AnastasiaColaboração.
Uma palavra. Onze letras. Duas horas no inferno.
— Vamos fazer algumas atividades para “quebrar o gelo” — anuncia a
treinadora Brady. Ela parece tão empolgada quanto eu. Sei que não quer
fazer isso porque veio alugando os meus ouvidos com suas reclamações
sobre a situação durante todo o caminho até aqui. O treinador Faulkner está
ao lado dela com a mesma expressão de quem só quer ir embora.
David Skinner, que está se tornando uma pedra no meu sapato, quer ver
a dinâmica entre nossos grupos melhorar. Brady me disse que Skinner
apareceu justamente quando Ruhi, um dos patinadores mais jovens da
equipe, estava discutindo com um dos meninos do hóquei por ter
interrompido o treino dele. Skinner testemunhou em primeira mão a
criatividade de Ruhi em criar insultos com o tema “hóquei”.
Então precisamos melhorar nossa colaboração.
Um ótimo jeito de desperdiçar um tempo que eu poderia usar para fazer
qualquer outra coisa. Eu deveria jogar meu planner no lixo de uma vez, já
que ninguém se importa mais com o meu planejamento.
Faulkner pigarreia e olha para Brady. Fora do gelo, ele parece
completamente perdido, e se eu não estivesse tão irritada por estar mais uma
vez na sala de troféus, acharia isso engraçado.
— Tenho certeza de que todos vocês já ouviram falar de speed dating —
diz Brady. — Meus patinadores, vocês vão se sentar à mesa. Jogadores dehóquei, vocês vão trocar de mesa a cada cinco minutos.
— Lembrem-se: isso não é um evento de encontros e namoro — grita
Faulkner. — O objetivo é que vocês se conheçam melhor. Conversem sobre
seus planos, hobbies, bichos de estimação, não me importa. Mas nada de
baixaria. Hughes, Hudson, Carter e Johal, que fique claro, estou falando com
vocês.
Os quatro fingem ficarem ofendidos, o que faz a sala inteira rir.
— Só pode estar brincando — reclama Aaron. — Não somos crianças.
Por mais que eu odeie concordar com Aaron, é verdade. Ele tem se
comportado muito bem nas últimas três semanas e sido uma companhia
muito agradável. Até pagou um jantar para mim, ele e Lola no Aiko, um
restaurante japonês famoso que eu jamais poderia bancar.
Ele parece ter mudado, e fico feliz com isso. Não vejo muito Ryan, porque
ele tem passado bastante tempo com Olivia, mas quando ele vai lá em casa,
Aaron tem sido bem-educado. Tento focar no lado positivo para que Aaron
não fique ranzinza.
— Pode ser divertido. Alguns deles são legais.
Eu adoro Henry Turner, um dos calouros do time. Semana passada eu
estava na biblioteca, surtando com uma redação sobre responsabilidade
social empresarial, e ele veio falar comigo. Apresentou-se, explicou que
estava no time e ouviu falar do que aconteceu. Disse que não podia
compartilhar tudo, mas queria contar um pouco mais.
E aí contou tudo sobre o time inteiro.
Henry começou explicando que, assim que se tornou capitão, Nathan
baniu todas as tradições de trotes. Ele me prometeu que não havia nada que
o time — incluindo Nathan — poderia ter feito para impedir esse desastre.
Russ, o pai da criança — que no fim das contas, não é o pai da criança —,
tem uma vida familiar difícil e que conseguiu escapar dessa situação se
esforçando para conseguir uma bolsa de estudos integral.
Nathan sabia que, se as pessoas descobrissem, talvez Russ perdesse a
bolsa, e como os pais não podiam pagar pela faculdade dele, ele teria que
voltar para a vida que lutou tanto para deixar para trás. Nathan é tãoprotetor de Russ que nem confiou no time para guardar esse segredo, apesar
de tudo.
Henry queria que eu soubesse que Russ não é um riquinho convencido,
só é tímido e não se mete em problemas, e Henry entende disso porque é
assim também. Ele não fez nenhum amigo no primeiro ano; apesar de ter
crescido em Maple Hills, a faculdade estava sendo um período difícil.
Ele odiava os dormitórios, mas como não tinha amigos para dividir uma
casa, ia ter que ficar por lá mesmo ou voltar a morar com os pais. Nathan
ofereceu um quarto na casa, a primeira vez que um novato tinha ido morar
com veteranos. Dali, ele começou a falar como o capitão era um cara legal e
que, apesar de eu estar com raiva, eu deveria dar uma chance para ele.
Depois de me contar todas as fofocas do time, ele terminou o discurso
me dizendo que eu era a patinadora mais linda que ele já tinha visto na vida.
Logo em seguida, explicou que estava falando da minha apresentação, não
da minha aparência, e que, quando não estou caindo de bunda no chão ou
parecendo uma filhote de girafa, meus movimentos são maravilhosos.
Achei que não era possível gostar mais dele, e aí ele me pagou um café e
me ajudou a estudar.
Brady bate palmas para nos sentarmos. Eu fico do outro lado da sala, o
mais longe possível de Aaron. Ele pode estar sendo simpático agora, mas
isso não quer dizer que o quero ouvindo minhas conversas.
Eu consigo ter conversas de cinco minutos, né? São apenas dois minutos
e meio para cada um. Consigo falar sobre mim mesma por dois minutos e
meio. Vai dar tudo certo.
Eu acho.
Meu primeiro “encontro” se senta à minha frente e, imediatamente,
relaxo ao ver um grande sorriso. Ele tem um cabelo loiro curto e a pele
marrom-dourada dos braços está coberta de tatuagens pretas, o que consigo
ver porque, assim que ele se senta, dobra as mangas e pisca para mim. Seu
queixo está coberto por uma barba por fazer e tem um piercing no nariz.
Parece ser o tipo de cara que vai bagunçar sua vida, mas não de um jeito
ruim.
Ele estica a mão para mim e nos cumprimentamos de um jeito que
parece formal demais.
— Jaiden Johal, mas pode me chamar de JJ.
Estranho, mas eu o imito.
— Anastasia Allen. Pode me chamar de Tasi.
— Ah, sei bem quem você é. Minha missão de vida é conhecer todas as
mulheres que dão uma bronca no Nate Hawkins. Sou seu fã.
Droga, eu estou ficando vermelha.
— Obrigada, acho? Me conta sobre você. Temos que gastar cinco
minutos.
O som de pessoas conversando preenche a sala, o que é bom. JJ estica as
pernas e se acomoda na cadeira.
— Tenho vinte e um anos. Sou de escorpião, com lua e ascendente em
escorpião. Sou do Nebraska, e, se você já foi pra lá, sabe que não tem nada
pra fazer. — Ele esfrega a mão no rosto e faz uma pausa para pensar antes de
continuar. — Jogo na defesa, vou para o San Jose Marlins quando me
formar, odeio picles. Faulkner disse que não podemos falar sobre coisas
sexuais, então não sei mais o que dizer.
Olho para o relógio no meu celular e só se passaram noventa segundos.
— Tenho vinte e um anos. Sou de Seattle, filha única e trabalho no
Rinque da Simone. Faço patinação desde criança, sempre em duplas, e
patino com Aaron desde o primeiro ano da faculdade. — Eu me ajeito no
assento, desconfortável, querendo que JJ volte a falar de si mesmo. — Nosso
objetivo é entrar na equipe nacional, queremos participar das próximas
Olimpíadas. — Por que isso é tão difícil? — Quero estudar administração.
Quer saber meu mapa astral?
Ele concorda com a cabeça.
— Óbvio.
— Virgem, ascendente também e lua em câncer. — Na mesma hora, ele
balança a cabeça e faz uma expressão decepcionada. — O quê?
— Lua em Câncer. Nada bom.
— Disse a pessoa com sol, lua e ascendente em escorpião?
Jaiden levanta as mãos no ar e arregala os olhos castanhos.— Saiba que somos muito incompreendidos.
Olho para o relógio de novo, falta apenas um minuto.
— Sessenta segundos. Mais alguma coisa?
Ele esfrega as mãos de um jeito que me deixa nervosa.
— Você preferiria… ter uma cabeça de peixe e o seu corpo, ou sua cabeça
e um corpo de peixe?
Pelo menos trinta segundos se passam enquanto o encaro, tentando
chegar a uma resposta. Ele cutuca o relógio no pulso.
— Tique-taque, Tasi. Seu tempo tá acabando.
— Eu não sei.
— Dez, nove, oito, sete…
— Cabeça de peixe com o meu corpo. Eu acho. Nossa, que imagem
terrível.
— Boa escolha — comenta, satisfeito com a minha resposta. Brady sopra
o apito, dando o sinal para trocarmos de lugar. Ele pisca para mim de novo,
e com certeza fico vermelha mais uma vez. — Espero te ver de novo.
O tempo voa e os encontros passam. Três calouros pediram meu número,
um cara chamado Bobby passou os cinco minutos inteiros falando sobre
uma menina em vez de contar sobre si mesmo, e quando um cara chamado
Mattie percebeu que tínhamos uma aula juntos, gastou todo o tempo me
pedindo para explicar o último trabalho da aula e escrevendo as respostas
no celular.
Robbie se aproxima da minha mesa, e é bom ver alguém que já conheço,
pelo menos um pouco.
— Anastasia.
— Robbie. Você por aqui.
Tem algo rolando entre Lola e Robbie. Não sei bem o quê. Ela não sabe.
Assim que soube que a gente faria essa atividade de “colaboração”, recebi
instruções bem específicas.
— Como vai?
— Estou bem. Espero que você passe os próximos quatro minutos e… —
ele olha para o relógio — ... vinte e oito segundos falando da sua amiga.Ela vai surtar quando eu chegar em casa. São os quatro minutos mais
fáceis da minha vida; a vida de Lo é um livro aberto: ela é exatamente o que
você espera. Falar dela para alguém é fácil, porque ela gosta de tudo e é a
amiga mais gentil e amorosa de todas.
Tenho vergonha de admitir que Joe e Kris são tão engraçados que tive
que cobrir minha boca para parar de rir, e isso me irrita porque eu tinha
zero intenção de gostar de outros jogadores de hóquei.
Era para ser apenas Henry, para sempre.
Esses dez minutos de risada vieram na hora certa, porque estou de bom
humor quando Russ se senta à minha frente.
Parece inútil descrever mais jogadores de hóquei porque a única palavra
que vem à minha mente é “grande”. O mesmo vale para Russ, mas algo que o
diferencia dos amigos é a carinha de bebê. Diferente do resto do time, ele
não tem nem uma sombra de barba. Seus olhos são grandes e gentis, como
os de um cachorrinho.
Nunca havia reparado nisso antes, mas também nunca o tinha visto de
perto. Ele parece muito nervoso, e me lembro de quando Henry me falou
que ele era quieto.
— Eu sou Tasi. Russ, né?
Ele faz que sim e as pontas das suas orelhas começam a ficar vermelhas.
— Isso. Prazer em te conhecer. Você quer me falar de você ou algo assim?
Não tenho nada interessante pra falar.
Ah, Russ, por que você é tão tímido justamente quando quero continuar
com raiva de você?
Começo o mesmo roteiro que segui com os outros caras; ele faz
perguntas para me manter falando e, quando o apito toca e ele vai embora,
ainda não sei nada sobre ele.
— Foi legal te conhecer — diz ele com gentileza ao se afastar.
A atividade está quase acabando, e estou puta com o fato de que está
realmente funcionando. É difícil ficar com raiva por ter que dividir o rinque
com esses meninos depois de saber quais são suas motivações e seus sonhos
para o futuro.
Bom, é difícil, não impossível.Por eliminação, sei que faltam apenas duas pessoas. Minha bateria social
está quase no fim, mas me forço a continuar e, quando Henry se senta à
minha frente, sei que vale a pena.
— Não tem necessidade disso, né? — murmura ele ao colocar os
cotovelos na mesa e apoiar a cabeça nas mãos. — Por que preciso saber o
nome do bicho de estimação de alguém? Ou seu aniversário? A única pessoa
que se interessa por essas coisas é um hacker. E nem gosto de computadores.
Fico chocada.
Em todas as vezes que nos encontramos, Henry estava tão tranquilo e
relaxado que estava quase deitado. Parece que Skinner escolheu a única
coisa que consegue tirá-lo do sério: socialização forçada.
— Por favor, não me fale sobre os seus bichos, Anastasia — implora ele,
passando a mão pelos cachos castanhos e suspirando profundamente. —
Não tenho energia pra fingir que me importo.
— Quer ficar sentado em silêncio? Só tem mais uma pessoa depois de
mim. Podemos fazer disso aqui um intervalo.
— Ótima ideia, valeu.
Henry fecha os olhos, e não tenho o que fazer além de observá-lo tirar
uma soneca-relâmpago. É estranho, mas ao mesmo tempo, o que mais posso
fazer? Se ele não seguir carreira como jogador de hóquei, poderia ser
modelo. Rosto perfeitamente simétrico, pele marrom macia e brilhante, as
maçãs do rosto mais bem-definidas que já vi em um homem. Ele é lindo.
— Estou sentindo você me encarar. Pode parar, por favor?
Que bom que ele continua de olhos fechados, assim não vê que fico
extremamente vermelha. Brady assopra o apito de novo, e Henry sai
andando e mal olha para mim.
Só falta uma pessoa, e é quem eu não queria ver. Ele demora uma vida —
bom, parece uma vida — para se sentar. Está vestindo uma camiseta do
Maple Hills Titans e uma calça de moletom cinza, e eu odeio ser uma
mulher que se sente atraída por homens que usam calça de moletom cinza.
Merda. Não, não vou cair nessa.
— Oi — diz ele, empolgado —, meu nome é Nathan Hawkins.
— Vai ser assim, então?Ele ignora minha pergunta e arqueia uma sobrancelha.
— E o seu?
— Nathan, o que você tá fazendo? — pergunto, cruzando os braços e me
encostando na cadeira. Ele me imita e cruza os braços. Alguém observando
de fora diria que somos a dupla menos simpática e, para ser sincera, somos
mesmo.
— Vamos começar do zero. Todo mundo ama começar do zero, né?
Vamos tentar. Não pode ficar chateada para sempre.
— Meu plano era ficar chateada até o fim dos tempos, então acho que
você está me subestimando. — Ele começa a rir, e não sei o que fazer,
porque meu rosto está se contorcendo para tentar segurar a risada também.
Droga.
— A sua dedicação a uma causa é admirável, Allen — provoca. — Já sei
que você é patinadora, estuda administração e nasceu em Seattle. Descobri
que você pode ser assustadora, mas muito gentil também. — Na mesma
hora, minhas sobrancelhas sobem e fico confusa até ele explicar. — Com
Henry, não comigo.
— Henry foi legal comigo.
A empolgação dele diminui um pouco, sua máscara carismática começa a
cair.
— Eu quero ser legal com você. Escuta, me desculpe por ter mentido. Eu
não tinha escolha e precisava cuidar do Russ. Eu quero mesmo ser seu
amigo, Anastasia.
— Eu sei, eu entendo. Você não me conhece, não confia em mim e tudo o
mais. Beleza. Eu entendo, mas tentei explicar como estava me sentindo para
você entender o meu ponto de vista, que você imediatamente ignorou e
disse que eu estava exagerando.
Me sinto ingênua de falar isso, mas já fiz muita terapia na vida e aprendi
que tenho que falar sobre o que sinto. Bom, quando não estou sendo
mesquinha. Todo mundo me disse que Nathan é um cara legal, então vou
lhe dar a chance de agir como tal.
— Entendo que isso tenha feito você querer manter distância de mim. —
Ele enfia as mãos nos cabelos e puxa um pouco, como se estivesse irritadoconsigo mesmo. — Sinto muito, não devia ter feito isso. Podemos começar
de novo?
O apito de Brady toca pela última vez, mas Nathan não se mexe. Espera
eu responder, e seus olhos castanhos me encaram com tanta intensidade que
parecem querer enxergar minha alma.
— Você está sob observação. — Suspiro.
Sinto o calor subir pelas bochechas quando ele sorri para mim.
— Vou te impressionar.
— Espero que sim.
Merda, merda, merda
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Quebrando o Gelo- Hannah Grace
RomanceUma patinadora artística ultracompetitiva tem de dividir o rinque com o capitão «quebra-corações» da equipa de hóquei? O gelo não vai quebrar entre estes dois, vai derreter! Anastasia treina todos os dias com a ambição de garantir um lugar na equipa...