Capítulo 24

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Capítulo 24
Nathan

Quando acordei hoje de manhã, dar carona para Tasi e Russ depois de
um encontro em um café parecia tão improvável quanto eu me tornar um
patinador artístico, mas aqui estou.
Leva cerca de trinta segundos para o pânico bater. A pequena ruga entre
as sobrancelhas dela aparece, como todas as vezes em que ela começa a
pensar muito.
— Eu vou dar trabalho, Nate — diz ela com uma voz trêmula. — Eu sei
que você acha que Aaron é mandão comigo, mas não é assim. Às vezes a
gente tem brigas no meio do gelo.
Eu me aproximo dela, coloco uma mecha de cabelo atrás da orelha e
seguro seu rosto de leve.
— Por que você está me falando que dá trabalho como se eu já não
soubesse disso?
A linha fica mais funda, mas ela solta uma risadinha. Para mim, a
segunda-feira começou maravilhosa, ficou uma merda e agora parece que
vai terminar bem. Eu não sei de onde veio essa minha ideia; acho que
cheguei ao meu limite de vê-la chateada.
Não sei se vou me dar bem nisso, mas não vou derrubá-la, e é disso que
ela precisa.
— Você não faz ideia do que está prometendo. — Ela esfrega o rosto na
minha mão e suspira. — E se não gostar mais de mim no fim disso tudo?— Anastasia, eu não gostar de você daqui a oito semanas não é algo com
o que você precise se preocupar. Mas saiba que, se eu perder um jogador,
vou esperar que você se voluntarie para jogar hóquei. Acho que a sua
hostilidade funcionaria muito bem no time.
Eu consigo segurar o braço que voa na minha direção e puxo até
Anastasia passar por cima do console e se sentar em mim.
— Quando você sair deste carro, seremos parceiros, e não vou poder te
tocar até janeiro — explico. — Se eu soubesse que hoje de manhã seria a
última vez que iria te beijar, teria feito coisa melhor. Saideira?
— Você não tá falando sério.
— É claro que estou falando sério. Se você não tivesse bebido, eu teria
pedido para te comer no banco de trás. Então, um beijo é mais tranquilo.
Revirando os olhos, ela se aproxima e para a poucos centímetros dos
meus lábios.
— O seu charme é impressionante, Hawkins.
Enfiando as mãos no cabelo dela, eu a beijo com tudo que tenho em
mim. É um momento estranho, que parece ser o começo e o fim de algo, e
quando seus quadris rebolam sobre mim, não sei se fico feliz ou triste.
— Ainda posso pensar em você quando bater uma, né? — pergunto
quando ela começa a sair do carro. — Ou isso é contra as regras? — Por
favor, que não seja contra as regras.
Ela ri tanto que chega a roncar. Como um porquinho.
— Se vale pra você, vale pra mim. Eu sempre penso em você.
Combinado?
Mas que merda. Eu assinto, sem conseguir falar, porque meu cérebro
começa a imaginar uma cena muito inapropriada.
As próximas oito semanas vão ser terríveis.
Quando chego em casa, todo mundo já sabe, porque Tasi mandou
mensagem para Lola. Eu liguei para Faulkner do carro; ele disse que acha
que isso vai ser bom para a minha reputação, e disse que vai preparar uma
dieta para eu perder peso. Patinação no gelo vai contar para o meu tempo de
treino no rinque, então acho que ele gosta do meu plano. Acho, porquedepois ele me chamou de menino mais bizarro que já precisou aturar e me
disse para me divertir usando legging.
Lo colocou todos os caras sentados ao redor da mesa do escritório para
dobrarem panfletos da apresentação do clube do teatro de Hamilton. Assim,
fica mais fácil contar para todo mundo a história inteira ao mesmo tempo,
mas faz a risada ser dez vezes mais alta.
— Já que você é tão bom em ajudar as pessoas com seus trabalhos, pode
sentar aí. — Ela me entrega uma pilha de papéis para dobrar e aponta para a
cadeira ao lado de Mattie. — Mal posso esperar para te ver de legging,
Hawkins.
— Estou mais preocupado com ele ficar de pau duro — complementa
Henry, se concentrando em alinhar as pontas do panfleto. — Ele fica tarado
que nem um coelho perto da Tasi.
— Nossa, valeu. Que nada, não vai ter nada disso. Ela quer se certificar de
que não vai se distrair. Apenas amigos.
A risada começa de novo; imagino que vou ouvir muito isso ao longo dos
próximos dois meses.
A primeira descoberta desta minha aventura como patinador artístico é
que minhas aulas de terça bateram com as da Anastasia, e nós dois saímos às
14h. Era para estarmos estudando, mas acabamos de chegar no shopping de
Maple Hills.
Sabe quando tem um botão vermelho em um filme, mas ninguém pode
tocar nele, e você grita com a televisão quando alguém acaba fazendo isso?
Anastasia é meu botão vermelho. Eu sei que não deveria tocar nela, mas eu
quero, e ela vai gritar se eu fizer isso.
Ela está tão bonita agora, explicando cuidadosamente a importância de
usar a roupa certa para patinar.
— Para de olhar para a minha boca e presta atenção — resmunga ela.
— Estou prestando atenção. Ainda não entendi por que não posso usar
calça moletom.
— Porque não, tá? Vamos comprar leggings.
Tão bonita.— Sim, senhora.
A primeira loja não tem nada para homens, a segunda não tem nada que
passa das minhas coxas, mas a terceira é perfeita.
— Que tal essas? — pergunta ela, mostrando um par do meu tamanho.
— É de oncinha, Anastasia.
— Eu sei. O que achou?
Eu ergo minha sobrancelha e me apoio em uma arara.
— Bom, o fato de que a estampa é de oncinha não é suficiente? Por que
não deixamos de lado as estampas de animais para acelerar o processo?
Assim que ela se prepara para responder, somos interrompidos por uma
ligação no meu celular.
Pai. Rejeitar.
Coloco o celular de volta no bolso, e ela levanta outro par quando a olho.
— Então estampa de zebra também está proibida?
— Exato.
— Tem certeza? Suas coxas iriam ficar ótimas nelas.
— Se você quer ver minhas coxas, posso patinar de cueca. Problema
resolvido. Vamos comer? — Ela nem se dá o trabalho de responder. — Acho
que isso é um não.
Procurando por um universo de leggings pretas sem estampas de bichos,
encontro algumas do meu tamanho. Ela fica resmungando e reclamando das
minhas roupas “sem graça”, e saímos da loja.
Quando vou pegar na mão dela, paro na hora, então finjo me espreguiçar.
Andamos em silêncio até a praça de alimentação e, pela expressão em seu
rosto, percebo que tem alguma coisa a incomodando. Quando estou prestes
a perguntar, meu celular toca de novo.
Pai. Rejeitar.
Nos sentamos a uma mesa mais afastada, onde é mais silencioso, e ela
ainda está com aquela expressão.
— No que está pensando, zangado?
— Na NHL.
Inesperado.— Sou a favor da diversidade no esporte, Tasi, mas acho que você é meio
pequena para ser jogadora de hóquei — brinco. — Por que está pensando na
NHL?
— Estou pensando em como vai ser meu último ano, já que você vai pro
Canadá para lutar contra alces ou algo assim. — Ela dá de ombros e sorri. —
É besteira. Deixa pra lá.
— Fico impressionado que você ache que eu consiga lutar contra um alce,
mas não acho que costumam frequentar o centro de Vancouver. — Dou uma
risada. — Não sei se você sabe disso, mas tem voos de Los Angeles para
Vancouver. Se quiser fugir da rotina um pouco e me visitar.
Ela está prestes a responder e a porra do meu celular toca de novo.
Pai de novo. Eu rejeito, de novo. Ela passa a mão pelo cabelo e suspira.
— Você pode atender o celular na minha frente.
— Eu sei.
— Eu não vou surtar se você conversar com outra mulher. — Ela coloca
os cotovelos na mesa e apoia a cabeça nas mãos. — Só porque não pode me
comer não quer dizer que não pode comer mais ninguém.
Reviro os olhos e empurro o celular pela mesa.
— Três-nove-nove-três.
Imediatamente ela nega com a cabeça e tenta empurrar o celular de volta.
— Nathan, eu não preciso…
Eu mesmo digito os números, já que ela parece querer respeitar minha
privacidade. Eu a vejo lutar contra si mesma antes de finalmente olhar para a
tela do meu celular e ver a palavra Pai enchendo meu histórico de ligações.
— É complicado.
— Ah, ok, bom… — ela se enrola para falar. — Eu estou falando sério.
Tipo, eu não espero que você fique na seca por dois meses.
Rindo, eu vejo os olhos dela se arregalaram, inseguros.
— Estamos prestes a passar tanto tempo juntos, Anastasia. Vou ser seu
empata-foda sempre que conseguir. Você pode fazer o que quiser, claro. Mas
boa sorte tentando transar com alguém além de mim.
Os olhos dela ficam brilhantes, e vejo o rosto ficar vermelho na hora.
— Era para isso ser fofo? Parece um pouco possessivo e tóxico.Os cantos da minha boca sobem. Estou amando esse dia.
— Nem vem com essa. Eu vi o que você tem na sua estante, safada. — Ela
fica de boca aberta. — Agora, o que quer comer?
— Estou bem. Vou comer quando chegar em casa, mas pode comer o que
quiser.
— Você tem alguma coisa contra comer fora?
— Não, mas preciso seguir minha dieta.
— Dieta? — Qualquer um que passe um tempo com Anastasia consegue
ver que ela tem um relacionamento difícil com comida. Eu juro que metade
das vezes em que ela está de mau humor é porque está com fome.
— Aaron e eu temos um plano alimentar. Eu preparo todas as minhas
refeições ao longo da semana; temos que ser organizados.
— É legal que você seja tão disciplinada — digo com cautela. — Nutrição
é uma parte importante do meu curso, então faço muitos desses planos
alimentares. Eu adoraria olhar o seu, se não se importar.
Ela mete a mão na bolsa e puxa meu pior inimigo: o planner. Passa pelas
páginas até achar uma folha de papel e me entrega.
— Fique à vontade.
Cacete. Folhas. Legumes. Um pouco de proteína. Salada. Eu pego o
celular e abro a calculadora para fazer as contas.
— Quem montou este plano alimentar?
— Aaron.
A resposta é tão surpreendente quanto decepcionante. Primeiro, estou
em choque. Minha opinião sobre Aaron Carlisle não é boa e sinto que tenho
motivos para isso, mas isso aqui é bizarro pra cacete. Ou ele não sabe nada
sobre nutrição, ou faz isso de propósito.
— Anastasia, você está subnutrida. Não está nem perto de ingerir o que é
necessário para viver.
Estou tentando não fazer parecer que estou dando uma lição ou julgando;
ela não tem culpa. Ela pega o papel e relê tudo.
— Como assim?
— O seu corpo queima calorias para te manter viva. Então você precisa
abastecê-lo. Alguém que queima tantas calorias quanto você, com apatinação e o treinamento, precisa comer muito mais do que isso para que
seus músculos se recuperem.
— Eu estou bem.
— Não comer o bastante faz com que você tenha tendência a se
machucar e desenvolva problemas sérios de saúde. Você sempre ficou com
hematomas tão fortes quanto os que tem agora?
A mente dela está voando. Está paralisada, tentando entender o que estou
dizendo.
— Talvez? Não sei.
Eu percebi há algum tempo que ela sempre está cheia de machucados.
Presumi que fossem das quedas e tal, mas agora que vi de perto, percebo que
são bem feios.
— Machucados assim podem ser um sinal de falta de nutrientes. Você
fica cansada com frequência? Irritadiça sem motivo? Mudanças no seu ciclo
menstrual?
— Caralho, Nate. — Ela bufa e olha ao nosso redor para ter certeza de
que ninguém está ouvindo, e fala mais baixo. — Estou cansada, ansiosa e
irritada porque me esforço para cacete. Com certeza você sabe melhor do
que ninguém que isso faz parte.
— Tasi…
— E falando do meu ciclo menstrual, que não é da sua conta, tomo um
anticoncepcional que para a menstruação por completo. Faz anos que não
menstruo.
Ela cruza os braços e se recosta na cadeira. Revolta, irritação, um traço de
incerteza. Não era minha intenção deixá-la chateada, mas também não vou
permitir que coma assim.
— Quase não tem carboidratos nessa dieta.
— E daí?
— Você precisa de carboidratos, Tasi. Não estou pedindo para você se
encher de McDonald’s, mas você precisa de mais calorias, meu bem. Posso
preparar um plano novo para você; vamos mostrar os dois para Brady e
deixar ela escolher.
— Tá. — Ela dá de ombros. — Tanto faz.— Ryan já viu esse plano alimentar?
Ela franze o cenho.
— O quê? Não. Por quê?
Aquela ligação no mês passado me volta à mente, e faz tempo que quero
perguntar a respeito do que Ryan disse, mas não tive uma oportunidade
depois de tudo que aconteceu.
— Ryan disse uma vez que Aaron estava tentando controlar o que você
comia.
Ela revira os olhos.
— Ignora ele. Ryan me faria comer KFC toda noite, o que é absurdo. Eu
não tenho o metabolismo dele. Aaron diz que tem dificuldade para me
levantar às vezes, e isso deixa Ryan irritado.
Caralho.
— Ele disse que tem dificuldade para te levantar?
— Quando eu não sigo o plano alimentar, sim. Às vezes meu peso varia
um pouco.
Passo a mão pelo rosto para controlar a raiva que me sobe. Isso de dividir
o rinque não inclui apenas o gelo, mas a academia também. Eu já vi Aaron
levantar, com facilidade, o dobro do peso da Anastasia. Ele pode não ser
grande, mas é forte.
— Ele é completamente louco, Tasi.
— Você está sendo dramático.
— Eu não quero discutir isso porque não é sua culpa. Mas esse cara está
te controlando, e mostrar isso aqui para Brady vai ser a prova de que você
precisa.
Ela bufa e esfrega as têmporas, de olhos fechados.
— Você está me dando dor de cabeça.
— É porque eu me importo com você.
— Pode se importar de um jeito que não vai me causar problemas?
— Vamos dar um jeito nisso juntos, eu prometo.
Ela estica a mão por cima da mesa, a coloca sobre a minha e aperta de
leve.
— Vou pegar comida pra gente, já volto.Estou tentando não pensar em como a voz dela fraquejou quando disse isso.

Quebrando o Gelo- Hannah GraceOnde histórias criam vida. Descubra agora