Capítulo 34

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Nathan

Estou surpreso pelo fato de que a minha namorada — sim, eu posso
chamá-la de namorada agora — é a pior companheira de viagem do mundo?
Não.
Ela está tão acordada que me sinto enjoado. Estamos no primeiro voo do
dia para Washington, ou seja, está escuro lá fora, mas ela está cheia de
energia.
Por um lado, é bom vê-la feliz depois do que rolou com Aaron. Por outro
lado, acordamos juntos todos os dias, e eu nunca a vi desse jeito antes do
almoço, então estou muito confuso. Estou no meu segundo café e ainda
sinto aquele enjoo de quando acordo cedo demais.
Ela não está feliz assim porque estamos indo para Seattle; poderíamos
estar indo para qualquer lugar. Pelo visto, ela gosta de organizar viagens. Eu
adoro a versão mandona de Anastasia: ela é direta e ousada, engraçada pra
caralho quando não estou prestando atenção e ela começa a fazer careta. Na
cama, quando ela está no comando, meu Deus, eu sou muito sortudo. Eu
lidaria com a Anastasia Mandona todo dia com muito prazer.
Anastasia Viajante é terrível. Listas. Malditas listas. Nada do que eu faço é
confiável: precisamos checar de novo todas as malas porque não sei checar
tão bem quanto ela.
Anastasia Viajante me obrigou a usar organizadores de mala, o que quer
dizer que passei uma hora jogando Tetris com as minhas roupas. Quando
estava na terceira tentativa de fazer tudo caber e falhei mais uma vez,comecei a me livrar das bolsas. Ao sentir que eu estava um tanto frustrado,
ela ficou de joelhos, abriu meu cinto e me mostrou o quanto gosta de viajar.
Foi o que me impediu de cancelar os voos.
Ao terminar o café, eu me recosto na cadeira de aeroporto e sinto alguém
me encarando.
— Você está bem ranzinza hoje — diz ela com uma voz empolgada,
comendo a salada de frutas de quinze dólares da lanchonete do aeroporto.
— Cedo. Cansado — resmungo.
— Tadinho dele — responde ela com sarcasmo, rindo e apertando
minhas bochechas. — Quer dormir no meu peito no avião?
— É óbvio que eu quero dormir nos seus peitos — resmungo, me
aproximando para roubar um pedaço de abacaxi. — Como é que você está
tão acordada? E feliz?
— Eu amo aeroportos. Ver as pessoas, me organizar, fazer compras e tal, é
demais. Além disso, estou prestes a passar duas semanas recebendo a sua
atenção total, como não ficar feliz?
Caramba. Parece que ela sabe o que dizer para me fazer querer casar com
ela. Ela me oferece o garfo e me deixa roubar outro pedaço de abacaxi. Eu
suspiro e coloco uma mecha de seu cabelo no lugar.
— Você é irritante, mas é fofa.
— Ah, acho que o nosso embarque vai começar! — grita ela. — Vamos!
Ela fica de pé em um pulo, pega suas bolsas com uma das mãos e segura a
salada de frutas na outra. É um desastre esperando para acontecer.
— Fica parada — digo para ela, pegando as bolsas e jogando por cima do
ombro. Ela me observa pegar as coisas com um sorriso imenso no rosto. —
Ok, vamos.
— Sim, capitão.
Assim que o avião decola, eu durmo no meio dos peitos de Tasi. Depois
de três horas relaxantes, aterrissamos em Washington em um clima bem
mais frio do que o de Los Angeles. Pegamos um táxi, Tasi dá o endereço
para o motorista, e partimos.
Vamos ficar apenas dois dias antes de irmos para o Colorado, onde
vamos passar o Natal e Ano-novo. Estou morrendo de medo de conhecer ospais dela. Ela fala tão bem deles, e só tenho uma chance para causar uma
boa primeira impressão.
Ela liga o celular e fica toda empolgada quando começam a chegar
mensagens. Com os nossos dedos entrelaçados, ela leva as costas da minha
mão até a boca e enche de beijos.
— Tudo bem, meu amor?
— E se eles não gostarem de mim?
— Eles já gostam de você, Nathan. E se você causar uma péssima
primeira impressão, tudo bem, porque a gente só se vê apenas uma vez por
ano. Eu gosto de você o suficiente por todos nós.
— Lembra quando você falou, um mês atrás, que dormir na minha cama
ia te distrair?
— Sim.
— Eu fico feliz por você ter me deixado te distrair. Obrigado por não me
deixar passar o final de ano sozinho.
Ela me lança um sorriso que eu amo. É um sorriso gentil, que faz seus
olhos brilharem, e acho que só usa esse comigo.
— Eu acho que você me deu mais do que meras distrações.
Ficamos sentados em silêncio pelo restante da viagem, e eu me sinto
calmo até o táxi entrar em uma rua sem saída e parar na frente da casa. Tasi
aperta minha mão uma última vez e então sai do carro. Não tem mais volta.
Durante os primeiros quinze minutos, sinto como se fosse desmaiar de
tanto nervoso, mas agora posso dizer que Julia e Colin Allen são as pessoas
mais acolhedoras que já conheci.
Tem sido intenso, mas de um jeito bom. Já conheço um pouco dos dois
graças a Anastasia, mas é bom ouvir eles falarem sobre a família. Uma coisa
que não precisam me dizer é o quanto amam a Anastasia, porque ficou claro
pelo jeito que olharam para ela assim que abriram a porta e nos viram sair
do táxi. Julia demorou uns cinco minutos para soltá-la.
Eles fizeram um tour pela casa comigo antes de guardarmos as malas, e
todas as paredes estão cheias de fotos de Tasi. Aniversários, colônias de
férias, Natais, todas com uma careta maliciosa.Uau, nossos filhos vão ser lindos.
Julia me entrega meu terceiro biscoito de gengibre, então se vira para Tasi
e limpa a garganta antes de começar:
— Você não me falou que horários reservar no rinque de patinação,
querida. Eu não sabia o que fazer…
O clima muda completamente, fica mais frio, ou talvez seja minha
imaginação, porque eu sei que patinar é tanto a alegria quanto a tristeza da
família.
Eu uso a mão livre para segurar a de Tasi e aperto de leve. Ela segura
firme.
— Não tenho planos de patinar no feriado e, hum, se vocês estiverem de
acordo, gostaria de não falar sobre patinação enquanto estiver aqui. Fiz
algumas sessões com o dr. Andrews mês passado. Ele acha que seria bom se
eu encontrasse outros assuntos para conversarmos.
Colin se aproxima, realmente chocado.
— É mesmo?
Ela acena com a cabeça e olha de um para o outro. Julia está tentando
conter a surpresa, mas sem sucesso.
— Ajuda com a pressão. Ele acha que é uma boa descansar física e
emocionalmente. Então não perguntar sobre isso me ajuda. Eu posso avisar
vocês quando algo interessante ou novo acontecer.
— Claro, Annie. Só perguntamos porque sabemos o quanto é importante
para você. Nós só queremos que você seja feliz, meu amor. Não vamos falar
sobre isso, não é, Col? A menos que você queira.
Sinto a tensão sair do corpo de Anastasia, a mão e o corpo inteiro
relaxando. Eu mudo de assunto e questiono o apelido dela.
— Annie?
Tasi me olha com uma expressão séria no rosto.
— É, eles me chamam de Annie porque eu era órfã.
Colin cai na gargalhada enquanto Julia fica atônita e cruza os braços.
— Anastasia Rebecca Allen! — retruca ela. — Chamamos você de Annie
porque você não sabia escrever Anastasia até os oito anos! — Ela olha para
mim e balança a cabeça. — Por favor, não dê ouvidos à minha filha.Não consigo controlar a risada.
— Não tenho escolha, senhora. Ela pode ser muito assustadora quando
quer; meu time de hóquei inteiro tem medo dela.
— Ela sempre foi assim — diz Colin, orgulhoso. — Quando tinha treze
anos, um menino da turma dela estava sofrendo bullying de uns garotos
mais velhos. O diretor da escola nos chamou porque a Anastasia os fez
chorar.
— Humm — murmura Julia. — O que você esqueceu é que ela acabou
sendo suspensa por duas semanas porque disse para o diretor que, se ele
precisava de que uma adolescente resolvesse os problemas dele, então não
deveria ser diretor da escola.
Tasi fica um pouco vermelha, mas disfarça.
— Mas eu não estava errada, né? E eles nunca mais mexeram com o
menino.
— Brady me trata mal há semanas e você não me defendeu nenhuma vez
— eu provoco.
Ela me cutuca, brincando.
— Eu sou corajosa, mas não tanto assim.
Algumas horas depois de chegarmos, Julia aparece com dois pijamas de
Natal — um de rena para mim, outro de boneco de neve para Tasi —, a coisa
mais confortável que já vesti na vida. Sinto como se conhecesse Anastasia
muito melhor agora que ouvi todas as histórias vergonhosas que seus pais
tinham para contar.
Como hoje foi um dia tranquilo, Anastasia sugeriu irmos jantar fora para
ninguém ter que cozinhar. Faz horas que ela está se arrumando, então me
acomodei na cama com um pacote de salgadinhos gigante que Julia me deu.
Meu estômago roncou mais cedo, o que fez com que ela decidisse que me
alimentar com tudo que tem na casa seria sua missão especial.
Eu amo ver Tasi se arrumar; ela está fazendo babyliss no cabelo, mecha
por mecha. Os dentes dela mordem o lábio inferior quando ela se concentra,
prestando atenção em cada cacho. Às vezes ela se aproxima do espelho e a
luz bate na sua pele bronzeada; deixo meu olhar passear pela curva da
cintura, do quadril…— Tão gostosa.
Ela olha para mim pelo espelho e sorri.
— Está falando comigo ou com a comida?
— Com você. O salgadinho é bom, mas você é bem melhor. Pode me
ajudar a sair da cama?
Ela aperta os olhos e fica com um olhar confuso.
— Por quê? Para você me puxar para a cama assim que eu te der a mão?
— Não — minto. Ela desliga o bastão quente e vem andando devagar até
a lateral da cama. — Por que está tão longe? Chega mais perto.
Vejo os cantos da boca dela se levantarem quando ela se aproxima, mas é
o suficiente para eu puxá-la para a cama. Ela ri quando meus dedos tocam
sua cintura, fazendo cócegas até ela não conseguir mais respirar.
Ela se deita no meu peito, seus cachos fazendo desenhos na minha pele.
— Você precisa começar se arrumar.
Eu sei, mas ela parece tão feliz que não quero perder um minuto disso.
— Podemos passar a semana que vem assim? Mas pelados — eu
complemento. — Bom, você pelada. Eu gostei desse pijama, minhas bolas
estão quentinhas.
— Desde que suas bolas estejam quentinhas, claro.
— Podemos nos pegar por dez minutos? Eu me arrumo depois —
pergunto, mexendo nos cachos dela.
— Não.
— Cinco minutos.
Ela bufa e revira os olhos.
— Pegação vestidos por três minutos, e depois você vai se arrumar.
— Combinado.
Eu errei na hora de negociar o tempo de pegação. O que eu deveria ter
negociado era a possibilidade de sair com meu macacão de rena para o
restaurante. Depois de uma tarde relaxada, usar camisa social é sufocante.
A única vantagem é que Anastasia está olhando para mim como se
quisesse ir muito além de uma pegação.— Para de olhar para mim como se quisesse me comer — eu murmuro
enquanto os pais dela andam à nossa frente, seguindo a hostess.
— Mas eu quero. Acho que são as mangas dobradas. Você está muito
gato.
Sinto uma risada subir pela minha garganta, mas não respondo. Mangas
dobradas são um clássico do JJ. Ele insiste que é a coisa mais safada que um
cara pode fazer e que tem uma taxa de sucesso de cem por cento. Eu odeio
que ele tenha razão.
Eu e Anastasia não saímos muito para comer fora porque estávamos
focados no novo plano alimentar dela, e parecia um pouco contraprodutivo,
sendo que ela estava aprendendo tantas receitas que a faziam feliz.
É óbvio que hoje é uma ocasião especial, já que é a primeira vez no ano
que Tasi vem para a casa dos pais, então é bom ver de que tipo de
restaurante ela gosta.
É chique demais para vir de pijamas, com certeza. Ambiente tranquilo,
luz baixa, romântico. Olho o cardápio, fingindo estar lendo pela primeira
vez, sem contar para Julia e Colin que Tasi me fez estudá-lo por quinze
minutos antes de sairmos.
Todo aquele trabalho, e ela ainda não sabe o que vai escolher. Eu me
aproximo e olho para o menu dela.
— O que você vai querer?
— Não sei — diz ela, confirmando minha suspeita e mastigando a parte
interna da bochecha enquanto lê o outro lado do cardápio.
— Quais são as opções?
— Ravióli de caranguejo ou pizza de frango. Eu meio que quero o ravióli
na pizza. Muito estranho?
Os pais dela ouvem e olham para nós por cima dos cardápios, então
dizem ao mesmo tempo:
— Sim.
— Que tal eu pedir a pizza e você, o ravióli? Podemos trocar se você se
arrepender.
Ela coloca o cardápio na mesa, olha para mim e tem algo em seus olhos.
— Eu já disse que você é meu ser humano favorito hoje?— Boa no… Ah, oi, pessoal.
Eu tiro meu olhar de Tasi, olho para o garçom que chegou na nossa mesa.
Ele parece familiar, apesar de eu nunca ter vindo aqui.
Eu olho para Tasi buscando uma explicação, pois está na cara que ela o
conhece pela sua expressão desconfortável. Julia se levanta da mesa, se
inclina para a frente e beija o rapaz na bochecha.
— James! — diz ela, feliz. — Que bom ver você, querido. Não sabia que
você trabalhava aqui.
É engraçado ver Julia forçar um sorriso porque é exatamente o mesmo
sorriso forçado de Tasi — terrível. Assim que ela fala “James”, eu lembro
quem ele é. Eu olhei para fotos dele o dia todo, uma versão mais nova, mas o
mesmo rosto e cabelo loiro.
James era o parceiro de patinação de Tasi antes da faculdade. Ele também
foi seu primeiro namorado, primeiro amor, primeiro tudo.
Ótimo. Que bom que ele está aqui.
Colin aperta a mão de James, e ambos parecem tão desconfortáveis
quanto eu.
— Estou aqui por algumas semanas enquanto passo o fim de ano em
casa. — Os olhos dele passam por mim e param na mulher ao meu lado, que
ainda não disse nada. — Que bom te ver, Tasi.
Ouvir seu nome a tira do transe.
— Digo o mesmo, James. Esse é Nathan, meu namorado. Nate, esse é
James. Ele era meu parceiro de patinação até eu ir para Maple Hills.
Namorado.
É a primeira vez que a escuto dizer isso, e ela disse com tanta confiança.
Eu realmente não esperava por essa.
Não está na hora de surtar, Hawkins.
Eu estico a mão para cumprimentá-lo, formal demais, mas é o que Colin
fez, então vou fazer o mesmo.
— Prazer em te conhecer.
— Igualmente — diz ele, não conseguindo evitar que um climão paire no
ar. — O que vocês vão querer?Depois de anotar nossos pedidos, meu novo amigo James some e, quando
as bebidas chegam, é outra pessoa que vem nos servir.
A comida está deliciosa, a conversa é boa, e não sei explicar o quanto essa
cena seria diferente se fosse Tasi conhecendo meu pai. O que me deixa
muito feliz por voltarmos para Los Angeles antes de ele voltar das férias.
Limpo a boca com o guardanapo e uso a coragem que passei os últimos
cinco minutos juntando.
— Eu gostaria de me oferecer para pagar pelo jantar, como um
agradecimento por me receberem tão bem na sua casa. — Colin abre a boca,
mas eu continuo antes que ele diga algo. — E eu sei que vai dizer que não,
mas saiba que não tenho problema algum em fingir ir ao banheiro e pagar
escondido. Eu tive um dia maravilhoso com vocês e gostaria de agradecer
pagando a conta.
— Ah, pai, deixa ele — resmunga Anastasia. — Sério, ele é tão teimoso
que vai passar horas discutindo com vocês.
Todos olhamos para ela, nossas cabeças se movem em câmera lenta e
estamos com a mesma expressão de choque.
— Espera aí, eu sou teimoso?
Ela entrelaça os dedos nos meus na mão apoiada na mesa, e sua risada é
leve e melódica. Seus olhos estão brilhando, e ela está tentando segurar o
sorriso. Ela é hipnotizante.
— Óbvio.
Cacete. Eu estou apaixonado por essa mulher.

Quebrando o Gelo- Hannah GraceOnde histórias criam vida. Descubra agora