Como ela duvidou do meu amor, como ela teve audácia de me machucar assim a troco de nada?

Eu choro copiosamente deitada em posição fetal no chão da minha sala. Eu não consigo dizer se fiquei muito ou pouco tempo ali, apenas tempo suficiente para ter força e me levantar. Eu tento não pensar tanto nas suas falas, eu tento não tentar compreender o que ela quis me dizer, porque eu vou acabar buscando dentro de mim, justificava para cada ato que me machucou.

Eu não me deixo encontrar razões para as suas ações, ao invés disso, eu tento focar em me organizar para a entrevista de amanhã. É o meu futuro, é o outro lado da minha vida que também precisa de atenção. Então sem pressa eu começo a arrumar minhas coisas.

Mas eu sou fraca, e volta e meia eu me pego pensando nela. "Eu queria te amar", "O amor faz a gente ficar idiota", "Eu tive medo do poder que você tinha sobre mim", "Eu queria me manter fria", "Eles me ensinaram que a sociedade não ia me aceitar", "Ninguém iria me amar", "Você mudou meus paradigmas", "Você é pobre, como não seria por dinheiro?", "Eu mostrei falso interesse na Elsa para ter mostrar para mim, que meus pais estavam certos e você errada.", "você estava preenchendo o meu vazio", "Se permite me amar novamente.". Suas palavras gritam na minha psique castigando o eco das minhas emoções em busca dos por menores delas.

Eu balanço a cabeça em negação tentando fazer minha mente ficar silenciosa, mas ela não fica. Ela grita reproduzindo as falas da Miranda que já está tatuada em minha alma.

Eu não consigo me alimentar bem, eu não resisto e me sucumbo a sentir o sofrimento que sua visita me causou. Eu me afundo debaixo da minha coberta e doente de amor, me permito mais uma vez sentir os sintomas.

Acordo com o despertar do meu celular. Eu não me sinto animada, entusiasmada, eu me sinto cansada e triste. Mas, a vida de adulto me chama para cumprir as responsabilidades de uma jovem POBRE. Gorda e pobre garota tola.

Uma calça jeans, uma blusa gola alta preta e um casaco marrom me parecem aceitável para meu novo local de trabalho que não preciso mais me arrumar com glamour, afinal, o jornal sério onde eu pretendo trabalhar não exige um código de vestimenta chique e impecável.

Cedo e com calma saio de casa, ainda adormecida pela dor que castiga o meu coração tomo o meu caminho me sentindo alheia ao redor, apenas eu e minha mente que ainda grita a discussão que tive com ela. Eu tinha tanta coisa para falar, eu tinha tantas coisas para perguntar, eu tinha, e de repente me vem na mente respostas melhores que eu poderia dá ela, mas não fiz.

Meu coração tolo e sofrido palpita quando me dou conta que tenho que passar pela Sexta Avenida, eu mexo na minha franja em puro nervoso e alargo os meus passos. Eu tento me esconder entre as pessoas, eu tento não olhar para o outro lado da rua, para o prédio, mas não resisto, eu olho, ali está ela saindo do prédio, ela não me ver, ela parece apressada como sempre, ela parece tão bem, ela parece tão inabalável, nem parece que esteve na minha casa no dia anterior implorando por mim. Como ela consegue ser tão fingida?

Sacudo a minha a cabeça e caminho ligeiro antes que quem nem sequer me viu de alguma maneira me alcance. Eu sorrio aliviada com a sensação de que consegui chegar ao meu destino final salva.

A entrevista foi rápida, o meu chefe não parece autoritário e tampouco excêntrico, ele é gentil atencioso e engraçado. Bem, a primeira impressão que ele passou é a de que eu vou conseguir me dá bem sem ser criticada por não vestir um manequim 36. Isso é bom!

Algo bom entre a névoa trevosa que passa a minha vida. Eu sigo de volta para casa, cansada de algo que foi tão simples. Eu começo a trabalhar amanhã, isso me faz distrair um pouco, eu começo a planejar os futuros temas de artigos que pretendo escrever. Eu consigo ter um dia mais normal, entretanto, sigo com minha mente engrenada no desabafo da minha Miranda, alguns por menores são encontrados dentro de suas falas por mim.

Eu me sinto mais animada, também com menos ódio dentro do meu coração, hoje já é sexta-feira, e talvez eu só precisasse ocupar a minha mente com o trabalho para me sentir mais viva. Eu confesso que me sinto balançada com umas coisas que vem acontecendo, ou melhor, com algumas mensagens que venho recebendo da Miranda, são mensagens do tipo: "Sinto falta da sua doçura.", "Eu amo você.", "Depois das minhas filhas, você foi a melhor coisa que me aconteceu." Entre muitas outras declarações de amor e pedido de mais um chance.

Eu não respondo nenhuma, e apago para tentar não ficar relendo e correr o risco de respondê-la, mas eu tenho boa memória e elas ficam se repetindo na minha mente. Eu me sinto confusa, eu me sinto tentada a ouvi-la mais uma vez, talvez agora com outro olhar, sem o ódio de achar que ela transou com a Elsa. Principalmente depois de conseguir interpretar seu desabafo, mas eu tenho medo... Eu sigo passando pelo prédio dela quase como uma fugitiva. E quase sempre eu a vejo, eu sinto saudade de nós, mesmo que seja melhor assim, esse melhor assim já não me parece tão certo dentro de mim.

Eu suspiro guardando minhas coisas, hoje eu precisei ficar até mais tarde para concluir um artigo. Sigo para fora do prédio, sentindo o frio do entardecer. Eu chego à Sexta Avenida, mas diferente das outras vezes, eu não acelero os passos, eu diminuo e olho nostálgica.

Meus olhos curiosos se prendem ao prédio dela, eu paro, cogito em ir até lá, eu vejo o carro do Roy parando e ele saindo, isso significa que a Miranda está saindo.

Mas, meus olhos se arregalam quando eu a vejo passando pela porta com a Elsa eu seu lado. Eu sinto minha boca abrir-se desacreditada, eu sinto meus olhos começarem a lacrimejar, meu estômago sente o flagelo que ver aquilo me causa. A loira sorrir e entra primeiro no carro, Miranda movimenta a cabeça como quem quer que a franja volte para o lugar certo, e então seus olhos encontram os meus. Nos encaramos eu não sei exatamente há quanto tempo.

RecônditoOnde histórias criam vida. Descubra agora