Capitulo 2

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Nathan

Tem uma mão perto do meu pau que não é minha.
Ela está dormindo pesado, roncando alto, com a mão ao redor da minha
cintura por debaixo da minha cueca. Eu lentamente tiro a mão e a examino
— unhas postiças longas, anéis da Cartier e um Rolex no pulso fino.
Quem é essa mulher, caralho?
Mesmo depois de uma noite de sabe-se-lá-o-quê, ela ainda tem cheiro de
gente rica, e mechas de cabelo loiro caem no meu ombro enquanto ela
dorme ao meu lado.
Eu não deveria ter ido para a festa ontem, mas Benji Harding e o resto do
caras do time de basquete são uns filhos da puta convincentes. Por mais que
eu ame dar festas, nada é melhor do que sair e voltar para uma casa
tranquila, sem bagunça ou gente estranha.
A menos que seja esse tipo de bagunça. O tipo em que uma mulher acaba
na sua cama e que você nem lembra quem ela é.
O senso comum faz eu querer me virar e ver, mas outra parte de mim,
aquela que nos ajuda a recordar de todas as situações idiotas em que nos
metemos, me lembra de que o Nate bêbado é um babaca.
Essa parte do meu cérebro se preocupa que essa vá ser a irmã de alguém,
ou pior: a mãe de alguém.
— Dá pra parar de se mexer? — a convidada secreta fala. — Qual é o
problema de vocês, atletas, com acordar cedo?
Essa voz. É uma voz que eu não queria reconhecer.
Cacete.
Eu me viro lentamente para confirmar meu pior pesadelo: que eu dormi
com Kitty Vincent.
E foi isso mesmo.
Ela parece tranquila quando está tentando dormir; seus traços são
delicados e gentis, os lábios vermelhos e franzidos. A julgar pela aparência
gentil agora, ninguém diria que ela é uma grandecíssima va…
— Por que está me encarando, Nate? — Seus olhos se abrem, e ela me
desintegra com um olhar, como o dragão maligno que é.
Kitty Vincent é a personificação de todas as meninas ricas e mimadas e
bancadas pelos pais, uma subespécie de mulheres na UCMH que conheço
muito bem. Uma expertise que ganhei transando com praticamente todas.
Menos com essa aqui.
Eu jamais deveria ter transado com essa.
Não tem nada de errado com a aparência dela. Pra ser sincero, ela é gata
pra cacete. O problema é que ela é uma pessoa terrível.
— Você tá bem? — pergunto. — Precisa de algo?
— Eu preciso que você pare de me encarar como se nunca tivesse visto
uma mulher pelada na sua cama — ela responde, pressionando o corpo
contra a cabeceira. — Nós dois sabemos que não é o caso, e está me
assustando.
— Tô em choque, Kit. Eu, hum, não lembro como isso aconteceu…
Eu me lembro de estar na festa e tentar convencer Summer Castillo-West
a me dar o número dela, e ser rejeitado pelo quarto ano seguido. Também
me lembro de jogar beer pong com Danny Adeleke e perder, algo que eu
gostaria de ter esquecido, mas não consigo lembrar como isso aqui
aconteceu.
— Merda. Espera, você não tá namorando com o Danny?
Ela revira os olhos azuis, estica o braço para pegar a bolsa na mesinha ao
lado da cama, e xinga quando vê que o celular está sem bateria. Depois de
tirar o cabelo do rosto, ela finalmente olha para mim, e nunca vi uma
mulher tão irritada com a minha existência.
— Nós terminamos.
— Ah, é. Verdade. Que merda, sinto muito. O que aconteceu?
Estou tentando ser educado, ser um bom anfitrião até, mas ela ergue uma
das sobrancelhas bem desenhadas para mim e faz uma careta.
— Por que você se importa?
Eu passo a mão pela mandíbula, nervoso, enquanto tento pensar em uma
resposta. Ela tem razão: eu não me importo. Só odeio traição e entrei em
pânico, mas já que eles terminaram, não tenho com o que me preocupar.
— Só estava tentando ser legal.
Ela me dá o sorriso mais falso que já vi, joga as pernas para fora da cama,
e atravessa o meu quarto pelada. É difícil me concentrar no quanto ela é
bonita porque me lança um olhar frio por cima do ombro que parece querer
me desintegrar.
— Se quer ser legal, pede um Uber pra mim.
Graças a Deus.
— Claro.
— Uber Black, Nate. Já é ruim o bastante ser vista saindo daqui. Não me
faça sofrer mais sendo mão de vaca.
Quando ela fecha a porta do banheiro e ouço o chuveiro ligar, sei que é
seguro gritar no meu travesseiro todos os palavrões que conheço.
Estou na porta da frente observando Kitty entrar no Uber dela; Black, é
claro, para evitar mais vergonha.
Passando a mão pelo cabelo, não consigo entender como acabei aqui
depois de prometer a mim mesmo que este ano seria diferente.
Eu me lembro bem de dizer para Robbie, meu melhor amigo, na volta do
Colorado, que o último ano de faculdade seria diferente. Eu devo ter dito
isso umas vinte vezes durante a viagem de dois dias movida à cafeína.
Durou três semanas.
Eu saio do meu transe de autopiedade ao ouvir vozes atrás de mim.
Robbie e meus outros colegas de quarto, JJ e Henry, estão sentados na sala
de estar, bebendo café como se estivessem em um programa de TV matinal.
— Ora, ora, ora — Robbie diz com um tom malicioso — O que
aconteceu aqui, sua putinha?
Robbie me aterroriza desde os cinco anos. O pai dele, que mesmo depois
de dezesseis anos eu ainda chamo de sr. H, foi o técnico do nosso time de
hóquei da cidade em Eagle County, onde crescemos. Foi lá que nos
conhecemos e ficamos amigos, e Robbie não me deixa em paz desde então.
Eu o ignoro e passo direto pelos olhares curiosos em direção à cozinha,
me sirvo de uma xícara de café e ergo o dedo do meio para ele em vez de
responder.
Enquanto bebo o café o mais rápido possível, ainda sinto os olhares deles
em mim. Essa é a pior parte de morar com seu time: não existem segredos.
JJ, Robbie e eu somos veteranos e moramos juntos desde o dormitório
compartilhado no primeiro ano, mas Henry está no seu segundo ano no
time.
Ele é um jogador incrível, mas ainda tem que aprender a lidar melhor
com a pressão social de estar em um time. Ele odiava morar nos dormitórios
e tinha dificuldades para fazer amigos fora do time, então oferecemos uma
vaga para ele vir morar com a gente.
Sempre tivemos um quarto extra, porque nossa garagem foi convertida
em um quarto acessível para cadeirantes para acomodar Robbie, e Henry
ficou mais do que feliz com o convite.
Mesmo fazendo apenas três semanas desde que se mudou, já percebemos
que ele está mais confiante — deve ser por isso que ele não tem mais
nenhum pudor em se juntar a Robbie e JJ para zoar comigo.
— Por que você transou com Kitty Vincent? — pergunta Henry antes de
tomar um gole de café. — Ela não é muito legal.
Ah, sim, o cara também não tem filtro.
— Vou fingir que não fiz isso, cara. Ela também não estava muito feliz, e
eu não me lembro de nada, então essa não conta. — Dou de ombros, ando
até a sala de estar e me jogo numa poltrona. — Porra, como vocês deixaram
isso acontecer?
Estou velho demais para jogar a culpa dos meus próprios erros nos
outros? Sim. Isso vai me impedir de tentar? Não.
— Eu tentei te impedir, irmão — JJ mente descaradamente, levantando as
mãos. — Você disse que ela tinha um cheiro bom e a bunda dela era boa de
apertar. Quem sou eu para atrapalhar o amor verdadeiro?
Eu resmungo alto, fazendo minha própria cabeça doer com o barulho. Se
Jaiden diz que tentou me impedir, quer dizer que ele mesmo pediu o Uber e
me colocou lá dentro com Kitty.
JJ é filho único, vindo de uma cidade no meio do nada no Nebraska,
então zoar com as pessoas ao redor era o único entretenimento que ele tinha
quando criança.
Os pais dele sempre vêm visitar o filho em junho, para a parada do
Orgulho LGBTQIA+ de Los Angeles, usando com orgulho os broches com a
bandeira pansexual. O tempo que já passaram com a gente me permitiu
conhecê-los bem, por isso sei que JJ é igualzinho ao pai, o que me faz
questionar como a mãe dele conseguiu viver com dois deles em casa.
A sra. Johal é uma mulher maravilhosa e uma santa. Ela sempre enche
nossa geladeira de diferentes tipos de curry e comidas antes de irem embora,
e tem um gosto impecável para filmes de terror — talvez seja por isso que eu
goste tanto dela.
Ela deve ser o único motivo para eu não ter assassinado Jaiden até agora.
Robbie manobra até ficar ao meu lado e joga o braço sobre meus ombros
como se estivesse me confortando.
— O seu foco nos estudos e no hóquei durou mais do que o esperado.
Agora, se recomponha. Tem que nos dar carona pra aula.
Eu não fazia ideia do que queria estudar quando fui aceito na Maple Hills.
Vou me formar em menos de um ano e ainda não tenho certeza de que
estudar medicina do esporte foi a escolha certa.
Fui recrutado pelo Vancouver Vipers quando terminei o ensino médio, e
foi uma escolha difícil priorizar minha educação, especialmente porque
entrar na NHL, a liga esportiva de hóquei, é meu sonho desde pequeno. Eu
sempre quis jogar, mas sei que qualquer coisa pode acontecer neste mundo.
Um machucado ou um acidente inevitável, e sua carreira já era.
Mesmo com a vaga no time dos meus sonhos me esperando assim que eu
me formar, ainda assim, gostaria que alguma coisa que aprendi nos últimos
três anos ficasse retida no meu cérebro, para que meu plano B servisse de
alguma coisa.
Meu pai não gostou da ideia de eu fazer faculdade em outro estado,
muito menos de entrar em um time de hóquei, ainda mais um do Canadá.
Ele queria que eu aprendesse sobre o negócio da família e tocasse o resort de
esqui até ficar velho, que nem ele. A possibilidade de me tornar o meu pai
sempre foi o suficiente para me motivar a me organizar e correr atrás das
minhas metas.
Eu entenderia melhor sobre estruturas celulares se não estivesse exausto
dos treinos, sem falar no trabalho constante que é manter meus colegas de
equipe longe de confusão. Quando Greg Lewinski se formou ano passado e
passou o posto de capitão para mim, não me avisou do quanto eu teria que
agir como babá para ter certeza de que o time estaria pronto para jogar.
Robbie me ajuda, já que é assistente do treinador Faulkner. Depois do
acidente de esqui no ensino médio, Robbie não recuperou os movimentos
das pernas e agora usa uma cadeira de rodas. Ele transferiu seu talento em
me xingar no gelo para o de me xingar da arquibancada.
Ele ama balançar a sua prancheta gigante para chamar minha atenção e
me dizer para jogar melhor. Os caras do time adoram que eu seja o foco das
broncas de Robbie, porque isso dá um respiro para eles.
O exemplo perfeito disso é um dia como hoje. Nas sextas-feiras, JJ e eu
temos aula no prédio de ciências, então temos a tradição de nos arrastar até
o rinque para praticar depois de passar no Dunkin’ Donuts para pegar um
lanche pré-treino.
É nosso segredo, mas JJ sabe que, se formos pegos, eu vou levar a culpa
de qualquer forma, então ele não se importa em correr o risco. A última aula
do dia às sextas-feiras é a coisa que menos gosto na vida, então não me
importo também.
Estou rolando meu feed no celular, esperando JJ do lado de fora do
laboratório, quando ouço a sua voz empolgada ficar cada vez mais alta
enquanto se aproxima.
— Pronto para acabar com essa ressaca?
— Nada que um donut de granulado colorido não resolva. Suar o álcool é
bom, de qualquer forma. Vai me deixar zerado para hoje à noite.
Ele franze o cenho.
— Do que você tá falando? Não viu o grupo?
A última coisa que vi foi Robbie decidindo que íamos dar uma festa hoje.
Nosso primeiro jogo é apenas daqui a duas semanas, e é uma tradição nossa
começar a temporada com uma festa, ou cinco.
Assim que pego o celular, vejo as mensagens não lidas.
MARIAS PATINS
BOBBY HUGHES
Acho que vou morrer.
KRIS HUDSON
Vai com Deus, irmão.
ROBBIE HAMLET
Resenha lá em casa hoje?
BOBBY HUGHES
Como diria Michael Scott, estou pronto para ser
machucado de novo.
JOE CARTER
Vou levar o tabuleiro de Roleta-Russa de Tequila.
HENRY TURNER
Chegou e-mail do Faulkner pra irmos pra sala de
troféus, não pro rinque.
JAIDEN JOHAL
Quê?
HENRY TURNER
Enviado uma hora atrás.
A sala de troféus é um espaço multiuso na parte central do pavilhão de
esportes. A maioria de nós não passa muito tempo lá, a menos que nós
estejamos encrencados: é o lugar no qual os treinadores trabalham fora do
horário dos treinos e jogos. É onde acontecem cerimônias no final do ano.
Se estamos sendo chamados para lá, é porque alguém fez uma merda das
grandes, e espero que não tenha sido eu.
— Não sei o que tá rolando — diz JJ quando entramos no meu carro. —
Sabe o Josh Mooney, o cara do time de beisebol da minha sala? Ele disse que
o treino deles foi cancelado também. Eles têm que ir pra sala de troféus, mas
foram trinta minutos antes de nós. Estranho pra porra.
É a terceira semana de aula, não deve ser grande coisa. nada, é um gatilho para meu instinto de lutar ou correr. Mas o meu time
precisa de mim, então coloco o meu na reta.
— Treinador, a gente gos…
— Senta a bunda na cadeira, Hawkins.
— Ma…
— Eu não vou falar de novo.
Passo por meus colegas de equipe com o rabo entre as pernas, e eles estão
com uma expressão pior ainda agora. Estou me matando para tentar
adivinhar o que fizemos, porque não é possível que ele esteja puto por causa
da festa de ontem à noite.
Com a exceção de Henry, a maioria dos calouros não estava lá. Eles são
menores de idade, não podem beber, então não convidamos esse pessoal
para as festas. Isso não significa que não fiquem bêbados nas casas de
fraternidade, mas pelo menos não sou eu quem está dando cerveja para eles
em vez de ser um líder responsável.
Quando Joe e Bobby chegam e se sentam, o treinador finalmente se mexe
— bom, ele bufa, mas pelo menos é alguma coisa.
— Nos meus quinze anos nesta escola, nunca senti tanta vergonha
quanto senti esta manhã.
Merda.
— Antes de continuar, alguém quer dizer algo?
Ele está olhando para cada um de nós como se esperasse alguém se
levantar e confessar, mas sinceramente não sei do que ele está falando. Ouvi
esse discurso de vergonha tantas vezes desde quando entrei para o time — é
um clássico do Faulkner —, mas nunca o vi com tanta raiva.
Ele cruza os braços, se encosta na cadeira e balança a cabeça.
— Esta manhã, quando cheguei no rinque, ele estava destruído. Então,
quem fez isso?
Times de faculdades têm muitas tradições. Algumas boas, outras ruins,
mas todas são tradições. Maple Hills é assim, e cada esporte tem suas manias
e superstições que são passadas ano após ano.
As nossas são os trotes. Trotes infantis e irresponsáveis. Entre nós
mesmos, outros times, outros esportes. Eu já levei broncas o suficiente de
Faulkner ao longo dos anos antes de decidir que não ia deixar isso acontecer
enquanto fosse capitão. Caras egoístas brigavam, tentando superar uns aos
outros, ou a si mesmos, até chegar ao ponto em que a escola era forçada a
fazer algo a respeito.
Então, se a arena foi destruída, quer dizer que alguém não estava me
levando a sério.
Eu me inclino para a frente, para ter uma visão melhor dos meus colegas
de equipe, e preciso apenas de uma fração de segundo para localizar Russ,
um cara do segundo ano que começou a jogar com a gente ano passado, e
que agora parece ter visto um fantasma.
A voz de Faulkner vai ficando cada mais alta até começar a ecoar.
— O diretor está furioso! O reitor está furioso! Eu estou furioso pra
caralho! Achei que essa merda de trote tinha acabado! Vocês deveriam ser
homens! Não crianças!
Quero falar algo, mas minha boca está seca. Limpo a garganta, o que não
ajuda, mas chama a atenção dele. Depois de tomar um gole d’água, consigo
finalmente falar:
— Acabou, treinador. Não fizemos nada.
— Então alguém, do nada, decidiu destruir o gerador e o sistema de
refrigeração? O meu rinque está prestes a se tornar uma piscina e espera que
eu acredite que vocês, palhaços, não tiveram nada a ver com isso?
Isso é muito, muito ruim.
— O diretor vai realizar uma reunião com cada atleta em cinco minutos.
Preparem-se, senhores. Espero que nenhum de vocês esteja planejando
seguir carreira como jogador.
Eu já disse merda?

Quebrando o Gelo- Hannah GraceOnde histórias criam vida. Descubra agora