Capitulo 5

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Anastasia

e na minha frente, quase me fazendo cair.
— O que foi? — pergunto, confusa, quando ele praticamente arranca sua
mão da minha. Ele dá um passo para o lado e, assim que seu corpo imenso
sai da frente, vejo o mesmo que ele viu.
— Parece que o seu namorado quer me matar.
— Bem, isso é estranho — provoco enquanto desço até ficarmos no
mesmo degrau. — Eu não tenho namorado.
Mas ele tem razão: Aaron parece mesmo estar pronto para matar alguém.
A expressão dele não muda quando se aproxima de nós após descermos as
escadas.
— Ei — digo —, achei que ia ficar em casa hoje.
Aaron ainda está encarando Nate, mesmo quando coloco a mão no braço
dele e aperto de leve. Finalmente, ele se vira para mim com as sobrancelhas
erguidas.
— O que estava fazendo lá em cima com ele?
Sinto a presença de Nate ao meu lado, sua mão pairando perto da minha
lombar. Decido ser legal em vez de seguir meu impulso de dar uma bronca
em Aaron por agir de forma tão estranha e grosseira na frente de estranhos.
— Aaron, Nate. Nate, Aaron. Ele é meu parceiro de patinação.
A testosterona que emana deles é quase palpável quando se
cumprimentam, e ambas as mãos ficam brancas tentando esmagar uma à
outra. Ridículos. Quando finalmente se afastam e o sangue volta a circular
em seus dedos, me viro para Aaron e forço um sorriso falso que ele não
merece.
— Você está bem? Onde estava?
— Perguntei primeiro.
— Estava mijando. Posso? — respondo, curta e grossa.
Foi um dia difícil, e já aturei muito de Aaron hoje depois da reunião,
quando tratou Ryan como seu arqui-inimigo.
Ryan queria me levar para sair para comer. Sabe, algo normal de se fazer
com amigos. Aaron fez uma expressão decepcionada quando me lembrou de
que preciso caber no traje para a competição regional. Como se eu fosse me
esquecer disso, ainda mais com ele por perto. Ryan ficou puto, então disse
para Aaron que, se ele não conseguia me levantar, era porque precisava
malhar mais.
Óbvio que Aaron não gostou da resposta e, na verdade, eu estava tão de
saco cheio do drama que Ryan acabou me dando uma carona até em casa.
Infelizmente minha salada de frango não estava mais tão boa sabendo que
Ryan iria me levar para comer um hambúrguer ou algo assim.
Agora, estou irritada e com fome, um pouco bêbada, e tenho que
presenciar Aaron ser um babaca e me matar de vergonha.
Aaron arqueia uma sobrancelha, obviamente sem acreditar que eu estava
no banheiro.
— Achei que você estava colecionando capitães de times como se fossem
Pokémons. Cadê o Rothwell? Geralmente é ele quem fica enroscado com
você.
As palavras dele me atingem como um soco no estômago, como era sua
intenção, e não consigo controlar o aperto que sinto na garganta. A mão de
Nate toca nas minhas costas quando ele se aproxima.
— Se vai agir como um babaca, vai ter que vazar, cara. Todo mundo aqui
quer se divertir.
— Você está se metendo em uma conversa privada, cara — responde
Aaron com um tom firme.
— Você está na minha casa e está sendo escroto com a minha convidada.
Ou muda de tom ou vai embora.
Nate é um cara grande, maior do que Aaron. Ele é mais alto, forte e
musculoso. Sem contar que é a porra de um jogador de hóquei. Aaron tem o
corpo de um dançarino de balé, forte também, mas esguio. Além disso,
graças à sua vida privilegiada, ele nunca esteve numa briga, então fico
surpresa de vê-lo tentar começar uma com alguém que tem experiência no
negócio.
— Desculpa, Tasi — diz ele, falando arrastado. — Acho que fiquei
chateado porque sei o motivo pelo qual o rinque foi destruído.
— Ninguém sabe o que aconteceu — responde Nate rápido.
Rápido demais.
Aaron ri, mas claramente não acha graça.
— Eu sei. Um calouro não conseguiu se controlar. Engravidou a irmã
mais nova de um cara. Depois sumiu. — Ele se vira para mim com uma
expressão de falsa surpresa no rosto. — Que chato isso, né, Tasi? Sumir
depois de ter engravidado alguém? E agora somos nós que temos que pagar
o preço.
— Não foi nada disso que aconteceu — diz Nate com a voz firme.
Nossa, me sinto idiota. Eu não deveria ter acreditado na palavra dele: é
óbvio que sabe o que aconteceu. Meu corpo enrijece com o toque de Nate, e
ele a retira rapidamente, me dando espaço.
— Bom, quanta diversão — digo, tentando não demonstrar o quanto
estou abalada, que é o que Aaron quer. — Vou para casa.
— Beleza, podemos ir juntos. Vou procurar Lo.
Em questão de segundos, ele é um cara completamente diferente. Às
vezes parece que sou amiga do dr. Jekyll e do sr. Hyde, especialmente depois
que Aaron bebe e seu lado malvado aparece. É triste porque, na maior parte
do tempo, ele é ótimo, mas também sabe esconder muito bem esse lado.
Nate faz uma expressão impaciente e suspira, frustrado, ao vermos Aaron
desaparecer em meio à multidão.
— Eu não queria mentir para você.
Dou um passo para a frente e me viro para encará-lo. Ele olha para mim
como se tivesse um peso imenso em seus ombros, e, até onde sei, isso é
verdade. Mas também tenho meus objetivos. Eu amo meu esporte, e meu
tempo de treino é tão importante quanto o dele.
Ele passa a mão no rosto e força um sorriso.
— Não quero que isso afete nossa amizade ou, pelo menos, a amizade
que poderíamos ter.
— Você acha que boas amizades começam com mentiras?
— Na verdade, não — diz ele, se enrolando com as palavras. — Eu não
queria mentir pra você, mas nem meu time sabe dessa história, e juro que
não foi isso que aconteceu. Seu parceiro tá mentindo também.
Queria não ter vindo para essa festa.
— Ótimo, então todo mundo tá mentindo pra mim. Maravilha — digo,
sarcástica. — Deixa pra lá, tudo bem. O time de hóquei vai cuidar dos seus e
todo o resto pode, tipo, se foder.
Duvido que o dr. Andrews, meu pobre terapeuta de longa data, ficaria
orgulhoso. Comunicação é tudo, é o que ele fala em toda sessão já faz dez
anos. Tecnicamente, eu sei me comunicar, não muito bem, mas é o bastante.
Eu não sei explicar para Nate o quanto essa situação é estressante sem ser
dramática. Talvez eu não esteja fazendo força o bastante para não reagir do
jeito que Aaron queria, mas culpo o álcool e a falta de comida boa.
Nate segura meu braço quando me viro para ir embora. Olho por cima
do ombro para ele e vejo sua expressão tranquila.
— Eu juro que ele só ficou com a garota. Ela tem namorado e ele não
sabia. Nada de gravidez.
Ele parece estar sendo sincero, mas também parecia da outra vez. Me viro
de novo para ele e dou um passo para trás, tentando abrir uma boa
distância, mas ele continua segurando meu braço.
— Sem ofensa, mas a sua palavra não vale nada. Você não faz ideia da
pressão em cima de mim, dos sacrifícios que eu tive que fazer. Não entende
como é saber que tudo isso está em risco porque um pirralho se esqueceu de
colocar a camisinha.
Ele franze o cenho, parecendo confuso.
— Em risco? Você tá fazendo tempestade em copo d’água. Se a gente não
exagerar e trabalhar junt…
Consigo sentir meu corpo pegar fogo. Está claro que ele não entende as
consequências dos erros do time dele. Ele tem um time inteiro para ajudá-lo
a ganhar, mas, no meu caso, somos só Aaron e eu. Se não praticarmos o
bastante, não vamos ganhar. Se não ganharmos, não vamos para as
Olimpíadas. Se não formos para as Olimpíadas, para que tudo isso?
Maple Hills tem dois rinques por um bom motivo. É por isso que alguns
dos melhores atletas do país são treinados aqui. Porque a universidade
garante haver espaço e tempo de treino suficientes para nos tornarmos os
melhores.
— Você acha que tô exagerando? Quer saber, Nate… — digo e me solto
da mão dele. — Esquece. Fica longe de mim e eu fico longe de você.
— Tasi! — grita ele quando começo a cruzar a multidão.
Mas eu o ignoro, pela primeira de, tenho certeza, muitas vezes.
Meu nível de raiva hoje, que deve ser o pior dia da minha vida, continua
a aumentar enquanto procuro por Lola pela casa. Parece que estou jogando
Onde está Wally na vida real.
Também não encontro Aaron, mas não sei dizer se isso é bom ou ruim,
depois da cena que ele causou.
Foi fácil encontrar Ryan: ele ainda estava no escritório com os colegas de
time. Mas não esperava encontrá-lo sentado no sofá, sussurrando no ouvido
de Olivia Abbott.
Estranhamente, minha primeira reação é: “Será que Lola sabe que sua
arqui-inimiga está aqui?” Mas, depois disso, fico em choque.
Acho que nunca vi Olivia em uma festa. Nunca. Ela é ainda mais bonita
de perto do que no palco. O cabelo loiro-dourado está em um penteado que
mais parece o de uma atriz clássica de Hollywood, os olhos com um
delineado que eu levaria semanas para fazer, e os lábios perfeitamente
pintados de vermelho. Ela parece pronta para o Oscar, não para uma festa de
universidade.
— Ei, desculpa interromper — digo quando me aproximo. Ryan para de
falar e olha para mim. — Vocês viram a Lola?
Na mesma hora, Ryan parece nervoso, mas é desnecessário. Bom, a
menos que eu decida matar Aaron hoje e precise de ajuda para esconder o
corpo.
— Tá tudo bem? — pergunta Ryancorpo.
— Tá tudo bem? — pergunta Ryan.
— Só o Aaron sendo ele mesmo. Vamos pra casa.
— Eu vi a Lola entrar no quarto do Robbie mais cedo — diz Olivia,
baixinho. — Se você tiver que ir embora agora, posso ficar de olho, para ter
certeza de que ela vai chegar bem em casa. Não estou bebendo e vim de
carro.
— Quer ajuda com Aaron? — pergunta Ryan.
— Olivia, se puder fazer isso mesmo, vou te amar pra sempre —
respondo, aliviada por saber que alguém vai ficar de olho em Lo. — Aaron
vai se comportar agora que já espirrou o veneno dele. Desculpa por não ter
falado com você antes, Olivia. Você está linda. Da próxima vez a gente
conversa melhor. Meu Uber chegou, preciso ir.
Ela me lança um sorriso tímido.
— Sim, seria legal. Até a próxima.
— Me avise quando chegar em casa, tá? — grita Ryan quando me afasto.
— É sério, Tasi. Não esquece.
Eu sei que é estranho imaginar o cara que é seu pau amigo e a falsa arquiinimiga
da sua melhor amiga juntos, mas um relacionamento entre Abbott e
Rothwell seria o tipo de casal que faria meninas adolescentes chorarem de
tanta perfeição.
As coisas funcionam entre mim e Ryan porque eu não quero um
relacionamento e ele não está nem aí para isso. Se em algum momento ele
achar alguém e quiser namorar, eu jamais vou impedir. Ele merece ser
amado e feliz, porque é um cara incrível.
Ele seria o fã número um da Olivia, e talvez a fizesse se soltar mais. Ainda
não conheço bem Olivia, mas mesmo quando ela ganha o papel dos sonhos
de Lola, nem minha amiga pode negar que a garota parece bem legal.
Mal posso esperar para ver onde isso vai dar.
Comecei a trabalhar no Rinque da Simone no primeiro ano, quando
Rosie, uma amiga de uma amiga, comentou que sua mãe estava contratando.
Os gastos com livros didáticos estavam aumentando, e eu não podia
pedir dinheiro para meus pais, já que eles estavam pagando por todos os
meus equipamentos de patinação. A dona do rinque, Simone, pagou um
curso de formação de treinadores para mim, de forma que eu pudesse dar
aulas aos sábados para crianças com menos de dez anos.
— Tudo certo? — pergunta Simone quando entra na sala de descanso
onde estou sentada, tentando decidir o que comer.
— Sim, tudo. Acho que vou comer alguma coisa antes da próxima aula.
— Tem um jovem muito bonito na recepção procurando você — diz ela,
me lançando uma piscadela. — Parece que ele trouxe comida.
Quando chego na recepção, vejo que Simone tinha razão, lá está um
rapaz bem bonito.
Ryan parece perdido, cercado de meninas de seis anos gritando ao seu
redor. Assim que me vê, seu olhar fica mais suave e o canto da boca levanta.
Ele ergue dois sacos de papel, um em cada mão:
— Quer almoçar comigo?
— Tenho outra turma que começa às 13h. Consegue comer tudo isso em
trinta minutos?
— Consigo fazer muita coisa em trinta minutos, Anastasia. Você já
deveria saber disso.
Nos sentamos a uma mesa no canto perto da loja de conveniência e ele
começa tirar a comida dos sacos.
— Antes que brigue comigo, trouxe uma salada para você… mas também
trouxe batata frita com cheddar e bacon e uma porção de nuggets, porque vi
o post de hoje sobre como é importante ter equilíbrio.
Reviro os olhos porque não sei qual de nós dois é mais previsível.
— Equilíbrio é importante, para de zoar comigo! Enfim, obrigada. Você
não precisava trazer almoço, ainda por cima pra dois, por sinal, mas
obrigada. Onde foi parar ontem?
Ryan morde seu hambúrguer, pega algumas batatas e solta um suspiro de
felicidade.
— West Hollywood, no Honeypot. Meti o pé na jaca.
— Com Olivia?z tempo que você não namora, e pelo pouco que conheci, ela parece ser
bem legal.
— Não vou namorar com ela, sua dramática. Só peguei o número dela.
— Depois, o casamento.
Ele bufa, dando de ombros e limpando as mãos em um guardanapo.
— Vamos ver. Por que você não casa comigo, Allen?
— Por que você pulou a parte do namoro e quer casar logo?
— Por que namorar quando já somos melhores amigos? Namorar é
assustador. Sexo incrível e alguém que não fica chateada com minha rotina?
Tô dentro, bora casar. Você aceita um anel de cebola em vez de um
diamante?
— Eu não fico chateada com a sua rotina porque sou ocupada demais
para perceber que você também é — digo e o cutuco no braço. — Olivia é
legal, Ry. Sai com ela e vê no que vai dar. Na pior das hipóteses, vai contar
para seus futuros filhos que namorou uma atriz famosa, ou uma estrela da
Broadway, seja lá o que ela vai se tornar.
— Acha que eu deveria seguir o seu conselho? Logo você, alérgica a
relacionamentos?
Ele tem razão.
— Vou chamar ela pra sair, mas se der muito errado, Anastasia, a culpa
vai ser sua.
— Justo.
— Vai me contar o que aconteceu com Aaron?
Consegui perceber que ele está tentando manter a voz calma e neutra. Na
verdade, com base nas últimas doze mensagens que me mandou ao longo da
noite, sei que está bem interessado.
— Ele perguntou se eu estava colecionando capitães de times como se
fossem Pokémons — respondo, tirando meus nuggets da caixa e enfiando na
boca. — Ele me viu descendo a escada com o Nate Hawkins e achou que eu
tinha transado com ele.
— Caralho, qual o problema desse cara? — murmura Ryan, mergulhando
suas batatas no ketchup com força. — Não sei como você consegue passar
tanto tempo com ele. Mesmo se estivesse pegando o Hawkins, ele não tem
nada a ver com isso. Você é uma mulher solteira e pode fazer o que quiser.
— Eu sei, eu sei. Mas depois Aaron disse que descobriu o que aconteceu
com o rinque, e Nate tinha jurado pra mim, pouco antes, que não sabia de
nada. E aí virou uma confusão.
— Aaron é um babaca, Tasi. Foi errado Hawkins mentir, mas, mesmo
assim, ele é responsável pelo time. Não é como se fosse eu mentindo pra
você, ou algo assim. Vocês não são próximos. Entende?
— Sim, claro que entendo, mas quando fui explicar o quanto isso tudo
me afeta, ele disse que eu estava sendo dramática. E não importa. Como
vamos estar em pé de igualdade se ele nem tenta entender meu ponto de
vista?
— Ser capitão é difícil, pode acreditar. Você precisa pensar em vinte
outras pessoas além de você mesmo. Todos contam com você, não importa
que cagada tenham feito. Pode ser uma merda às vezes. Mas Hawkins é um
cara legal, não compra briga com ele.
Estou encarando seriamente meus nuggets porque não consigo olhar
para Ryan quando ele fala algo sensato.
Ele ri, se inclinando para a frente, de modo a chamar minha atenção.
— Você vai comprar briga com ele, né?
— Com certeza, sem dúvida. Para sempre. Depois do fim dos tempos, se
puder. Eles me deram esse carrinho por trás, então vou ficar o mais longe
possível de todos.
Ele ri sozinho antes de tornar a falar.
— Você sabe que não existe carrinho no hóquei, né?

Quebrando o Gelo- Hannah GraceOnde histórias criam vida. Descubra agora