Capitulo 25

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Capítulo 25
Anastasia

— Por que está demorando tanto?
Consigo ouvi-lo andando de um lado para o outro do vestiário ao lado,
mas ele não apareceu ainda. É nosso primeiro treino e vamos nos atrasar
para entrar no rinque, o que não é um bom começo para os próximos dois
meses, ou para as chances de Nate continuar vivo.
— Nathan! — grito, batendo na porta.
— Não posso sair.
Estou encarando a porta, ciente de que pareço uma idiota fazendo isso,
mas não posso encará-lo, já que ele não sai dali.
— Por quê?
— A calça. É colada demais. Dá para ver tudo.
— Se você não sair, eu vou entrar!
Ele coloca a cabeça para fora da porta.
— Estou falando sério. Está… Dá pra ver tudo.
— Sim, já entendi. Você tem um pau grande. Blá-blá-blá. Acabou a hora
do biscoito? Estamos atrasados. Vamos, vamos começar. — Brady se
aproxima na hora que Nate sai de trás da porta vestindo a calça legging mais
reveladora que já vi na vida. Parece uma pintura corporal; dá para ver
formas. Formas muito, muito definidas. — Meu Deus.
Brady o olha de cima a baixo, depois mais uma vez. Ela coloca as mãos na
cintura e balança a cabeça.— Sinto muito, sr. Hawkins. Não posso deixar você usar essas calças. —
Nate parece um coelho assustado e se esconde atrás da porta de novo. —
Você tem outra coisa para vestir?
— Eu tenho uma bermuda no armário que posso colocar por cima.
— Seria uma boa ideia. — Nate desaparece, entrando no vestiário, e sinto
a presença da treinadora perto de mim. Eu me viro para encará-la, e ela
balança a cabeça.
— É um caminho sem volta, Anastasia.
— Não sei do que está falando. — É uma mentira. Uma grande mentira.
A maior de todas. — Vamos aquecer?
— Use camisinha. Pergunte para Prishi. Sua bexiga nunca mais vai ser a
mesma.
— Não estamos fa…
Ela me interrompe acenando a mão na minha cara.
— Somos adultas. Não insulte minha inteligência. Eu vejo como esse
homem olha para você. Eu quero ver minha melhor patinadora de pé em
um pódio, não sentada em uma bola em uma sala de parto. Ficou claro?
— Transparente, treinadora.
O que ela não considerou com esse discurso é a probabilidade de sua
melhor patinadora morrer de vergonha.
E por que ela só me chama disso quando não tem testemunhas por perto?
Nate finalmente sai do vestiário e me cutuca na costela.
— Pronta para começar, Allen?
— Não, não esbarra em mim.
— Nada de esbarrar, nada de bolas de indução de parto… Tantas regras,
Anastasia.
Meus olhos se arregalam quando olho para ele, seu sorriso convencido
voltado para mim. A felicidade dele é reconfortante e prova que ele não está
tão nervoso quanto eu. Prova que ele não faz ideia de que, se esse
experimento falhar, pode ser que eu não me recupere.
Estou perdida em pensamentos quando ele entrelaça os dedos nos meus.
— Vai ficar tudo bem — sussurra ele quando chegamos na área de
aquecimento. — Talvez seja até divertido.Eu rio alto.
— Se for divertido, você não está se esforçando.
Ele ri e recebe um rosnado de Brady em resposta.
— Falou como uma verdadeira tirana.
Depois do aquecimento, finalmente chegou a hora de descobrir se isso foi
uma péssima ideia.
— Para isso funcionar, preciso que você se lembre da coreografia,
Nathan. — A treinadora aperta seu casaco de pele falsa, se abraçando.
Nunca parei para pensar que talvez a maior preocupação de Nathan não seja
eu. — Não sei que palhaçadas o treinador Faulkner permite no gelo, mas na
minha arena você faz o que eu mando.
Ele assente, sem nenhum traço do sorriso.
— Entendido.
— Deem uma volta. — Ela se concentra em Nate. — Concentre-se em ser
gracioso, não rápido, mas acompanhe Tasi.
— Gracioso. Devagar. Entendi… Ai! Por que você sempre me belisca? —
resmunga ele, massageando a barriga.
— Não sou devagar! Eu já provei que sou mais rápida do que você uma
vez. Preciso fazer isso de novo?
A boca de Nate se abre, mas antes que consiga responder, Brady bate
palmas.
— Que parte de “gracioso” fez vocês entenderem que eu quero ver uma
corrida? Façam o que mandei, agora!
Partindo, Nate acompanha meu ritmo. Quando ficamos longe o bastante
para nos sentirmos seguros, ele se aproxima.
— Qual é a das palmas?
É divertido ver outras pessoas vivenciarem as manias de Brady pela
primeira vez. Depois de dois anos trabalhando com ela, nem percebo mais.
— Eu gosto de imaginar que, em outra vida, ela treinou cachorros.
Voltamos para onde começamos, e eu reparo no desgosto da treinadora
na mesma hora. É muito fácil reconhecer algo que você vê seis vezes por
semana. O coitado do Nate parece orgulhoso de si mesmo e, para ser
sincera, ele conseguiu de fato me acompanhar.— Como foi?
Ela estala a língua.
— Como um cervo bêbado e perdido pisando em um lago congelado.
— Tem muitos cervos bêbados em Montana, treinadora? — pergunto, me
lembrando de dizer Montana, e não Rússia, no último segundo.
— Não faça piada comigo, Anastasia. Vocês dois, de novo. Graciosamente.
— Fiz mais voltas do que saltos até Brady ficar satisfeita com a graciosidade
de Nate. — Muito melhor, Nathan. Você não está jogando hóquei. Ninguém
vai te atacar no gelo.
— Com todo o respeito, treinadora — ele olha rapidamente para mim —,
não acho que possa me prometer isso.
Quando pegamos o ritmo das coisas, começo a gostar do meu treino pela
primeira vez em muito tempo, e acho que Brady também.
Vamos para o centro do rinque e fico ao lado de Nathan para ensiná-lo os
saltos mais simples. Ele não precisa fazer nada complexo para me ajudar,
mas ter certeza de que ele está no lugar certo e indo na direção certa é
essencial para quando eu estiver fazendo a parte técnica de verdade.
Mais do que tudo, preciso que ele conheça os nomes das coisas, para ele
saber o que estou fazendo e não entre no meu caminho sem querer.
— Eu vou facilitar para você. Só preste atenção nos meus pés.
— Tasi — ele começa. — Tenho quase certeza de que comecei a patinar
antes de aprender a andar. Você não precisa facilitar as coisas para mim. Eu
devo saber mais do que você imagina.
Arrogância. Eu adoro lidar com gente arrogante.
— Ok, gênio. Qual fio você tira quando vai fazer um Lutz? — Ele fica na
minha frente, e vejo na sua expressão que não faz ideia. — Rá, rá, você
acabou de provar que precisa calar a boca e me escutar.
— Rá, rá. Eu nem sei o que é um Lutz.
— Você é o homem mais irritante do mundo.
— Não me importa o que você acha de mim, desde que eu esteja no topo
da lista.
Como vou aguentar isso seis vezes por semana?Mesmo quando é irritante, ainda quero me pendurar nele. A camiseta de
manga comprida que compramos mais cedo está marcando todos os
músculos, suas bochechas estão coradas, e toda vez que ele olha para mim e
os cantos da sua boca se erguem, esqueço tudo.
Durante o treino, estive completa e totalmente enlouquecida por um
homem. Eu me odeio por ficar distraída, sabendo que cada fragmento do
meu feminismo morre com covinhas e coxas grossas.
— Por que parece que você está tendo uma crise?
Porque estou mesmo.
— Preste atenção. Não vou explicar de novo.
— Ei, não sou eu que estou divagando.
— Existem seis tipos de saltos na patinação artística: toe loop, flip, Lutz,
Salchow, loop e Axel. Eles são divididos entre duas categorias, saltos toe e
saltos edge. Consegue adivinhar quais são os toe?
— São os que usam aquela merda de ponta afiada inútil?
A única coisa de que Nate não tem gostado é dos patins novos. Diferente
dos patins de hóquei, os patins que usamos têm dentes na ponta da lâmina,
o toe pick. Fizemos um treino rápido no rinque de Simone quando saímos
do shopping e perdi a conta de quantas vezes ele saiu voando. Sem falar que
frear usando patins novos é uma merda.
— Não é inútil, você vai precisar dela. Mas, sim, você pula quando chuta
o gelo com aquela “merda de ponta afiada inútil”. Os saltos edge começam
do fio interno ou externo. Simples, né?
Ele resmunga algo que parece um “sim” e observa meus pés com atenção
enquanto eu giro, esticando a perna esquerda para trás, e bato a ponta no
gelo.
— Um toe loop simples.
Ele imita meus movimentos e, em sua defesa, entende até que bem —
com exceção da aterrissagem trêmula —, então continuamos.
— Que movimento estava fazendo quando saiu voando como uma bola
de boliche algumas semanas atrás? — pergunta ele enquanto se levanta e
limpa o gelo da bunda.— Estava tentando fazer um Lutz quádruplo. — Tentando é a palavrachave
aqui. — Lutz é um salto toe.
— Parecia difícil.
— É difícil.
— Sinto que não quer falar disso.
— Não tem o que falar. — Eu suspiro. — Brady fez a gente tirar ele do
programa depois de eu bater a cabeça. Não é comum na patinação artística
feminina e é praticamente inédito na patinação em dupla. Ela achou que era
um risco desnecessário.
— Então por que fazer? — Ele não está sendo grosseiro. Acho que está
realmente interessado. — Só estou tentando entender seu modus operandi,
Tasi. Não quero fazer você se sentir mal.
Não sei como explicar. Parece ser algo para levar para a terapia, não uma
conversa aleatória no meio de um treino, mas preciso ser sincera com ele.
— Eu desperdicei anos patinando com alguém que não estava no meu
nível porque ele era meu namorado. — Clássico. — Não me leve a mal,
éramos bons, mas não incríveis. Com um parceiro diferente, eu poderia ter
ido mais longe. Eu não quero ser um fardo para Aaron.
— E Aaron consegue fazer, né?
— Claro que consegue. — Eu rio. — Ele passou horas e horas tentando
me ajudar a acertar, mesmo não acreditando que eu conseguiria. Tem um
motivo para não ser comum, mas sou teimosa. Vou continuar tentando, mas
não vai ser nesta temporada.
— Eu gosto da sua determinação — diz ele com um tom gentil.
— Se vocês querem ficar olhando apaixonados um para o outro, façam
isso nas suas horas vagas! — grita a treinadora do outro lado do rinque, nos
lembrando que era para estarmos patinando, não conversando.
Ele solta um suspiro pesado e coloca as mãos no quadril.
— Ela me bota um medo da porra. Qual é a do casaco? Ela não sabe que
estamos na Califórnia?
— A estética dela é Cruella de Vil. Você vai se acostumar.
Nathan geme e resmunga alto quando entramos no carro dele.— Você está sendo dramático — falo com uma risada ao jogar minha
bolsa nos pés. — Não foi tão ruim.
— Eu não fui feito para balé e ioga, Tasi — resmunga ele, engatando a ré.
— Minhas pernas estão queimando.
— Você não é nada flexível, né? Parecia o tronco de uma árvore.
Ele me olha do banco do motorista e ergue uma sobrancelha.
— Eu não preciso ser flexível porque você é flexível, o que faz da gente
um casal perfeito.
— Você foi bem, Nathan. Sério, eu sou muito grata. Obrigada.
— Eu passei metade do treino de joelhos e caindo de cara. Nunca me
concentrei tanto dando voltas. Estava morrendo de medo de tropeçar. Tem
certeza de que não posso usar meus patins?
— Eu prometo que você vai se acostumar com esses.
— Ou você vai se acostumar a me ver de joelhos. — Ele franze o centro.
— Não daquele jeito. Ou sim, se quiser. Daquele jeito é o meu favorito.
— Um dia. — Eu bufo. — Você aguentou um dia.
Nate me faz rir todo o caminho de volta para meu apartamento, a maior
parte do tempo às custas dele, o que não é problema. Saio do carro, pego a
bolsa e me inclino na janela.
— Te vejo de manhã.
— Traz café — grita ele quando fecho a porta.
Eu estava com medo de voltar para casa, e agora que vejo os números do
elevador mudarem, queria estar em qualquer outro lugar do mundo, menos
aqui. Eu não contei para Nathan, mas Aaron tem me ignorado desde que
contei sobre meu novo plano de patinação quando cheguei em casa, ontem à
noite.
Como se não fosse o bastante, não consigo parar de pensar no que
Nathan disse sobre meu plano alimentar de tarde. Preciso admitir, nunca fui
atrás de aprender sobre nutrição. Quando morava com meus pais, minha
mãe cuidava disso, e na faculdade eu deixei Aaron tomar conta dessa parte e
confiei nele quando disse que sabia o que estava fazendo.
Eu sei que Lola está no ensaio, o que quer dizer que Aaron deve estar
sozinho, então acho que é a oportunidade perfeita para conversar com ele.Ênfase no acho.
Entro no apartamento e imediatamente o vejo sentado no sofá da sala
vendo um filme.
— Ei.
Ele vira a cabeça, olha para mim, mas não responde ao meu
cumprimento. Eu engulo o nó se formando na garganta e enxugo as mãos
suadas na barriga quando me aproximo dele.
— Podemos conversar?
Mais uma vez, ele não responde, porém pausa o filme e olha para mim
quando me sento e largo a bolsa aos meus pés.
— Hum, eu estava pensando… Você acha que meu plano alimentar tem
calorias suficientes? E é, tipo, variado o suficiente para me manter saudável?
— Por que caralhos está me perguntando isso? — responde ele com raiva.
Respiro fundo e dou de ombros.
— Falamos disso hoje. Me disseram que eu estou comendo menos do que
o necessário. Eu queria checar com você, assim a gente…
— Quem disse isso? Hawkins? — O jeito como ele fala o nome de Nathan
é quase venenoso. — Você chupa o pau dele algumas vezes e do nada ele
sabe do que você precisa mais do que eu?
As palavras dele me tiram o fôlego. Minha resposta fica presa na garganta
com a surpresa. Abismada é a melhor palavra para o que estou sentindo
agora. À medida que o sentimento de choque passa, vem a dor.
— O quê? Não! Por que está sendo tão maldoso? Eu só queria checar com
você, assim a gen…
Ele me interrompe de novo, fica em pé e passa uma mão pelo rosto.
— Quer saber, Anastasia? Vai se foder. Se Nate Hawkins é tão inteligente,
vá pedir a ajuda dele pra tudo. — As mãos dele estão tremendo, e o olhar
travado fica em mim. — Mas quando ele se cansar de você, não vem chorar
pra cima de mim, porque é você que dá para qualquer um que usa uniforme.
Meu coração parece prestes a saltar do peito quando ele sai pisando forte
até seu quarto, batendo a porta com tanta força que parece que o prédio
inteiro tremeu. Me afundo no sofá, enfio a mão na bolsa e pego meu celular.— Já está com saudade? — Nathan fala com uma risada assim que aceita
a ligação.
Seco as lágrimas com as costas da mão e limpo a garganta.
— Pode vir me buscar?

Quebrando o Gelo- Hannah GraceOnde histórias criam vida. Descubra agora