O cheiro do café vindo da cozinha, o cheiro do ovo sendo frito, o cheiro da tintura nova vindo da sala, o cheiro do novo shampoo de cabelo da mamãe... Eu conseguia sentir os cheiros que invadiam minha casa quando eu tinha nove anos.
De repente as cores vieram, as paredes vermelhas da sala com quadros pretos e cinzas e várias flores vermelhas e azuis que deixavam o ambiente mais feliz.
Ao descer as escadas eu me perguntava aonde eu estava, as coisas eram muito bonitas e sofisticadas, diferentes das minhas coisas, das coisas da minha casa na fazenda.
Uma mulher de cabelos ruivos e olhos azuis apareceu e olhou para a escada, perguntei-me se ela havia me visto. Ficamos se encarando por um longo tempo, mas ela não olhava para mim e sim para a menina parada na escada atrás de mim.
Nem percebi que a menina estava atrás de mim, nem a senti, me afastei para vê-lá e percebi que a garota era eu. Meus cabelos ruivos estavam presos em um coque bem arrumado e eu usava um short preto, uma camisa branca e um casaco marrom, estava segurando um caderno e uma caixa de lápis de cor.
A mulher ficou olhando para a menina como se a conhecesse, elas eram bem parecidas, talvez a tal mulher estivesse apenas enganada, pensei que ela fosse dizer alguma coisa, mas ela retornou para a cozinha.
Eu a segui.
- De onde é essa menina? - Perguntou a tal mulher á minha mãe, que estava lavando a louça.
Minha mãe trabalhava em casa de família e eu ia com ela, as vezes. Desci as escadas e observei a menininha sair pela porta da frente e então eu fui para a cozinha. O cheiro do café estava por toda parte e me acalmava um pouco.
- É minha filha, majestade. - Diz minha mãe e larga a esponja e passa a encarar a tal mulher. - Perdoe-me, eu não tenho onde deixa-lá enquanto não está na escola.
Essa mulher é a rainha? Ela é bonita, mas parece ser muito rígida.
- Tudo bem, mas... É que... Ela se parece muito com a... - Ela parecia muito desconcertada.
A rainha se sentou a mesa e ajeitou a saia do vestido que estava bem bagunçada, e abaixou a cabeça em sinal de desolação. Senti pena daquela mulher, algo me dizia que ela iria ser feliz algum dia, mas ela sofria tanto que era de dar dó. Será que aquela mulher ainda sofria?
Eu nunca conheci a rainha, apenas neste dia que ela me olhou, mas nenhuma palavra foi trocada.
- Desculpe. - A mulher balbuciava.
Minha mãe enxugou as mãos e abraçou de leve a tal rainha.
- É... Um dia ainda vão encontra-lá, tenha fé.
Apesar das palavras de minha mãe serem sinceras, a sua expressão facial não era. Estava carrancuda e obviamente assustada, seu rosto estava pálido e ela falava com dificuldade.
****************
A dor foi a primeira a aparecer, depois as cores e o vento. Não conseguia sentir minhas pernas e parecia estar em estado de coma, o frio em minhas costas, o chão duro. Eu estava presa em uma maca.
O quarto era escuro e úmido, com apenas um olho bom eu conseguia ver - mais ou menos - as coisas, vários objetos de suturução, seringas, remédios, facas e objetos cirúrgicos.
Oh meu Deus! O que irão fazer comigo?Eu estava grogue e um pouco tonta, minha cabeça rodava e lateja. A dor era excruciante. Porque Deus não me levou logo? Porque eu tenho que sofrer tanto?
Deus, eu lhe entrego meu corpo e minha alma, faça bom proveito. Me tire daqui!!
Eu chorava em silencio e aí as luzes foram se apagando e as cores sumindo, me sentia leve e a escuridão me envolveu novamente.
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A Herdeira Perdida
DragosteA vida de Catherine Alonzo muda no dia em que matam sua mãe e fica entre a vida e a morte. Jogada no deserto sem ajuda alguma ela tenta sobreviver e com a ajuda de um homem ela consegue chegar a cidade e percebe que é a herdeira de uma fortuna que...