Capítulo 6

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Nathan

As últimas três semanas foram as mais estressantes da minha vida.
Aaron Carlisle — nossa, até o nome dele é de gente babaca — fofocou
para Deus e o mundo. Inclusive para a treinadora dele, que contou para o
nosso treinador, que ameaçou começar a arrancar nossos membros se não
contássemos o que aconteceu.
Ultimamente tenho passado mais tempo ouvindo gritos do que jogando
hóquei. Os caras que destruíram nosso rinque são do time de hóquei da
UCLA, nossa equipe rival. Aaron estava falando parcialmente a verdade: a
moça está grávida, mas Russ não tem nada a ver com isso.
O coitado não sabia de nada. Ele achou que estava ficando com a
namorada de alguém. Quando o irmão mais velho dela descobriu sobre a
gravidez, ela entrou em pânico e jogou a culpa em Russ. Pelo visto, é mais
fácil culpar um estranho, e acho que ela não imaginou que o irmão viria até aqui destruir nossa arena.
Russ envelheceu uns dez anos desde então. O alívio em seu rosto quando
lhe contamos a história real foi inacreditável. Faulkner e eu tivemos uma
reunião com o treinador e o capitão da UCLA e eles nos contaram tudo. Eu
conheço o capitão, Cory O’Neill, há anos, e ele estava tão puto quanto eu.
Eu me senti em um desses programas de TV de baixo nível que revelam
resultados de testes de paternidade — ou um desses em que famílias com
problemas fazem um grande barraco no palco. Como deve imaginar,
estamos em maus lençóis com Faulkner. Ele disse que a próxima pessoa que
fizer algo irresponsável vai ficar no banco para o resto da temporada. E que
não estava nem aí para o efeito que isso teria em nossas carreiras depois da
faculdade. Ele iria entregar todos os jogos até aprendermos a lição.
Vou passar o resto do ano bem-comportado, porque não sei se o time de
Vancouver ainda vai me querer se for expulso ou desmembrado, e não volto
para o Colorado depois da faculdade nem fodendo.
É muito clichê ser um cara que cresceu com vários privilégios e tem
problemas com o pai? Sim. Em minha defesa, meu pai é um grande otário.
Tenho certeza de que ele não me abraçou o suficiente quando eu era criança,
e agora está causando problemas para mim e minha irmã.
Por sorte, consegui me mudar para o outro lado do país, mas a coitada da
Sasha, aos dezesseis anos, ainda está presa lá com ele. Mesmo quando fizer
dezoito, duvido que ele deixe minha irmã ir embora. Ela vai ser sempre um
prodígio do esqui pouco apreciado e sobrecarregado.
Meu pai está disposto a contratar qualquer treinador do hemisfério norte
para que Sasha seja a próxima Lindsey Vonn. De preferência, sem se
machucar, mas não sei se ele está preocupado com a segurança dela. Ele só
quer que ela ganhe.
Ainda bem que odeia hóquei. Esporte irresponsável e violento para pessoas
que não têm disciplina e gostam de caos, é o que ele diz. Foi minha mãe que
me inscreveu para o time do sr. H, tantos anos atrás. Ela estava grávida de
Sasha na época e precisava de que seu filho de cinco anos gastasse energia
em outro lugar.
Eu não criei gosto pelo esqui como meu pai queria, e posso dizer, com
orgulho, que o decepciono todos os dias desde então. Ele nem ficaria
surpreso se soubesse o que aconteceu, mas para isso eu teria que atender
suas ligações, e isso não é algo que costumo fazer.
Além do mais, ele daria um jeito de dizer que é tudo minha culpa.
Robbie me encara com tanta intensidade que quase faz minha pele arder,
o que chama minha atenção.
A coisa que mais gosto de fazer na vida é irritá-lo, e isso me faz entender
por que JJ gosta de ser um babaca. Robbie joga coisas no chão, bate com o
celular no controle da TV para fazer barulho, e depois de dez minutos sem
resposta, ele começa a tossir alto.
Mantenho o olhar fixo na TV e me controlo para não reagir. Mike Ross
está prestes a resolver mais um caso quando Henry me dá uma cotovelada.
— Robbie está tentando chamar sua atenção. Está ignorando ele de
propósito?
— Boa pergunta, Henry. Obrigado — grita Robbie de forma dramática.
— Está me ignorando de propósito, Nathan?
Quando finalmente olho para ele, Robbie me encara como uma mãe
decepcionada.
— Desculpa, cara. Quer alguma coisa?
Robbie resmunga algo baixinho, seguido por um suspiro alto.
— Você já planejou minha festa de aniversário?
— Quer dizer a sua festa surpresa de aniversário? Aquela que você disse
com todas as letras que não queria ficar sabendo de nada? Pra que fosse uma
surpresa de verdade?
Seis semanas atrás, Robbie me disse que queria uma festa surpresa de
aniversário, sob o argumento de que dar festas era muito estressante e
cansativo. Ele não queria ter que lidar com os problemas do seu próprio
aniversário, então era minha responsabilidade fazer isso. Eu disse que, se
dava tanto trabalho assim, ele deveria parar de organizar festas. Ele me
chamou de idiota e disse que eu deveria me comportar como adulto.
— Se a surpresa for que você não fez nada ainda, eu não quero nem
saber.
Henry se levanta na hora, seus olhos disparam entre mim e Robbie, e
então ele corre em direção às escadas. Robbie assiste à cena, com os olhos
semicerrados, e depois olha de novo para mim. Eu dou de ombros, fingindo
não saber que Henry estava preocupado em estragar a surpresa há semanas.
O cara não consegue mentir e se convenceu há alguns dias de que não ia
aguentar muito mais.
— Você precisa relaxar, Robert — digo, usando o nome completo para
irritá-lo um pouco mais. — Estresse não faz bem pra pele.
Acho que o assunto morreu aqui, porém ele coça o queixo e solta um
“hum”. Não é como se o sr. Confiança tivesse dificuldade com as palavras, e
isso finalmente chama minha atenção, como ele queria.
— Você… você chamou a Lola?
Hum, interessante.
— Quem?
Eu desvio por pouco da almofada que ele jogou em mim.
— Não seja um filho da puta, Nathaniel. Você sabe quem.
Três semanas atrás, quando eu estava estragando tudo com Tasi, Robbie
estava se aproximando da melhor amiga dela. Ele não contou o que
aconteceu, dizendo ser um cavalheiro, mas é difícil não criar teorias, tendo
em vista que ela foi embora no sábado à tarde vestindo uma das camisetas
dele.
Não a vi desde aquele dia, então achei que tinha sido algo casual, mas a
julgar pela expressão dele, talvez esteja enganado.
— Você quer que ela vá? No cenário fictício de que hipoteticamente vá
ter uma festa?
— A gente tem conversado. Então, sim. Hipoteticamente.
Robbie tem jeito com as mulheres, mas não dá para negar que ele não
perde tempo antes de ir para a próxima. O fato de que está conversando com
ela, e não ficando, é um bom sinal.
— Entendi. Pronto pro treino? — pergunto, mudando de assunto, antes
que eu revele algo sobre a festa.
— Beleza, vou só pegar meu suéter.
Merda. Agora tenho que dar um jeito de fazer a Lola vir aqui.
JJ vem correndo pela rua bem na hora em que estou colocando a cadeira
de Robbie no porta-malas. Aperto o botão para abaixar as portas tipo asa de
gaivota, me posiciono no assento do motorista e engato a ré, o que faz todas
as portas trancarem automaticamente.
Ele bate na janela, bufando e murmurando algo inaudível. Eu baixo a
janela para ouvi-lo.
— Não vai sem mim, seu otário.
— Corre! — grito ao vê-lo correndo para dentro de casa para pegar suas
coisas. Me sentiria mal por ele se não soubesse que estava com uma das
líderes de torcida do futebol americano até agora.
Essa situação toda de dividir o rinque quer dizer que estamos treinando
em horários diferentes. Já que, tecnicamente, o espaço é deles, a treinadora
Brady exigiu que nos organizássemos de uma maneira que não afetasse a
rotina de treinos dos patinadores. Muitos deles têm competições em breve, e
ela argumentou que não havia margem para negociações.
Aubrey Brady é uma mulher assustadora e tinha Faulkner na palma da
mão. Assim que descobriu o motivo de o rinque de patinação ter sido
destruído, convenceu Skinner a fazer tudo o que ela queria, então está
totalmente no comando.
Eu entendo, está priorizando seus atletas. Mas ter que passar por um
climão com Tasi todo dia era cansativo. Vê-la toda linda, patinando, todo
dia, era cansativo. Vê-la brincar e rir com o parceiro de patinação babaca
era, você adivinhou, cansativo.
Muito.
Ela sempre olha para mim como se quisesse me tacar fogo, isso quando
olha para mim. Essa menina sabe como guardar rancor contra todo mundo,
menos Henry, pelo visto.
Semana passada, Henry viu Anastasia estudando sozinha na biblioteca.
Comprou um café para ela, explicou toda a história envolvendo Russ, pediu
desculpas, disse que entendia completamente por que ela estava chateada, e
agora ele é o único que se dá bem com ela.
— Por que você sempre corre atrás das garotas que não gostam de você?
— perguntou Henry quando ela passou pisando forte por nós um dia e deu
um sorriso apenas para ele. — Summer, Kitty, Anastasia… Por quê?
— Nossa, Hen — falou JJ, se engasgando com a água. — Acordou
chutando cachorro morto hoje, hein?
— Não sei, irmão — admiti, passando o braço sobre seus ombros quando
os rapazes começaram a rir. — Encontra uma menina legal que também
goste de mim, e eu tento mudar.
JJ riu.ntro, depois saio correndo até a porta. Anastasia está guardando os patins
na bolsa quando entro — os olhos dela se levantam com o barulho, mas sua
expressão fecha quando ela percebe que sou eu.
Maravilha.
Eu me sento no banco, ao lado da bolsa dela, e limpo a garganta.
— Anastasia?
Seu olhar encontra o meu, e, na mesma hora, seus lábios formam um
bico.
— O que você quer?
— Preciso de um favor.
— Não.
— Você nem ouviu o que é.
— Não preciso. Não é não.
— E se eu dissesse que é algo superimportante para a felicidade dos
nossos melhores amigos?
Ela suspira, algo com que já estou acostumado, e coloca as mãos na
cintura.
— Tá bom. Pode falar.
— O aniversário de vinte e um anos do Robbie é sábado, e vou fazer uma
festa surpresa pra ele. Ele quer que a Lola vá. Pode falar com ela? Você é
bem-vinda também, claro.
— Tá.
Sucesso, acho.
— Massa, valeu. É uma festa temática de Las Vegas, então é traje formal.
Open bar, mesas de pôquer... vai ser legal. Espero que vocês venham; Robbie
vai ficar muito feliz.
— Ok. — Ela sai andando em direção à saída, e os rapazes entram na
mesma hora. Ela toca no braço de Henry e solta um “oi” baixinho, e ele fica
vermelho de novo.
Quando ela se afasta, JJ me dá um mata-leão, rindo enquanto tento me
soltar.
— Você tá vacilando, Hawkins. Vai perder a garota para o novinho ali.
— Não tô tentando ficar com ela — responde Henry na hora, coçando o
queixo, nervoso. — Eu só sou legal com ela, sabe, pra ela ser legal com a
gente também. Ela tem namorado, de qualquer forma.
— Eles são parceiros de patinação, não namorados. Ela não tem
namorado. Ela mesma me disse.
Henry balança a cabeça.
— Não é ele, é o Ryan Rothwell. Eu vi os dois abraçados na semana
passada.
— Isso não quer dizer que estão juntos, Hen. Se fosse o caso, Kris e
Mattie estariam namorando metade do corpo estudantil — brinca Robbie.
— Eles estavam se beijando, e ele tava com a mão na bunda dela —
complementou Henry.
Mas que ótimo.
Aaron ainda está matando tempo no gelo quando chegamos para
começar o treino. Ele é um babaca do caralho e eu não suporto esse cara.
Não tem nada a ver com Tasi — ele me passa uma vibe ruim, e isso é o
suficiente. Claro, o fato de que ele nos sacaneou espalhando fofoca não ajuda
em nada.
Sei que disse que não tem nada a ver com ela, mas uma das coisas que eu
não gosto é como ele fala com Anastasia quando patinam. Eu dei o benefício
da dúvida para o cara na festa, porque ele estava claramente bêbado, mas
por causa das aulas, muitos dos treinos deles são antes ou depois dos nossos.
Quando chegamos cedo ou estamos terminando, escuto Aaron gritando
com ela para não errar novamente, ou dizendo, do jeito mais
condescendente possível, que um dia ela vai conseguir fazer qualquer coisa.
É uma merda, mas não é da minha conta. Ela não é o tipo de mulher que
precisa de um salvador, e se eu tentar fazer isso, provavelmente vou fazê-la
gostar menos ainda de mim.
Ao nos ouvir chegando, ele finalmente vai para uma parede e dá um
sorriso muito arrogante ao me ver. Ele nem abriu a boca e já está testando
minha paciência. Tenho certeza de que me sentiria melhor se desse um soco
na cara dele. Mas ao se lembrar do que Faulkner falou sobre me comportar,
apenas respiro fundo. Viu? Eu posso me comportar como adulto.
— Ela não vai dar pra você. Tá perdendo seu tempo.
— O que disse?
Não bate nele. Não bate nele. Não bate nele.
— Você ouviu. — Ele se senta no banco e começa a tirar os patins, sem
olhar para minha expressão de choque.
O pessoal está arrastando os gols para o gelo e Robbie está conversando
com Faulkner. Caso contrário, eu perguntaria para eles se estava ouvindo
direito o que esse imbecil disse.
— Talvez você pense que ela tá se fazendo de difícil, mas não. Ela tem um
coração de gelo e vai te enrolar do mesmo jeito que faz com Rothwell, então
é melhor nem tentar.
Que cara insuportável.
— Você é um merda, sabia? — respondo confiante.
Ele joga um dos pés dos patins na bolsa, começa a tirar o outro e então
olha para mim com um sorriso no rosto.
— A verdade dói, amigo.
— Eu tô longe de ser seu amigo. — Cerro os punhos, juntando forças
para me controlar. — E da próxima vez que falar dela assim, vai ter que catar
seus dentes do gelo.
Ele me dá um sorriso arrogante de dar ódio. Meus dedos estão brancos,
meus punhos estão fechados com força, mas ele não se afeta e até esbarra em
mim quando passa. Quando chega perto da porta, se vira para mim.
— Vou me divertir assistindo ela te fazer de idiota como faz com todo
mundo. Bom treino.

Quebrando o Gelo- Hannah GraceOnde histórias criam vida. Descubra agora