Capítulo 31

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Anastasia

Estar ao redor de uma fogueira me lembra de ir acampar quando era
mais nova.
Meus pais gastavam tudo que conseguiam economizar com as coisas da
patinação, então não dava para fazermos viagens exóticas ou luxuosas
quando eu era criança. Mas todo verão a gente ia acampar por alguns dias
em Snoqualmie Pass, e eu amava.
Eu ajudava meu pai a fazer uma fogueira e minha mãe preparava as
coisas para fazermos s’mores, depois nos sentávamos ao redor da fogueira a
noite toda jogando baralho.
Uma fogueira no quintal de uma casa gigante em Maple Hills não é a
mesma coisa que em uma floresta no estado de Washington, mas a
companhia é boa. A festa começou a ficar mais barulhenta, e as pessoas,
mais bêbadas, então os meninos acharam que seria uma boa ideia ir para
fora e nos sentarmos nas cadeiras dobráveis, beber cerveja e jogar conversa
fora, tipo gente velha.
Comecei a ficar sóbria depois de ter exagerado nas doses mais cedo.
Agora, estou com sono e carente. Robbie está muito feliz com seu novo jogo,
mas decidiu que, da próxima vez vai tirar os copos de refrigerante para
dificultar as coisas e colocar mais um jogador. Eu nem sabia que tinha
refrigerante, porque só bebi tequila.
Fico feliz que Henry tenha desistido do jogo, porque eu estava prestes a
vomitar. Quando consegui falar com ele depois da situação com Gen, eledisse que tirou a mão do tapete de propósito porque estava preocupado que
ela fosse se expor sem querer. Eu perguntei sobre mim, e o risco de eu me
expor. Ele disse que era apenas uma questão de tempo até isso acontecer, e
que eu deveria comprar mais calças.
Ele está de mau humor porque, quando tentou encontrar com a crush
dele, ela e a amiga tinham sumido. Ele não se lembrou de pegar o telefone
dela nem, tipo, o nome completo.
O crepitar do fogo é tão relaxante que talvez eu acabe dormindo aqui
mesmo. Estou aninhada debaixo de um cobertor, no colo de Nathan, que faz
carinho na minha coxa enquanto me segura como se eu fosse um bebê, o
que não ajuda. Parece estranho dizer isso, mas estou ridiculamente
confortável. Ele está rindo com os amigos, conversando sobre esportes,
bebendo cerveja. Ele fica falando o nome de atletas dos quais nunca ouvi
falar, e isso me ajuda a pegar no sono.
De vez em quando, ele olha para mim e me dá um beijo na testa,
checando se estou confortável, se estou quentinha. Depois aperta o cobertor
ao meu redor e se certifica de que nenhum pedaço de mim está exposto ao
frio.
Tenho uma sensação quente e acolhedora no coração quando estou com
esse time. É estranho e familiar ao mesmo tempo; sei que é uma
contradição, mas é tão específica que parece ter sido feita sob medida para
mim. É um sentimento do qual não sabia de que precisava até esses meninos
entrarem na minha vida três meses atrás.
A cada segundo que passa, fica mais difícil manter os olhos abertos; o
coração de Nathan bate onde minha bochecha está encostada, parecendo
uma canção de ninar, e enfim chega o momento em que não consigo mais
aguentar e fecho os olhos.
Não sei por quanto tempo fiquei apagada até começarem os gritos que
me tiram do sono profundo, e é o pulo que Nate dá para se levantar que me
acorda de verdade.
É tipo como quando você está dormindo e sente que está caindo, então
acorda com a adrenalina correndo pelo corpo. Minha pele parece vibrar
quando Nate me coloca na cadeira de onde acabou de se levantar. Olhorapidamente para a fogueira e vejo todos os meninos se levantando e
correndo para dentro da casa.
— Fica aqui e não se mexe — diz Nate antes de sair correndo também.
Eu tiro o cobertor que me envolve e me movo para segui-lo, mas assim
que ele chega na porta dos fundos, Nate olha para mim de novo.
— Anastasia, eu disse para ficar aí.
Eu congelo; metade de mim quer correr, e a outra metade não quer
desobedecer a Nathan, porque ambas sabem que algo ruim está
acontecendo. Meu celular começa a tocar e eu procuro o aparelho, nervosa,
até encontrá-lo no chão, debaixo da cadeira.
— Cadê você? — grita Lola mais alto que o barulho.
— No quintal. O que está acontecendo? — pergunto enquanto corro para
a porta dos fundos.
— Uma briga. Fica aí, vou te encontrar quando terminar.
— Quem está brigando?
Por favor, me diz que não é Nathan.
— Não sei! Estou no quarto do Robbie, estou ouvindo daqui.
Não tem ninguém no escritório quando passo pela porta do quintal; todo
mundo está na passagem entre a cozinha e a sala de estar.
Os barulhos e gritos me deixam enjoada, assim como o fato de que não
consigo ver nenhum dos meninos, o que significa que estão do outro lado da
multidão. Ser baixinha tem suas vantagens, mas agora, enquanto tento
passar pela multidão de bêbados, não consigo pensar em nenhuma.
Estou arfando quando chego no meio de tudo. Quando finalmente
alcanço a fonte do barulho, sinto um aperto no coração.
Kris e Joe estão tirando Bobby de cima de um cara em um canto, e Mattie
e JJ estão afastando Henry de outro cara. Meu sangue parece feito de ácido
enquanto circula no meu corpo e faz meu coração disparar.
Vasculho a sala e vejo Nathan prendendo alguém na parede pelo pescoço.
Tem sangue no rosto dos dois, e Nathan está com uma expressão fechada
enquanto fala com o outro cara, quase rosnando. Só depois que JJ solta
Henry e puxa Nathan que eu percebo que é Aaron.
Não consigo me mover.O rosto de Aaron está inchado e machucado; ele nem me vê quando o
cara que estava brigando com Henry o arrasta para fora da casa.
— Todo mundo pra fora! — grita JJ quando alguém desliga a música. —
Fora daqui agora!
Eu me sinto como Mufasa sendo pisoteado quando todo mundo começa
a empurrar. Eu preciso me mexer, mas não consigo. Caralho, como isso
aconteceu? Por que Aaron estava aqui?
Sinto alguém puxar minha mão e deixo que Lola me arraste até onde
Robbie está, com a cabeça nas mãos.
Nunca vi uma festa esvaziar tão rápido. A última pessoa vai embora, e a
porta bate ao fechar, o que parece ser o sinal de privacidade que Robbie
estava esperando.
— Que porra vocês estavam pensando? — grita ele. — Vocês têm sorte de
a polícia não ter batido aqui!
JJ dá de ombros quando se joga no sofá, limpando o sangue do lábio com
as costas da mão.
— Eles começaram.
Estou ocupada demais olhando para seus rostos machucados para
reparar que Nathan parou na minha frente.
— Eu disse para você esperar lá fora — diz ele em um tom irritado.
— Fiquei preocupada.
Essa caverna de Natal agora parece ter saído de um pesadelo natalino.
Tem uma árvore caída, com os enfeites espalhados pelo chão, e metade das
luzes pisca-pisca foram arrancadas. Joe aparece com um monte de cervejas
no braço e começa a distribuí-las, o que me irrita, porque cerveja não
deveria ser uma prioridade agora.
— Vocês têm um kit de primeiros socorros?
— Você poderia ter se machucado, Anastasia! — grita Nate, e eu pulo de
susto.
— Eu? Não sou eu que estou com o rosto sangrando! Alguém pode me
contar que caralhos está acontecendo? — grito de volta.
— Aaron estava bêbado e falando merda com uns caras que não conheço
— explica Nate, pegando uma cerveja do Joe e colocando no rosto. — Típicodele.
— Então você decidiu bater nele? Sério, Nathan? Skinner já está puto
com você, e aí você pensou: Como posso fazer isso ficar muito pior?
Robbie para ao meu lado e coloca o kit de primeiros socorros nas minhas
mãos trêmulas.
— Senta! — grito para Nate, e devo ter sido bem assustadora, porque ele
obedece sem pestanejar.
Parece que eles estavam preparados para este tipo de situação, porque
Robbie entrega outro kit para Lo, e ela começa a limpar o rosto do Bobby,
que estremece a cada toque. Ela manda ele ficar quieto.
— Ah, cala a boca, seu bebezão.
— Você está gritando com o homem errado, Tasi — diz Nathan,
resmungando quando passo o antisséptico no corte em sua bochecha. — Eu
estava separando a briga. Por isso você deveria ter ficado lá fora, onde te
deixei.
— Você não tem o direito de ficar chateado comigo agora!
— Tenho, sim, quando você me ignora e se coloca em uma situação
perigosa!
Eu quero beijá-lo e estrangulá-lo ao mesmo tempo. Gritar e cuidar dele.
Garoto irresponsável e inconsequente. Ele pega meus pulsos de leve e os
abaixa. Só quando as mãos firmes dele estão nas minhas que percebo que
estava tremendo.
— Fui eu que bati no Aaron. Pode gritar comigo, Tasi.
Acho que Henry era a pessoa que eu jamais teria esperado que fosse dizer
isso, mas aqui estamos, ele bebendo uma cerveja e segurando uma bolsa de
gelo na lateral da cabeça. Ele não está com cara de culpa nem tem um pingo
de remorso na voz, só me informa que bateu em Aaron.
— Porra, como assim, Henry? — grito, me soltando das mãos de Nate
quando ele tenta colocá-las nos meus braços e segurar meus ombros.
Ainda estou puta com ele, e ele não vai se livrar dessa só porque Henry
decidiu dar uma de Muhammad Ali.
— Não vou pedir desculpa.— Eu estou com o rosto fodido por lidar com a merda que você fez —
grita Nate com ele enquanto coloca um curativo na bochecha. — Se ela
quiser, você vai pedir desculpas, sim, caralho.
— Você quer que eu repita as coisas que Aaron disse sobre ela? Para ela
entender por que ele mereceu? — diz Henry, olhando para Nathan com uma
expressão séria. — Ele é um merda e eu não me arrependo. Você só está
puto comigo porque deveria ter feito isso há meses.
— Cuidado com o que fala, irmão — responde Nate, irritado, e sinto meu
estômago embrulhar.
— Pelo menos o seu banimento teria valido a pena. Ele veio aqui para
causar confusão e conseguiu. Fim da história.
— Como assim, o que Aaron estava falando sobre mim? Podem parar de
falar de mim como se eu não estivesse aqui?
Todo mundo está me encarando, mas ninguém fala nada. Parece que
estou gritando em um vazio. Como se houvesse um grande segredo rolando
e eu sou a única que não sabe.
— Não importa, Tasi — murmura Robbie. — Você não pode
simplesmente bater nas pessoas quando elas falam merda, Hen.
— Eu discordo — diz JJ ao se levantar do sofá para pegar outra cerveja.
— Só me avisa com antecedência antes, tá, cara? Eu estava prestes a pegar
uma mina e sua cena me atrapalhou. Estamos quites pela situação com Gen.
— Alguém pode me contar que porra exatamente as pessoas estão
falando de mim?
Eles estão conversando como se isso fosse a coisa mais normal do
mundo, então preciso gritar para que me escutem.
Lola está completamente tranquila enquanto examina os ferimentos dos
meninos e vai de um para o outro limpando os cortes.
— Lols, como você consegue ficar tão calma? — A onda de adrenalina
está passando. Me sinto exausta e não fiz nada além de ficar cada vez mais
confusa e gritar.
Ela dá de ombros e chuta Nathan até ele entender o recado e se mover
para que ela se sente ao meu lado.— Eu tenho irmãos. Nossa casa era assim quase todo dia. Isso aqui não é
nada. — Ela olha para Nathan com uma careta. — Faça algo de útil e pegue
algo pra gente beber, Rocky.
Ela passa um braço pelos meus ombros e me dá um beijo na testa.
— Às vezes é melhor não saber o que as pessoas estão falando pelas
nossas costas, amiga. Acho que nós duas sabemos que Aaron é um merda e
uma cobra, e acho que, quando você voltar do Colorado, vai ser o momento
de a gente conversar sobre nossa moradia. — Eu inclino a cabeça para me
apoiar no seu ombro. — Não pega pesado com ele — sussurra Lola para
mim. — Ele só estava protegendo Henry.
Nathan retorna com duas garrafas d’água em uma das mãos e estica a
outra para mim.
— Vamos para a cama. — Ele não está pedindo, está declarando, e por
mais que eu queira ficar aqui, acho que vou conseguir mais respostas dele
quando estivermos sozinhos.
Lo me beija na testa de novo.
— Vai, te vejo de manhã.

Quebrando o Gelo- Hannah GraceOnde histórias criam vida. Descubra agora