Capítulo 44

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Nathan

As primeiras duas semanas do trimestre foram um borrão de hóquei,
trabalhos e pânico de que Aaron chateasse Tasi.
Eles começaram a terapia de casal, que não é para casais, alguns dias
depois das aventuras bêbadas dela com Lola, e toda vez Tasi volta para casa
chorando, cansada e sobrecarregada.
É normal, é o que ela me diz. Começar qualquer tipo de terapia é difícil;
ela diz isso com um tom seguro, mas seu desespero por parecer estar no
controle da situação brilha como um farol no meio da noite escura. Mas ela
ainda não me convenceu: está se machucando para perdoá-lo, e eu odeio
essa merda.
Tentamos conversar sobre isso, mas eu fico irritado, o que faz Anastasia
ficar na defensiva. Então deixamos de lado porque não vou passar as raras
noites livres que tenho com ela discutindo sobre Aaron Carlisle. Ela ainda
está morando comigo e ainda chama aqui de casa, mas sua agenda está cheia
de treinos extras, exercícios, terapia com Aaron, terapia sozinha… não acaba
nunca.
Não posso dizer que a minha situação é muito diferente. Quase dois
meses sem jogar hóquei me deixaram enferrujado, apesar do tempo que
passei com Tasi ter me ajudado a patinar melhor. Estou mais leve, mais
preciso. Consigo ver como melhorei quando começa o jogo. Eu queria que
Tasi pudesse ver, mas na semana passada a Arena Dois reabriu, então
voltamos para o nosso rinque.Eu sinto falta dos momentos antes ou depois dos treinos em que a gente
ficava junto, ela me dando uma cotovelada de raspão ou me encarando com
a mão na cintura quando passávamos do horário. Mas ela tem uma
competição na semana que vem, então não ter mais que dividir o rinque
tirou uma pressão dela, e é algo de que eu não posso reclamar.
Tasi disse que não ficou surpresa de ver que Aaron voltou a patinar tão
perfeitamente como sempre; ela diz que está no sangue dele e, com isso,
apesar de todos os seus defeitos, ele nunca a decepciona no gelo. Ela diz que
consegue lidar com todo o resto desde que ele continue patinando.
Não vou fingir que não sinto falta de ser seu parceiro de patinação. Não,
não estou pensando em abandonar o hóquei para ser um patinador
mediano, mas foi divertido e sinto falta do tempo que passamos juntos.
Ficou claro quanto tempo os parceiros passam juntos, ainda mais aqueles
que moram na mesma casa. Pensar que ela passava tanto tempo com Aaron
ou que ele vai preencher tanto espaço assim em nossas vidas me assusta. Eu
sei que não posso ser o parceiro dela, mas meio que queria que pudesse.
JJ e Robbie me disseram para me controlar, e eles têm razão, mas tenho
uma sensação de que algo está errado e ela nunca vai embora. Henry diz que
estou obcecado por Aaron do jeito como Aaron é obcecado por Anastasia,
mas o garoto está do meu lado desta vez, para variar.
É por isso que sei que tem algo muito errado.
Eu me forço a ignorar essas merdas a respeito de Aaron porque hoje foi
meu primeiro jogo de volta ao Titans e eu precisava mostrar serviço. Por um
milagre, eu não fiz merda e ganhamos.
Não sei se eu estava nervoso por estar de volta, nervoso porque Tasi
estava me assistindo pela primeira vez ou porque, quinze segundos depois
de pisar no gelo, Faulkner me disse que ia me mandar de volta para Brady se
eu vacilasse.
Os caras estão empolgados por eu estar de volta no time, e a empolgação
deles é contagiante. Bom, eu não paro para pensar que meu último ano está
voando e que não temos mais muitos jogos juntos.
Tasi trabalhou hoje de manhã, depois teve uma sessão com o Babacão e a
dra. Robeska, então eu não a vi antes do jogo começar, mas consegui osmelhores assentos para ela e Lola. Quando estava separando uma roupa para
substituir a que ia usar no trabalho hoje, Tasi fez questão de levar a camisa
com meu nome.
— Não acredito que você conseguiu me convencer a assistir um jogo de
hóquei — ela brincou, mas sei que estava empolgada.
Foi uma sensação estranha saber que havia alguém na plateia só por
mim. Eu jogo no Maple Hills desde o primeiro ano e ouvi gritarem meu
nome várias vezes, mas era diferente.
Toda vez que eu passava por onde sabia que ela estava, me sentia bem.
Valia a pena ouvir os xingamentos de Robbie toda vez que eu patinava até
ela, colocava a mão no vidro e ela fazia a mesma coisa.
Ele calou a porra da boca dois minutos depois, quando fiz um gol.
Melhor ainda, o pai de Tasi me mandou uma mensagem de manhã para
me desejar boa sorte. Ele disse que achou um bar que iria exibir o jogo,
então ia tomar uma cerveja, ou cinco, depois de Julia forçá-lo a decorar o
quarto de hóspedes. Ele disse que estava falando bem de mim para todo
mundo, então era para eu me esforçar ao máximo. Eu encaro meu celular
por dez minutos antes de conseguir pensar em uma resposta em
agradecimento pelo apoio. Ainda bem que dei um motivo para ele se gabar.
Estou ansioso pra caralho esperando Faulkner terminar a conversa pósjogo.
Ele gosta de fazer isso quando ainda está fresco nas nossas mentes, sem
levar em consideração que queremos sair e comemorar. Mostra o quanto as
coisas mudaram, porque eu me lembro de me sentar aqui, dois meses atrás,
na mesma situação, mas só pensava no hóquei.
— Ok, terminei, vocês podem tirar essas caras de desespero do rosto —
diz Faulkner, finalmente. — Não comemorem demais. Não vou tirar
ninguém da cadeia hoje. Vejo vocês na segunda.
Tasi está encostada na parede, mexendo no celular, quando finalmente
me livro de Faulkner.
Ao sentir eu me aproximando, ela levanta os olhos do celular, me dá um
sorrisão e começa a correr na minha direção. Eu a pego com um braço
quando ela pula e largo do ombro a bolsa, que cai aos meus pés.— Estou tão orgulhosa de você — ela grita, enrolando as pernas na
minha cintura e beijando cada pedacinho do meu rosto. — Eu quero largar
tudo e ser uma esposa de jogador de hóquei. Meu coração não relaxou um
segundo, e quando aquele cara esbarrou no Bobby, eu fiquei putaça! Estava
gritando tanto e nem entendia direito o que estava acontecendo… mas você
ganhou!
Eu a coloco no chão e olho para ela. Caralho, como ela fica linda com
essa camisa; foi mesmo o melhor presente que ganhei.
— Você está bêbada. Por favor, não largue…
— Eu nunca disse que seria a sua esposa. — Ela ri. — E não estou
bêbada! Bom, eu estava, mas o estresse e a empolgação me deixaram sóbria.
Você é bom, Nathan. Eu nem sei nada sobre hóquei, mas todo mundo ao
nosso redor estava falando de você… Ah! E meu pai não parou de me
mandar mensagem.
Eu não sei o que dizer enquanto andamos até o carro, então deixo que ela
recapitule cada segundo do jogo que fez ela se levantar ou gritar com o juiz,
porque, mesmo que ela não tivesse certeza do que estava errado, ela sabia
que seus meninos estavam sendo sacaneados.
— Então, você gostou?
— Eu gostei de verdade, amor.
Os outros caras saíram com Lola antes de eu deixar o vestiário, e o plano
é sair pra beber e comer. Parte de mim queria que estivéssemos indo pra
casa, mas os meninos merecem — não é culpa deles que tenho andado tão
chato esses dias. A caminhada até o carro demora o dobro do tempo normal
porque as pessoas vêm me parabenizar, mas finalmente chegamos lá. Espero
até estarmos a sós para perguntar o que esteve na minha cabeça o dia
inteiro.
— Como foi a terapia com Aaron?
Ela olha para a frente quando dá de ombros, e sua voz falha quando
responde:
— Foi tudo bem, depois a gente fala disso. Vamos comemorar.
A ansiedade que irradia do meu corpo é quase palpável. Anastasia não
consegue disfarçar quando alguma coisa a incomoda. Eu sei que ela não estáme contando algo pelo jeito como seu corpo está tenso, como ela não olha
para mim, como morde o lábio. Me aproximo para segurar a mão dela e
tento manter a voz tranquila:
— Eu quero saber agora. Os meninos podem esperar… Eu quero saber
sobre o seu dia.
Ela se vira no banco para olhar para mim, leva nossas mãos até a boca e
beija os nós dos meus dedos. Seus olhos azuis, que estavam tão brilhantes e
felizes mais cedo, agora estão nadando em algo incerto.
— Por favor, Nathan. Eu não quero falar disso agora. Vamos nos divertir.
— Por que você não quer me falar?
— Porque você não vai gostar — responde ela baixinho. Seu rosto relaxa,
e ela inspira fundo, passando a mão pelo cabelo. — E eu sei como você vai
reagir. Falar com você sobre isso está me deixando ansiosa. Eu quero
comemorar a sua vitória.
Ela está me dizendo que não quer falar sobre isso. Eu ouvi, em claro e
bom som, mas meu instinto já me diz o que ela vai dizer. Se não confirmar
minha teoria, não vou conseguir fazer mais nada hoje.
— Você vai se mudar, né?
Ela suspira, e sei que acertei.
— A dra. Robeska acha que é uma boa ideia. O campeonato nacional é
no próximo fim de semana, e ela acha que seria bom para nós, Aaron e eu,
passarmos a semana concentrados nisso. Nós tínhamos uma sintonia muito
boa quando morávamos juntos e perdemos isso. Ela disse que, mesmo se for
só um teste, agora seria um bom momento para tentar.
Não sei o que sentir quando ciúme, amargura, raiva, preocupação e
mágoa vêm ao mesmo tempo.
— Então a médica que ele escolheu e que ele está pagando acha que você
deveria voltar pro apartamento dele. Que surpresa. Não acredito que você
está caindo nessa.
— Não fale comigo como se eu fosse ingênua, Nathan.
— Não estou fazendo isso. Só não entendo como você não vê o que ele
está fazendo contigo! Como pode perdoá-lo por tudo que ele fez? Todas as
coisas que disse?Sinto como se estivesse sempre me repetindo.
— Você não entende. Você nem tenta entender, só quer que eu corte o
Aaron da minha vida, e eu não posso fazer isso! Isso não é tipo hóquei,
Nate! Não posso simplesmente colocar outra pessoa no lugar dele. Somos só
nós dois, é isso. Eu não vou perdoar e esquecer. Estou tentando ser melhor
do que isso e não jogar fora os meus sonhos porque fiquei magoada.
— Anas…
— Não, pelo menos desta vez você precisa me ouvir — ela me
interrompe, me impedindo de fazer minha defesa. — Eu sei que Aaron foi
um péssimo amigo, mas estar no topo exige sacrifícios. Eu não posso estar
no topo sem ele, mas você está tão determinado a criar uma barreira entre
mim e ele que não está me ouvindo quando eu digo que sei o que estou
fazendo. Eu já tomei minha decisão para consertar as coisas
profissionalmente.
— Que besteira. Você sempre tem opções, Tasi. Você não precisa se
mudar, não precisa fazer terapia, não precisa fazer porra nenhuma que não
queira por aquele cara. Por que você precisa fazer sacrifícios por ele? Ele não
se importa com você. Eu só acho engraçado o fato de que ele me odeia e, de
repente, a terapeuta de vocês diz que é melhor a gente não morar mais junto.
— Isso não é sobre você, Nathan. Você está escolhendo não entender —
diz ela, calma. — Você não está tentando enxergar as coisas pelo meu ponto
de vista. O seu sacrifício foi pelo seu time, mas o meu é por mim mesma,
pelo meu futuro, que deveria ser o nosso futuro. Você precisa separar o
Aaron “amigo” do Aaron “patinador”. Você precisa tirar da sua cabeça que
eu estou sendo manipulada, porque não estou.
Eu odeio tudo isso. Odeio parecer o insensato, e que, de alguma forma,
Aaron vai sair ganhando. Eu só não quero que perca o tempo dela com ele.
Entendo que ela precisa fazer isso para patinar, mas queria que não fosse
assim. Mas ela tem seus compromissos fixos sem eu ter que dividi-la com
ele.
— Ele vai te deixar comer depois que você se mudar para lá?
Ela apoia a cabeça nas mãos e, quanto mais tempo demora para
responder, mais me arrependo das minhas palavras. Finalmente, quandoestou me mexendo desconfortável no assento, ela levanta o olhar.
— Estou me esforçando ao máximo para ser paciente porque eu te amo, e
sei que lá no fundo, você só está preocupado comigo. Mas se não consegue
conversar comigo com o mesmo nível de respeito que eu falo contigo, então
é melhor ficar quieto. Eu tenho a competição mais importante da minha
carreira daqui a uma semana, e não posso me preocupar em proteger o seu
ego porque você acha que o maldito do Aaron Carlisle tem alguma
influência no quanto eu te amo.
Quando ela termina de falar, me sinto como uma criança malcriada, e
não faço nada além de concordar em silêncio. Ela se inclina para o banco do
motorista para me dar um beijo e, quando nos afastamos, ela apoia a testa
na minha e faz carinho no meu queixo. Tudo que ela disse é verdade, e na
minha cabeça, eu posso admitir, mas na hora de falar em voz alta, as
palavras não saem.
Enfim, consigo dizer alguma coisa, mas não é o pedido de desculpa que
ela merece.
— Eu só não quero que ele te machuque.
Ela segura nossas mãos contra o peito. Vejo a dor no seu rosto e nem
posso culpar Aaron por isso, porque desta vez a culpa é minha.
— Pode, por favor, nos levar para comemorar? Por favor, Nate. Eu quero
curtir esta noite com você — ela pede, com a voz tão baixa quanto um
sussurro.
Eu engato a marcha e faço o que ela pediu, apesar de achar que não temos
mais nada para comemorar.

Quebrando o Gelo- Hannah GraceOnde histórias criam vida. Descubra agora