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RAUL

Sentado naquela sala fria e mal iluminada, senti um peso esmagador sobre meus ombros. As paredes de concreto, pintadas de um branco desgastado, pareciam me cercar como se estivessem prontas para se fechar sobre mim. O delegado me observava com olhos calculistas, como se estivesse tentando decifrar cada pensamento que passava pela minha mente.

Minha mente, por outro lado, estava em constante tumulto. A imagem de Angelina, deitada na cama, ainda assombrava meus pensamentos. A forma como ela me olhou enquanto o policial insistia que eu o acompanhasse até aqui, era algo que eu nunca iria esquecer. Tudo que eu queria era voltar para o lado dela, para protegê-la e dizer várias e várias vezes em seu ouvido que tudo ficaria bem a partir de agora.

— Senhor Duarte Faria... — começou o delegado, sua voz grave, enquanto ajustava os óculos e folheava os papéis à sua frente. — Antes de mais nada, quero que saiba que estamos aqui para esclarecer os fatos. Não estamos fazendo nenhuma acusação, e tudo o que disser será levado em consideração. Portanto, peço que mantenha a calma e nos conte exatamente o que aconteceu.

Respirei fundo. Eu precisava ser claro e direto, contar a verdade e confiar que a justiça prevaleceria. As memórias daquele confronto voltaram com uma força avassaladora.

— Tudo começou quando eu estava em casa com Matilde, a empregada. Minha esposa havia saído com a mãe dela para uma consulta médica. — comecei, tentando manter a voz firme. — Eu estava em meu escritório, até que ouvi um barulho vindo da porta da frente. Antes que eu pudesse reagir, Mário e Teresa já estavam dentro da minha casa. Eles estavam armados.

O delegado assentiu, me incentivando a continuar. Seu olhar era atento, mas impassível, como se estivesse acostumado a ouvir histórias como a minha todos os dias. Mas para mim, esta era a única história que importava.

— Eles nos fizeram reféns. — continuei, a raiva começando a crescer dentro de mim à medida que as palavras saíam. — Ficamos à mercê deles. Não havia como negociar, não havia como argumentar. Tudo o que eu podia fazer era tentar manter todos calmos e rezar para que isso terminasse sem derramamento de sangue.

Enquanto falava, a imagem de Teresa atingindo Angelina atravessou minha mente como um raio. Meu corpo inteiro se tensionou ao lembrar da dor e do medo que vi nos olhos de minha esposa.

— Quando Teresa atacou Angelina, perdi completamente a cabeça. — admiti.— Eu sabia que eles estavam desesperados, que não tinham mais nada a perder, e temia pela vida de todos ali. Minha esposa estava baleada e eu não sabia se conseguiria chamar socorro a tempo, e não podia arriscar perder mais ninguém.

O delegado continuava em silêncio, mas percebi uma leve mudança em sua expressão, como se começasse a compreender a gravidade da situação. Ele não interrompeu, e eu continuei, sabendo que precisava esclarecer cada detalhe.

— Peguei a arma que estava mais próxima e apontei para Mário. — confessei, meu coração batendo com força ao reviver o momento. — Disse para ele soltar a arma, mas ele não ouviu. Ele fez menção de atirar, e naquele instante... naquele maldito instante, eu soube que não tinha outra escolha. Tive que me defender, tive que proteger minha esposa, meu filho, Matilde... a vida de todos naquela casa estava em jogo.

O delegado finalmente ergueu o olhar dos papéis e me encarou, seus olhos cheios de uma compreensão sombria.

— Entendo, senhor. — disse ele, sua voz mais suave do que antes. — O senhor acredita que agiu em legítima defesa, e sua história parece consistente com o que já ouvimos.

— "Com o que já ouviram"? — perguntei, a confusão tingindo meu tom. — O que quer dizer com isso?

Ele se inclinou para frente, entrelaçando os dedos sobre a mesa à sua frente.

— A mulher que está presa, Teresa, confirmou essa mesma história. — explicou ele, seus olhos fixos nos meus. — Ela confessou que tudo foi um plano dela e do sobrinho, com a ajuda de um terceiro, um fazendeiro.

Meus olhos se arregalaram, a surpresa varrendo meus pensamentos como uma tempestade repentina. Teresa... confessou? Ela realmente admitiu o que havia feito? E mais ainda, havia mais alguém envolvido?

— Um fazendeiro? — repeti, tentando entender o que ele estava insinuando. — Quem? Quem teria ajudado Teresa e Mário?

O delegado hesitou, e eu soube que a resposta que ele estava prestes a dar não seria algo que eu gostaria de ouvir.

— Teresa acusa Rogério Fontes de fornecer as armas que foram usadas no crime. — revelou ele, suas palavras caindo sobre mim como um golpe.

Rogério Fontes. O nome ecoou em minha mente, se misturando com a raiva que já fervilhava em meu sangue. Rogério, o maldito homem que sempre teve um rancor inexplicável contra mim, que não hesitaria em destruir minha vida se tivesse a chance. E agora, aqui estava ele, envolvido em algo que quase custou a vida de minha esposa e do meu filho.

Minha respiração ficou mais pesada, os punhos cerrados com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.

— Rogério... — murmurei, minha voz quase inaudível. — Ele fez parte disso... ele tentou... ele quase matou...

— Preciso que você fique calmo. — interrompeu o delegado. — Eu entendo que essa informação é difícil de processar, mas precisamos deixar tudo isso nas mãos da polícia. Já estamos investigando Rogério Fontes e sua conexão com esse crime. Sua colaboração e depoimento são essenciais, mas não faça nada que possa comprometer o andamento das investigações.

Eu queria responder, queria dizer que confiava na polícia, mas naquele momento, minha mente estava um caos de pensamentos e emoções conflitantes. A única coisa que me segurava à realidade era a promessa que eu havia feito a Angelina de que ficaria ao seu lado, de que protegeria nossa família a qualquer custo. Eu precisava manter a calma, precisava me concentrar no que era mais importante, minha mulher e o nosso bebê.

— Eu vou cooperar. — disse finalmente, minha voz mais controlada. — Mas vou deixar claro, delegado, que não vou descansar até que justiça seja feita. Não vou permitir que esse homem continue a ameaçar minha família.

O delegado assentiu, compreendendo a gravidade de minhas palavras.

— Isso é tudo o que posso pedir, senhor. Nos deixe cuidar de Rogério Fontes, pois o levaremos a justiça.

O restante da conversa foi preenchido por formalidades e anotações, mas minha mente estava longe dali. Eu precisava voltar para o hospital, precisava estar com Angelina, garantir que ela estivesse segura e que nada mais a ameaçasse. Quando finalmente fui liberado, saí da delegacia com uma única coisa em mente: proteger minha família, não importa o que custasse.

Ao chegar ao hospital, caminhei rapidamente pelos corredores, ignorando o olhar curioso dos enfermeiros e dos visitantes. Finalmente, encontrei o quarto de Angelina. A porta estava entreaberta, e ao entrar, vi minha esposa sentada na cama, sua mãe ao seu lado. Assim que me viu, Angelina levantou os braços, um sorriso fraco aparecendo em seu rosto cansado.

Corri para ela e quando cheguei ao seu lado, a abracei com força, sentindo o calor de seu corpo e o cheiro familiar que sempre me confortava.

— Eu disse que voltaria, meu amor. — murmurei em seu ouvido, minhas mãos acariciando suas costas com ternura. — Eu prometi que voltaria para você.

Angelina me abraçou de volta, suas mãos me envolvendo com uma força surpreendente, considerando o quão fraca ela parecia.

— Eu sabia que você voltaria para nós, Raul. — sussurrou ela.

Comprada pelo Fazendeiro Milionário [Paixões Rurais - Vol.1]Onde histórias criam vida. Descubra agora