Prólogo

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[AUTORA]

O som festivo da banda ecoava pela praça central, onde as cores vibrantes das barracas, os risos das crianças e o cheiro doce das guloseimas misturavam-se no ar. Era o aniversário da cidade, e tudo parecia um convite para a alegria. As pessoas se amontoavam ao redor dos artistas, crianças corriam pelos bancos, e balões coloridos se perdiam no céu alaranjado pelo fim da tarde. Para muitos, aquele era o ponto alto do ano, ainda mais numa cidade tão pequena.

Angelina segurava a mão de seu irmãozinho, Antônio, um garoto de apenas seis, cujo olhar brilhava com o entusiasmo da festa. Ele puxava a irmã de um lado para o outro, fascinado por tudo à sua volta. Mas Angelina, mesmo tentando sorrir e acompanhar o entusiasmo dele, sentia o peso da realidade nos ombros.

Eles mal tinham dinheiro para comer em casa. Qualquer gasto extra era um luxo que não podiam se dar. E Antônio, apesar da idade, parecia entender isso. Ele era um menino doce e compreensivo, e embora os olhos dele fossem atraídos por cada barraca de doces ou brinquedo que passavam, raramente pedia alguma coisa. Raramente, mas não sempre.

— Mana, compra uma pipoca? — pediu ele, com a voz suave, os olhinhos grandes fixos no vendedor à frente.

Angelina franziu a testa, sentindo um aperto no peito. Sabia que ele estava sendo contido, esperando o momento certo para pedir. E agora, ali, com o cheiro da pipoca doce pairando no ar, ela sabia que não poderia oferecer a ele nem aquilo. Seu coração se partia toda vez que precisava dizer não.

— Antônio... — disse ela, com a voz mais suave que pôde, agachando-se para ficar na altura dele. — Não tenho dinheiro hoje, amor. Desculpa a mana.

O rosto do menino murchou, mas, como sempre, ele aceitou sem reclamar. Baixou a cabeça, chutando levemente o chão com a ponta do sapato gasto.

— Tá bom, mana. — respondeu, com a voz pequena, antes de puxar levemente sua mão para seguir em frente.

Angelina suspirou e se levantou, olhando ao redor, tentando focar em qualquer coisa que a distraísse da culpa que sentia. Eles continuaram andando pela praça, mas a atmosfera festiva parecia cada vez mais distante dela. Seus pensamentos estavam longe, presos nas preocupações diárias: o trabalho duro, a falta de recursos, a incerteza sobre o futuro. Ela tentava se concentrar na festa, nas luzes, no sorriso de outras crianças, mas não conseguia afastar o nó que se formava em sua garganta.

Foi quando sentiu um olhar fixo em si. Sem saber por que, virou a cabeça e o viu.

Ele estava parado do outro lado da praça, parcialmente envolto pelas sombras projetadas pelas luzes da festa. Alto, com postura imponente e um olhar penetrante, Raul Duarte Faria era impossível de ignorar. Mesmo à distância, Angelina sentiu o impacto de sua presença. Ele não sorriu, não fez nenhum movimento. Apenas a observava, seus olhos escuros fixos nela como se fosse o único ponto de interesse em toda aquela multidão.

Angelina franziu a testa. Ela tinha ouvido falar dele. Quem na cidade não conhecia o "Barão de Campo Lindo"? As histórias sobre ele corriam pelos cantos. Diziam que ele era um homem frio, que não hesitava em fazer o que fosse necessário para manter seu poder e controle. Muitos sussurravam que ele não tinha piedade, que ninguém o contrariava sem pagar o preço.

Ela nunca o tinha visto de perto antes. Apenas rumores, histórias espalhadas por aqueles que trabalhavam nas redondezas. Angelina sempre acreditou que, se todos o temiam, havia um bom motivo para isso. E agora, ao ser encarada por aqueles olhos afiados, ela entendia um pouco do porquê.

Tentando ignorar o desconforto que se espalhava por seu corpo, ela desviou o olhar e voltou sua atenção para Antônio. Ele ainda olhava para a barraca de pipoca com uma tristeza discreta no rosto. Ela suspirou, decidida a seguir em frente e não pensar mais naquele homem.

Mas antes que pudesse dar mais um passo, o vendedor de pipoca parou diante deles, segurando um saco grande e estufado com o lanche quentinho.

— Vai uma pipoca para o garotinho? — perguntou ele, com um sorriso.

Antônio olhou para a irmã, seus olhos ainda mais esperançosos, mas Angelina apenas balançou a cabeça, embaraçada.

— Não, obrigada. — respondeu, sem graça. — Não podemos.

O sorriso do vendedor sumiu por um momento, mas ele entendeu e se afastou. Antônio baixou a cabeça, resignado, e segurou firme a mão da irmã.

Do outro lado da rua, Raul continuava a observá-los. Angelina não tinha notado, mas ele não tinha tirado os olhos dela nem por um segundo. Havia algo nela, algo que o intrigava. Não era apenas sua beleza — embora seus longos cabelos castanhos e sua pele suave fossem encantadores. Era sua doçura, sua maneira de ser, a gentileza em cada movimento. Ela exalava uma simplicidade que o atraía de uma maneira que ele não conseguia explicar.

Raul se sentia um canalha. Desde que seus olhos pousaram em Angelina pela primeira vez, ele não conseguia mais pensar em outra coisa. Tinha visto a garota de longe, caminhando pelos vastos campos entre as fazendas, o sol iluminando os cabelos longos e castanhos que balançavam suavemente ao vento.

Era para ser uma cena comum, como tantas outras que ele já testemunhara nas terras que rondava. Mas havia algo nela. Desde aquele dia, Raul sentiu uma necessidade quase irracional de saber mais sobre a garota. Quem era ela? De onde vinha? Com quem vivia? Ele queria entender o que havia por trás daquela expressão doce, por trás dos olhos grandes e tristes.

Foi então que ele começou a investigar. Discretamente, mandou seus homens recolherem informações. Ele sabia que era errado. Sentia-se um canalha por isso. Nunca havia precisado se rebaixar a esse ponto por mulher nenhuma. Sempre teve o que quis, quando quis, sem fazer esforço. No entanto, com Angelina, era diferente.

E hoje, ao vê-la com o irmãozinho, a expressão triste em seu rosto ao negar o simples pedido de uma pipoca, Raul sentiu algo que não sentia há muito tempo: raiva. Raiva pelo fato de que alguém como ela vivia em tanta privação. Ele sabia da situação dela e de sua família. Viviam na fazenda de Rogério Fontes, um homem mesquinho que pagava mal e tratava seus funcionários como escravos. Angelina e sua família viviam na miséria, e aquilo o enfurecia.

Mas, mais do que a raiva, Raul sentia outra coisa. Ele a queria. Queria Angelina para si. Queria tirá-la daquele lugar, daquela vida de miséria e dificuldade. Ele queria vê-la usando as melhores roupas, calçando os sapatos mais finos. Queria que ela nunca mais tivesse que negar um pedido simples ao irmão, como aquele que acabara de acontecer.

Raul aproximou-se lentamente do vendedor de pipoca, e tirou algumas moedas do bolso. Entregou ao homem sem dizer uma palavra, apenas apontando discretamente para Angelina e Antônio, que já estavam um pouco à frente, ainda observando a festa.

— Dê ao garoto. — disse ele, sua voz baixa e controlada, antes de se afastar, os olhos ainda fixos na figura de Angelina.

Ele queria ser o homem que a salvaria daquele inferno em que vivia. Não era apenas altruísmo o que movia seus pensamentos. Raul sabia que, por trás de cada gesto ou decisão que tomava, havia um desejo egoísta de tê-la ao seu lado. Ele não queria apenas libertá-la das garras da pobreza. Queria vê-la em seus braços, queria que ela dependesse dele, que o visse como o salvador que ele estava disposto a ser. O pensamento o consumia dia e noite, e, por mais que tentasse afastá-lo, a imagem dela se tornava cada vez mais forte em sua mente.

E no fundo, ele sabia que não pararia até tê-la. Não importava o que precisasse fazer para isso.

Comprada pelo Fazendeiro Milionário [Paixões Rurais - Vol.1]Onde histórias criam vida. Descubra agora