Capítulo 37

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Anastasia

Eu sinto um desejo quase incontrolável de dizer que eu o amo toda vez que
ele olha para mim, e não sei como parar.
Estou com medo de deixar isso escapar e acabar estourando a bolha de
felicidade em que estamos vivendo.
Tenho certeza de que todo novo relacionamento começa com você
achando que seu parceiro é perfeito, mas o meu é. Ele é atencioso e
carinhoso, me valoriza e faz o que pode para me fazer feliz. Não de um jeito
materialista ou exagerado, e sim ficando ao meu lado e tentando fazer
minha vida melhor. Não imagino que existam muitos homens, ainda mais
na faculdade, que vão ver as piores partes de você e ainda assim te querer.
A ironia é que, se eu lhe dissesse isso, ele me diria que não tenho partes
ruins.
Mas eu tenho, e sinto como se elas estivessem expostas e sendo jogadas
na minha cara há semanas, como uma forma de me destruir. Estar aqui com
Nathan, longe de todo mundo, faz eu sentir que posso finalmente respirar,
segura de que não vou ser atacada de novo. Uma parte de mim não quer
voltar para Los Angeles, mas, de certa forma, acho que a bolha vai estourar
assim que o pai de Nate — meu novo arqui-inimigo — chegar em casa.
Não consigo imaginar como deve ter sido crescer assim. Olhar para os
jardins pela janela da cozinha com Nate me deixou sem palavras. O terreno
estava coberto de neve, mas ainda dava para ver como é grande.Por mais incrível que seja, também parece muito vazio, e eu faria
qualquer coisa para ver uma foto de bebê de Nathan. Qualquer coisa.
O resort de esqui está na família dele há gerações, passado de pai para
filho. Nate prefere ser chamado de Nate ou Nathan, mas seu nome completo
é Nathaniel, em homenagem ao avô de muitas gerações atrás que fundou o
resort.
Nate não tem interesse em assumir a empresa; ele odeia que esse fardo
esteja sendo jogado sobre ele porque é homem e questiona por que ele iria
querer uma estação de esqui, sendo que a irmã é um prodígio no esporte?
Ele resmungou algo sobre patriarcado e voltou a fazer o que estava fazendo
antes.
O resort fica a apenas quinze minutos daqui, e consigo ver o topo dos
prédios da janela do quarto dele. Nate disse que não posso esquiar durante a
viagem porque nunca fiz isso. Ele não quer arriscar que eu me machuque
quando existe a possibilidade de haver uma competição mês que vem. Ele
disse que podemos voltar em outro momento, e ele vai me levar na pista de
iniciante, onde ficam as crianças.
É bom ouvir ele falar sobre planos pro futuro, e posso fingir que não sei
por quê, mas não adianta mais negar. Tudo que ele diz me faz derreter, e na
maior parte do tempo não sei como reagir, então eu o beijo, depois as coisas
esquentam e, quando dou por mim, estou gritando o nome dele e vendo
estrelas.
O pau de Nathan tem uma menção honrosa nessa lista de benefícios. A
boca dele também, e os dedos. Eu já mencionei o corpo dele? E o rosto.
Nossa, eu deveria dizer tudo isso pra ele e depois dizer que o amo e
depois encontrar um lugar nesta casa imensa para me esconder.
Eu poderia me esconder por dois dias até ele me encontrar.
— Você tem interesse em se vestir?
Eu não respondo na hora, fingindo que estou pensando no assunto, que
não tenho certeza de que a resposta é nem um pouco.
— O problema não é me vestir. É saber que vou ter que tirar a roupa
depois.— Se eu prometer tirar a sua roupa mais tarde, pode se vestir e vir
comigo?
Eu dou o dedo mindinho para ele, fazendo uma promessa.
— Só porque você prometeu.
Me vestir é muito mais fácil do que tirar a roupa e, dez minutos depois,
Nate está me arrastando para o quintal com patins nas mãos.
— Não acredito que essa é a primeira vez que vai fazer isso.
Quando Nathan disse que poderíamos patinar no lago congelado no
quintal, achei que ele estava exagerando, que iríamos patinar em um
laguinho, mas eu deveria aprender a não subestimá-lo, porque isso não é um
laguinho.
Não sei onde termina porque a água parece formar pequenos riachos no
meio das árvores. Nate mexe no celular até “Clair de lune” começar a tocar,
então me lança um sorriso que me faz derreter.
— Dança comigo?
Praticamos a minha coreografia até meu corpo doer e eu não conseguir
ver mais nada além do ar na minha frente. É diferente e refrescante estar em
um espaço aberto enquanto patinamos, mas falta alguma coisa. Eu fico
pensando no que pode ser, então saco qual é a resposta.
Brady. Não tem ninguém gritando com a gente.
— Espera aqui — diz ele, patinando até a casa de novo. Ele reaparece logo
em seguida, segurando dois tacos de hóquei e um minigol. — Vamos usar
toda essa raiva que você tem de um jeito produtivo, Allen.
Eu não esperava descobrir que sou péssima jogando hóquei nesta viagem,
ainda mais considerando a minha companhia aqui.
Não estou acostumada a ser ruim nas coisas, ainda mais sobre o gelo.
— Pare de fazer bico — ele me provoca e enfia a cabeça no meu pescoço,
a boca quente contra o vento gelado.
Eu não paro de fazer bico, nem quando ele me deixa fazer dois gols.
— Você não sabe perder, Tasi.
— Você é um jogador de hóquei da Primeira Divisão! E você é imenso, e
tapa o gol inteiro! — grito mais alto do que a risada dele.Ele patina para perto de mim e gruda nas minhas costas, segura o taco
comigo e encosta a bochecha rosada ao lado da minha.
— Prática leva à perfeição, Anastasia — sussurra ele, batendo o disco que
vai ao fundo da rede.
Ok, isso me deixou excitada.
— Vamos entrar; vai escurecer daqui a pouco, e dá pra ver que você está
ficando irritada de fome. — Ele beija minha têmpora e pega o taco da minha
mão.
— Estou começando a achar que você me conhece bem demais, Hawkins
— suspiro enquanto giro para abraçá-lo. — Eu acho que vou ficar com a
patinação mesmo.
O rosto dele está corado por causa do frio, a ponta do nariz vermelha, os
olhos brilhantes. Eu amo vê-lo na casa onde cresceu, sorrindo, me
ensinando algo que ele ama.
Ele se aproxima para beijar o topo da minha cabeça coberta por uma
touca.
— Claro que te conheço bem, Anastasia. Você é minha matéria favorita.
Nate insistiu que queria fazer o jantar, então não tenho nada para fazer
além de me sentar na frente da lareira, vestindo meu pijama de boneco de
neve, bebendo um vinho chique da adega.
Depois de jantar e ficarmos no sofá assistindo a Esqueceram de mim 2,
percebo que estou um pouco bêbada. Um pouco é bom, um pouco é
divertido, e quer dizer que meu rolo da câmera está cheio de fotos
espontâneas de Nathan andando por aí com o pijama de rena, e eu não
consigo parar de rir.
Quando eu fico realmente bêbada é que temos um problema, porque me
torno absurdamente melosa, e tem um risco real da Tasi Bêbada confessar
seus sentimentos. E, sim, eu consigo ver a ironia de sempre estar
encorajando as pessoas a se comunicarem e compartilharem, mas não
conseguir dizer para o meu namorado que eu o amo.
Nathan bebe sua cerveja, erguendo um pouco mais a garrafa, e eu o
observo como uma stalker. Ele deve sentir que estou olhando, porque olhade volta para mim com os olhos arregalados, depois volta a assistir ao filme.
O cabelo dele está mais comprido agora, e começou a ter alguns cachos se
formando na nuca. É tão lin…
— Por que você está me encarando? — resmunga ele, e me puxa para
perto de si.
A proximidade é mais intoxicante do que o vinho. Ele tem um cheiro
muito bom. Incrível e maravilhosamente bom.
— Anastasia?
Eu suspiro e tomo um gole do meu vinho, prolongando o silêncio. Como
posso dizer o que estou pensando sem parecer que estou obcecada pelo
assunto? Eu estou sim um pouco obcecada, mas ele não pode saber disso.
— É que você é tão lindo, Nathan. Às vezes é muito difícil me concentrar
em qualquer coisa quando você está por perto sendo lindo desse jeito.
Ele arregala os olhos ao ouvir minha confissão e suas bochechas ficam
um pouco vermelhas. Ai, meu Deus, acho que deixei ele com vergonha. Eu
deveria me sentir mais envergonhada do que estou, mas ver o sangue correr
para as bochechas dele enquanto ele evita contato visual e coça o queixo é
bom demais.
— Ah — responde ao segurar minha mão livre e levá-la até os lábios. —
Digo o mesmo, Allen.
O filme termina e ele muda o canal para um programa de esportes, se
esticando no sofá até ficar na horizontal e passando um braço sobre meus
ombros para eu me aconchegar nele. Sinto um frio no estômago quando
olho para ele, tão relaxado e feliz. Isso parece uma prévia do meu futuro,
ficar agarradinhos assistindo a um jogo de hóquei e bebendo vinho em uma
casa cercada de neve.
— Você já pensou em voltar a morar no Colorado? — pergunto.
— Não.
— Por que você odeia tanto o seu pai? — Meu Deus, estou fora de controle
esta noite. Qual é o meu problema? — Me desculpa, não precisa responder.
Eu sei que já me contou algumas coisas, mas parece que tem mais.
Ele estica o braço e coloca uma mecha de cabelo atrás da minha orelha,
parando para segurar meu rosto.— Você pode me perguntar qualquer coisa, Tasi. Não sei se “odiar” é a
palavra certa — explica. — Minha mãe ficou doente por um bom tempo
antes de morrer, e ele contratou várias enfermeiras pra cuidar dela, para que
ficasse confortável, mas ele mesmo mal a via. Ele mergulhou no trabalho.
Betty fazia o jantar e ele aparecia para comer e depois sumia de novo. Via
Sasha nas competições, mas, fora isso, era como se fosse um fantasma.
Seguro a mão dele e aperto de leve. Eu já sabia que a mãe de Nathan,
Mila, tinha morrido de uma doença sanguínea rara quando ele estava no
nono ano.
— Resumindo, ele estava traindo a esposa no leito de morte com uma
instrutora de esqui de vinte e cinco anos que trabalhava no resort. — Sinto
um enjoo ao ouvir essas palavras, e meu coração se parte ao pensar no Nate
adolescente. — Eu suspeitei que isso estava rolando antes mesmo de ela
adoecer. Alguns anos depois, quando Robbie teve o acidente, foi no resort.
Os gastos médicos dele eram absurdos, e os Hamlet tinham dinheiro, um
seguro bom, mas meu pai não quis ajudar, apesar de ser para isso que o
seguro serve.
Eu já sabia que Robbie tinha se machucado em um acidente de esqui,
mas nunca pensei que poderia ter acontecido aqui. Como lidar com isso
quando você é apenas um adolescente?
— Ele tinha certeza de que eles iam abrir um processo e levá-lo à falência;
ele estava tão estranho. Passou semanas se escondendo até que o sr. H não
teve outra opção a não ser contratar um advogado, algo que não queria
fazer. Os Hamlet amavam a minha mãe, e sempre me trataram como um
filho.
— Que horror — sussurro enquanto aperto mais a mão dele.
— Não vou perdoá-lo por isso. Eu acho que agora, anos depois, ele se
sente culpado. Acho que já te contei que meu pai é o dono da nossa casa em
Maple Hills… Ele comprou no final do meu primeiro ano. Ele pagou para a
nossa garagem ser convertida em um quarto para Robbie. Banheiro acessível
para cadeirante e tudo mais. Foi estranho, estávamos com dificuldade para
achar um lugar para morar, e de repente recebemos uma ligação dizendoque ele tinha comprado uma casa na Avenida Maple e que a reforma estaria
pronta antes do início do segundo ano.
— Sinto muito, Nathan. Isso é…. é complicado.
Ele me lança meu sorriso favorito, então me puxa para si, me abraça
apertado e beija minha testa.
— Tudo bem, tem gente que já passou por coisa pior. Não ignoro o fato
de que sou privilegiado e que isso é a definição de problemas de primeiro
mundo. Mas ele me ensinou tudo que um pai não deve fazer… Então nossos
filhos não vão ter esse problema. Espera, não. Eu não quis dizer isso. Meu
Deus.
Agora foi minha vez de ficar vermelha. Ele fica paralisado ao meu lado e
nenhum de nós diz mais nada. Como você responde a algo assim? A Tasi
Bêbada de Vinho não é a melhor pessoa para ter essa conversa porque, por
algum motivo, o que está na minha cabeça não é o que sai da minha boca.
— Eu quero adotar.
Ele aperta o abraço um pouco mais.
— Por mim, está ótimo.
— É o que eu sempre quis, e parir um bebê gigante iria acabar com a
minha vagina. Tipo, destruir completamente.
— Entendido.
Ainda estou meio dormindo quando rolo para o lado e, ao tocar no lado
dele da cama, encontro um papel em vez do seu corpo.
Saí para resolver algo supersecreto, mas não demoro.
Divirta-se bisbilhotando.
N
P.S. Fiz um smoothie pra você, tá na geladeira.
Tenho tantas opções de coisas para fazer que não sei por onde começar.
Começo com o smoothie, e fico no meu novo lugar favorito olhando para o
quintal da casa. Parece um cartão de Natal de tão bonito. Não parece real.Demoro uns dez segundos para entender o que quero fazer. Corro para
pegar meus patins e casaco, então saio pela porta para meu novo rinque
favorito.
Não estou nem dançando, só estou curtindo a paisagem, quando vejo um
cervo me encarando da floresta. Depois de se acostumar a morar em
Washington em meio à natureza e animais selvagens, morar em Los Angeles
é uma merda.
A única vida selvagem de Maple Hills é a avenida onde as fraternidades
ficam.
O bichinho caminha pelo chão congelado, correndo pelas árvores, então
patino para me aproximar. Eu me esqueci de perguntar para onde vai essa
parte do lago, mas parece ter saído de um filme a imagem das gotas
congeladas caindo das árvores.
O cervo continua a me observar em meio às árvores quando chego na
orla da floresta, mas meu celular toca e ele sai correndo. Eu tiro a luva e levo
o celular até a orelha.
— Alô?
— Ei, cadê você? — pergunta Nate. — Acabei de chegar e não consigo te
achar.
— Estou tentando fazer amizade com um cervo, mas a ligação o assustou
— resmungo enquanto olho para as árvores.
— Um cervo? Onde você está?
— Patinando perto da floresta. Eu ia fazer toda uma cena tipo aquela da
Branca de Neve e tal.
— Anastasia, não é seguro…
Mas eu não escuto o resto.
Porque o gelo quebra sob meus pés e a água paralisa meu corpo inteiro
assim que fico submersa.

Quebrando o Gelo- Hannah GraceOnde histórias criam vida. Descubra agora